segunda-feira, 5 de julho de 2021

A cabeça: essa desconhecida...

"A cabeça do homem do povo, eis aí a questão".

Victor Hugo




 Na semana que passou tivemos noticias de três manifestações "chocantes"; as três relacionadas com a cabeça e protagonizadas por 3 personagens distintos.

Aqui nos arredores da cidade, numa praça de Águas Lindas, moradores encontraram uma cabeça humana dentro de um saco plástico. Até agora a policia ainda não identificou seu antigo dono...

O Presidente da CPI (no Congresso Nacional), o senador Omar Aziz, irritado com o depoimento de um investigado, preveniu-o com esta frase contida na música de um tal Alípio Martins e que, segundo ele, é muito comum lá entre os amazonenses: "chapéu de otário é marreta".

Xi Jimping, discursando nas comemorações dos 100 anos do Partido Comunista Chinês, dirigindo-se naturalmente ao Ocidente, fez a seguinte advertência: "Quem ameaçar a China terá a cabeça amassada!".

Parece banal, mas é curioso o fato da cabeça ser sempre o principal alvo das mais implacáveis fantasias de vingança, e que a morte, como nos lembra Alexandre Vialatte, geralmente não tem amigos sinceros.

... Sem falar da famosa 'máquina democrática' chamada guilhotina, filha das Lumières, que veio para humanizar o suplício dos condenados e cujo protótipo foi produzido, bizarramente, por um médico (Dr. Guillotin), por um arquiteto e um músico...


Leio narcisisticamente um parágrafo das páginas 410,411: Descobri a tumba do nono Broll lá em Spressiano e em Veneza, fiquei encantado com o gato preto que ronronava sobre o bico de uma gôndola. Vi a lua cortar o vazio da noite parisiense, ora cheia como uma bexiga de bizon, ora como um dente de alho, ora como um pentelho curvo e frágil. Vi o eclipse solar de dentro do Arco do Triunfo e estive perdido na imensidão do nada nestas noites tão dolorosas e longas, como amorosas e breves, erecto como um defunto, encolhido como um feto, ou desperto como um criminoso. Comi minha amante nas camas barulhentas de todos os hotéis do mundo, experimentei ser o vento e varri as dunas de Merzouga no silêncio e no caos do Sahara, onde pude ser o fígado intoxicado de um camaleão e o olhar lúcido e viril de uma águia. Dois falcões siberianos, uma raposa no deserto, uma roseira branca e ordinária enfeitando o jardim de um casebre francês. Um terremoto interior, um furacão entre o cérebro colonizador e o coração em pânico... Conforme estas palavras e estas frases vão aparecendo no papel, vou sentindo um riso cínico instalar-se em meus lábios e uma satisfação demoníaca fazendo-se dona de meu ser: é que este é o fim de minha obra, a apoteose de meu stronzo, e porque este é o momento em que, finalmente, vejo minha cabeça colocada sob o fio da lâmina triangular de todas as guilhotinas e de todas as vinganças. O garçom olha curioso para as 411 páginas que folheio, pensando delas, talvez, a mesma coisa que pensava um famoso intelectual francês: O livro tem os mesmos inimigos dos homens: o fogo, a umidade, as bestas, o tempo e, principalmente, seu próprio conteúdo. (Paris, 1994)

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