"(...) Sei também que me será concedido um funeral. Só lamento que a oração fúnebre seja pronunciada pelas mesmas pessoas que me traíram..."
Imre Nagy
(Citado no livro A comuna de Pequim, de Marilia Andrade e Luis Favre)
Meu correspondente em Havana acaba de mandar-me informações sobre as manifestações politicas e os eflúvios daquela luxuriosa ilha. Antes de qualquer devaneio político, diz estar à janela de uma daquelas casas desbotadas do século XVII, de cara para o mar imenso que chega fingidamente calmo até os paredões do Malecom para ali, bruscamente, se desplumar em efervescentes e minúsculas pérolas... Diz que ainda há policiais fardados e disfarçados pelas ruas, uns com tacos de beisebol e outros com cassetetes... Os manifestantes desapareceram, uns foram presos, outros espreitam e se preparam para voltar às ruas... Difícil prognosticar o amanhã. De Miami chegam precariamente incentivos à revolta. Há muitos devaneios e bravatas poéticas no ar, mas quem é que não se lembra do massacre da Praça Tianamen, em Pequim, em 1989? Aqueles tanques passando por sobre o corpo de estudantes adolescentes desarmados que já sem voz, insistiam em entoar as estrofes da Internacional? Tudo em nome de uma seita que acredita no retorno a um suposto paraíso perdido. Depois as mentiras. As desculpas, as justificativas. As demagogias para cativar e engambelar novamente a juventude. Quem é que não se lembra da poética declaração de Chen Duxiu, fundador do Partido Comunista Chinês em 1921: "A juventude é como a primavera precoce, como o sol nascente, como as plantinhas e as árvores brotando, como uma lâmina recém afiada. É o período mais precioso da vida. O papel da juventude na sociedade é como onde uma célula nova e vital no corpo humano... Se o metabolismo de uma sociedade funcionar normalmente, ela prosperará; se os velhos elementos apodrecidos dominarem a sociedade, então ela cessará de viver..."
Mas e a Praça da Paz Celestial que ficou ensanguentada como um matadouro? E os que foram fuzilados a mando dos mandarins vermelhos? Mas então, aqueles adolescente não eram como a Primavera precoce? Demagogias... Na verdade, como teria dito um outro ministro famoso daqueles tempos: "quando alguém virá mandarim, até seus patos lucram com isso..."
Meu correspondente vai descrevendo, meio emocionado, trechos da história de Tianamem associados a daquela ilha caribenha estupenda... e insistindo que é necessário destribalizar-se... Ah!, os festivais de cinema; as noitadas de rumba; a salsa; o rum; o tabaco, a maresia e os charutos; La casa de las Américas; as praias desertas; uma gringa bêbada cantando Babalu; os discursos intermináveis do Fidel; as cercas de arame farpado de Guantanamo; as paredes crivadas de balas; Fulgêncio Batista; os cassinos; os chicharrones no óleo; as sacadas de madrugada no Hotel Havana... E aqueles automóveis dos anos 50 que vão ziguezagueando até a lendária Sierra Maestra e até o Pico Turquino, de onde, à noite, depois de meia garrafa, se pode ver um pelicano pousado na proa de um barco clandestino e as luzes da Jamaica como vagalumes, lá no outro lado do mar misterioso e imenso salpicado de desventuras... Bob Marley...
Sua descrição vai ficando cada vez mais intimista, pessoal e distante dos delírios ideológicos. Que se foda essa politica rasteira e chauvinista! (escreve com tinta vermelha) e conclui com uma frase que teria sido dita por Deng Xiaoping ao entender que, em toda e qualquer circunstância, o instinto de liberdade é bem mais potente que o instinto de morte: "quando abrirmos as janelas, entrarão moscas; mas não importa, precisamos respirar..."
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