sexta-feira, 15 de maio de 2020

Várias...OU: 520 anos de surrealismo...


[... Hay que abrirse del todo 
frente a la noche negra...]
Lorca

1. E a lenga-lenga a respeito do video da reunião presidencial não tem fim. Será mostrado ao populacho, ou não? Todo mundo, até os mendigos, já começam a ficar curiosos. O que deve haver lá de tão importante? haveria alguma intimidade de parteira? Algumas cenas como as que se pode ver nos videos gratuitos da madrugada? Parece que a intriga entre o Presidente e o ex-Ministro já passou a ser apenas um pretexto. Sim, mas para quê mesmo? Resposta de Baudrillard: "A raça humana não se suporta, não pode suportar a reconciliação consigo mesma!".
Estariam brigando por quê afinal? Aleivosia? (observem: esta é a palavra mais fascinante deste idioma!). Estariam intimidados pelos palavrões? Ora! Não sejamos moralistas! O que resta a homens públicos, com mais de 60 anos, a não ser os palavrões? E depois, os palavrões são terapêuticos. Não acredita? Leia o psicanalista argentino Ariel Arango: Las malas palavras. Livro que foi traduzido no Brasil como Os palavrões. Sim, segundo o doutor, é terapêutico dizer caralho, ao invés de pio-pio; xota, ao invés de perereca; tetas ao invés de mamas; cu, ao invés de bum bum. Relaxa, descomprime, emancipa o sujeito, dissolve seus traumas, tanto é que até os pastores as freiras e os padres, os usam na vida privada....
Mas é evidente que há um problema coletivo com a linguagem. Uma deficiência. Uma falta de leitura que conduz todos os envolvidos ao Primeiro Grau. As raizes do problema, preste atenção, estão lá no Primeiro Grau. 
Consumismo exagerado de metáforas e de apalpadelas! Estado espetáculo! E cada um com sua ilusão torpe de originalidade! Folclore para manter a chispa acesa nas duas bandas energumenas: a banda da esquerda e a banda da direita. Afinal, como voltava a lembrar Baudrillard: "A sedução é sempre mais singular e mais sublime que o sexo, e é a ela que atribuímos o preço máximo!". Ou não?
Socos sublimados! Lembram da sublimação, em Freud? Da transformação de um impulso em um ato social e políticamente aceito?
EM TEMPO: Tudo bem, que os Ministros, os juízes, os magistrados, presidentes, procuradores, editores, padres, bispos e  moralistas aposentados passem mais dois meses discutindo o tal video e seu conteúdo, mas e as ESTRADAS DE FERRO? Não iam construí-las por todo o país? Mas e o SANEAMENTO BÁSICO? Não iam dar de imediato uma destinação mais ecológica à merda nossa de todos os dias?
E quem sobreviver ao coronavírus? Seguirá na mesma pátria sucateada de sempre? Se não se aprende agora, com um vírus, se aprenderá com quem?

2. Numa tentativa de amenizar o confinamento, as donas de casa estão lançando outro truque, mais, bem mais psicopatológico do que os já colocados em prática. No final da tarde, quando o sol já vai se despedindo, indiferente às desgraças do mundo, mulheres e velhotes decadentes se postam nas varandas e janelas de seus apartamentos e, em coro com os vizinhos, num cenário mórbido e digno dos mais antigos manicômios, para espantar o coronavírus, se põem a suplicar e a rezar. Por enquanto, são Ave Marias ou Pai Nossos, mas o temor é que logo venham também as Salve Rainhas, e em latim. Que pensarão os judeus, os muçulmanos, os ateus, os umbandistas e os luteranos que habitam pelos arredores?  Como será quando os judeus também resolverem recitar trechos de sua torá, os muçulmanos pedaços de suas sharias, os ateus a darem tiros para o alto, os umbandistas a evocarem o orixá ancestral e os luteranos tentarem ressuscitar a Lutero?
E o pior, é que as freiras da mídia deram esta nota, hoje pela manhã, como se esse exotismo desvairado significasse um passo para a purificação e para a emancipação da humanidade. Cenas de catacumbas! E é bom que os defensores de um estado, de uma educação e de uma ciência laica, comecem a pensar também na intoxicação midiática de todos os dias e na urgência de um jornalismo laico.
Diante de todo esse surrealismo diário, não consigo deixar de pensar naquela velhinha com mais de 90 anos, com seus olhos lilás (lilases?)  que, quando olhava pela janela e via, por alguma razão qualquer, o desespero da turba, ia fechando as cortinas e resmungando, num italiano nada ortodoxo: POVERA GENTE!





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