domingo, 27 de setembro de 2020

O Mendigo K., e a rosa de Angelus Silesius...


 

 Neste domingo de primavera, lá pelas 9 horas da manhã, avistei o Mendigo K., nos arredores do Palácio do Governo. Caminhava ao lado de uma senhora que é responsável (voluntária) por um imenso jardim de rosas que há ali. Ela ia examinando delicadamente cada roseiral e dizendo-lhe: Esta tem mais de quarenta anos, parece que foi plantada pela amante do Jânio Quadros. Esta foi deixada aqui pela mulher do Figueiredo. Esta  foi trazida do Japão por uma parente do Collor. Esta foi pisoteada quando impicharam a Dilma. Esta aqui é estupenda. Basta o mês de setembro apitar lá na esquina que ele já se enche de brotos.

E seguiam falando e caminhando, ora para um lado, ora para outro, ora para o norte, depois faziam um desvio para o leste, até que pararam diante de uma que estava num lugar privilegiado, mas sem rosa nenhuma. Esta, - ouvi que a senhora lhe dizia - é  minha preferida. Ela é a típica Rosa de Angelus Silesius.

Rosa de Angelus Silesius? Repetiu o Mendigo, deixando claro que não tinha a mínima ideia do que aquilo queria dizer. 

Ela fingiu não escutá-lo, continuou examinando as raízes e retirando umas folhas amareladas de sua preferida para, depois de um longo silêncio, explicar-lhe: Angelus Silesius foi um padre e médico alemão a quem se atribui esta frase: A rosa é sem por quê. Floresce porque floresce, não se auto-contempla nem pergunta se alguém a vê..."

Ele fingiu entender, mas era puro fingimento.

Ela, não satisfeita, tomou-o pelo braço e sugeriu que ele lesse O peregrino querubínico, do mesmo Angelus, ou então, que visse a tese de Cleide Oliveira, titulada: Por um Deus que seja noite, abismo e deserto...

E prosseguiram a caminhada... 

Ao passar em frente ao Ministério da Educação se depararam com um grupo que gritava contra o Ministro de plantão, acusando-o de homofobia. Homofobia? De novo? Novamente? 

Ela resmungou: preste atenção: se os homossexuais não passarem a ter com urgência um ombudsman que controle e regule seus ímpetos febris/paranoides de tiranias, ao invés de estarem construindo sua liberdade estarão indo, voluntariamente, ou iludidos por juízes e por outros picaretas vingativos, para um gueto odioso. Lembra de Cioran, do velhinho romeno que afirmava: "Os grandes déspotas, perseguidores e patrulhadores são sempre recrutados entre os mártires, entre àqueles a quem não se cortou a cabeça...?" Ele a olha e ouve com atenção e pensa: 'é por isso que Santa Teresa de Jesus é irmã póstuma de Safo e que Santo Antonio (o eremita), é um antecessor do marques de Sade...'


Seguiram a caminhada em direção à rodoviária. Ao chegar lá, se viram envolvidos por uma manifestação que gritava basicamente por Liberdade. Liberdade! Queremos liberdade! Gritava num megafone, uma menina querida e simpática mas que ainda nem devia saber que tinha um clitóris.

Ela colocou-lhe o braço no ombro e disse: Observe.., veja como a liberdade tornou-se um imperativo categórico, um fetiche. Essa obsessão por liberdade é mais ou menos como querer instituir um décimo-primeiro mandamento. Lembra do Braudillard? "Com a liberdade, a origem de todos os mandamentos é interiorizada, o que significará a infelicidade absoluta, porque então passaremos a nos sentir responsáveis por tudo..."


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