sábado, 5 de setembro de 2020

O silêncio do exílio...

"Todo jogo é uma volta à nossa infância, quando toda a vida não era mais que um jogo... O jogo é uma das ilusões piedosas que nos tornam suportável a existência..."

W, Stekel


 Os seis meses de confinamento estão servindo, também, para perceber  como nossa vida, no fundo, sempre foi uma odisseia de mediocridades. Na verdade, quê fazíamos antes do exílio doméstico? Nada! Esperávamos por Godot!

A ilusão de liberdade, fazia tudo por nós!

O cárcere de agora tem servido como pretexto para queixas e  choradeiras infantis (frequentemente até confundidas com depressão). Razão pela qual, muita gente, mesmo que não o diga, se sente muito bem dissimulada nessa situação e até gostaria que continuasse para sempre. A luta com o vírus passou a ser uma espécie de jogo, uma competição de artes magicas, e o jogador, todo mundo sabe, se comporta com seus elementos de jogo como os feiticeiros dos povos primitivos com seus apetrechos de magia. O álcool, o sabão, a máscara, a vitamina D, as rezas, o confinamento, as fobias, as abstinencias... E a vacina, seja  ela a russa, a chinesa, a cubana, a inglesa ou a de Trump, terá a conotação da "volta do salvador" para, por fim, aplacar a "fúria da besta!" e dar-nos a salvação...

Quê miséria!

Mas enfim, esta prisão, apesar das diferenças brutais entre umas  celas e outras, entre uns presídios e outros.., iguala. Socializa, democratiza, dá a ilusão de que, finalmente, todo mundo está na mesma merda, no mesmo barco, no mesmo rebanho e na mesma mesa de jogo. E existirá alguma coisa mais democrática e socialista do que o jogo de baralho, por exemplo? Onde as rainhas, os reis, rainhas e valetes se misturam e andam juntos?

A mim, o que mais tem me incomodado, além dos afazeres domésticos, é o silêncio. Não apenas o do prédio, mas o da cidade, que jaz sob um silêncio abrumador. O que teria acontecido com a cidade? E com os prédios? No passado, pelo menos de vez em quando, se ouvia os casais brigando, se amaldiçoando ou trepando. Alguém dando descarga; deixando cair um prato; fazendo um furo na parede; queimando um baseado; dando uns tiros para o alto; assando meio porco na varanda; ouvindo uma balada; esperneando por alguma cólica; jogando truco ou gritando Bingo!; recitando o mantra de algum feiticeiro ou de algum guru... Tendo um desmaio no meio de um despacho... Tenho saudades até da odiosa máquina-de-lavar, com defeito, que disparava de madrugada e dos "irmãos" da Cova de Jacó, que gritavam em coro, todos os sábados, anunciando as artimanhas de Satanás... E sinto falta daquelas pessoas que me ligavam para saber se eu já havia terminado a releitura da Divina Comédia (Dante); se havia terminado a tradução daqueles papiros secretos & apócrifos (que nós mesmos havíamos enterrado e desenterrado num terreno baldio), do aramaico para o Tupi-Guarani e se Max Stirner ainda me interessava. Agora, quando alguém me liga, quase sempre  é para saber se já lavei os banheiros! Caralho! E até a coruja, que lá pelas 5 da manhã ficava piando no telhado da banca de jornal da quadra, desapareceu... Agora, silêncio mórbido e total! E o Xitãozinho e Xororó, saindo do radio de pilhas que as faxineiras levam ligado o dia inteiro, no meio das tetas? Sumiram! Teriam perdido a fé na ciência? No phalo e em Deus? 

Quando queixei-me desse silêncio à velhinha do mercado, ela, colocando malandramente sua mão sobre meu peito, recomendou: 

- Bazzo, não diga quê silêncio!, diga: eu não ouço nada! São coisas diferentes... E gargalhou.


Um comentário:

  1. Certa vez eu li...comer, beber e amar(trepar) o parênteses é meu! e concluindo a frase...o resto não vale um níquel! Mas vejam o que fizeram da vida!!?? Digo, o tal do ser humano(um imbecil completo!) Esse IMBECIL vai o tempo todo e a todo instante contra essa última função (Reich)...FUDEU!!! Ou como diria Falcão... não é foda não kkkkkkkkk
    Bando de f(s)dp!!!

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