Nesta primeira quinta-feira de primavera, deparei-me com o Mendigo K. ali numa cafeteria improvisada. Estava com uma mulher negra radiante, de dentes de tigre e olhos de jabuticaba. Como sempre, fez questão de apresentar-nos um ao outro. É procedente do Haiti. Tem o sotaque dos colonizadores franceses (sua tataravó teria sido criada pela família Toussaint), detalhe que lhe garantiu um cargo excelente numa embaixada aqui da cidade. Estava lendo o conhecido livro do Alejo Carpentier: El reino de este mundo. Exibiu-me alguns trechos do livro para, em seguida, perguntar-me se conhecia a história do Mackandal. Mackandal? Não tenho idéia! Ela desabotoou um pouco a blusa de seda italiana para mostrar-me, entre as tetas, um medalhão onde aparecia, em alto relevo, a figura do tal Mackandal. É nosso heroi no Haiti e em quase todas as ilhas do Caribe! Disse. Mais ou menos o que Cristo é para vocês aqui. Não foi crucificado, mas foi queimado vivo pelos invasores estrangeiros daquela época, metade do século XVIII. Sabia tudo sobre magia, sobre Vodu, tinha o poder de metamorfosear-se em qualquer tipo de animal e propunha, para livrar meu povo da escravidão, sabe o quê? O veneno. Todos os brancos deveriam ser envenenados, para que, no Haiti, junto com a Republica Dominicana, fosse criado um Império Negro... Motivo pelo qual ficou conhecido como ‘o senhor do veneno’ e pelo qual foi lançado na fogueira…
Nesta parte de sua fala, o mendigo demonstrou um certo incômodo e ela, malandramente, foi suavizando o assunto. Anotei no guardanapo usado que ainda estava na mesa: Ver Mackandal, na obra de Alejo Carpentier.
https://elpais.com/diario/1995/06/21/cultura/803685607_850215.html
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