[...Quand partons-nous vers le bonheur?]
Charles baudelaire
(epígrafe no livro A nau dos insensatos, de Katherine Anne Porter)
O dia amanheceu ensolarado, mas quem é que já não está de saco cheio com essas histórias ou estórias envolvendo o Presidente da República, o ex- Ministro, a polícia, o Supremo e etc? E tudo isso somado às imagens brochantes que nos chegam dos hospitais sucateados, dos cemitérios abomináveis e dos cientistas de plantão correndo atrás do Corona e, sem a mínima idéia de quando essa merda passará...
O sol da varanda, o voo de rapina dos carcarás, a cidade entregue aos fantasmas e as escolas lacradas investindo o que podem para seguir esfolando os pais das crianças. Crianças que, em casa, vão, aos poucos, descobrindo que seus pais, avós, tios e etc, não são tão pacientes e nem tão boa gente como pensavam... De vez em quando um agrupamentos de índios do Alto Xingú que vem à cidade para admirar os monumentos e as maravilhas da arquitetura modernista do velho Niemayer... E todo mundo ao telefone para afastar o demônio próprio e o dos outros. A Oi, a Tim, a Claro e outras, agradecem imensamente... Os subalternos dos mercados vão e vem pelas entre-quadras empurrando suas geringonças de arame e entregando mercadorias aqui e ali, comidas, bebidas, papéis, detergentes. Alguns, no meio do caminho, sabendo que a destinatária, normalmente, será uma velhinha apavorada que nem conferirá a mercadoria, desviam um quilo de arroz, uma garrafa de vinho, duas latas de atum, dois pacotes de spaguetti. A cliente os recebe na porta do elevador, com máscaras, luvas, botas, meias, chapéus, óculos e até uma imagem da virgem de Fatima no Cartão de Crédito.
Por falar em virgem de Fatima, estão divulgando a intriga ocorrida nesta semana entre dois colegas jornalistas, uma mulher e um homem. Ela o teria difamado, injuriado, sacaneado. Ele, indignado perguntava-se como era possível que uma mulher como ela, com quem ia à comunhão todos os domingos, poderia ter feito uma coisa daquelas?
Observem como o clima político e sanitário do país está propicio para todo e qualquer tipo de desvario. Se durar por mais muito tempo, não sobrará pedra sobre pedra de nosso bom senso e nem de nossa saúde mental.
Depoimentos, versões, interpretações, negações, afirmações, reportagens, falcatruas, mal-entendidos, intrigas, invejas, traumas, psicopatias antigas, rancores acumulados... Tudo bem, mas e o Saneamento Básico? E a construção das ferrovias pelo Brasil a fora? E a derrubada dos barracões sucateados do SUS para construir de imediato, em seu lugar, ambulatórios dignos, de granito azul e com vitrais italianos, como as mesquitas de Istambul? E os respiradores, que as universidades poderiam estar produzindo aos montes a um custo de 80 dólares cada um? (E que os ladrões de sempre estão cobrando ate 8.000 dólares?)
Quando escrevia esta última palavra ouvi a voz dela, meio manhosa, meio autoritária, vindo lá do meio das cobertas, me alertando: Bazzo, a pia está te esperando!
Caralho! Cocei a cabeça e pensei automaticamente na Nave dos insensatos (Das Narrenschiff). No navio que é o nosso país e em sua "viagem para a eternidade", com todos nós a bordo.
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EM TEMPO: A respeito das noticias que o Bolsonaro teria interferido na policia federal em favor de seus filhos e de sua família, o Mendigo K, que nesta manhã saía de uma farmácia acompanhado de uma Dama de Profissão que, segundo ele, era dançarina de zarzuelas e que havia comprado viagra, vaselina e tetraciclina, falou-me com ironia: Veja só, o país inteiro está fingindo estupefação por isso! Teatro de marionetes! Quem é que não sabe que desde a monarquia dos patetas portugueses, depois, dos patetas republicanos até hoje, todo mundo só investiu verdadeiramente em suas famílias, em seus filhos e em sua prole? Quem é que não sabe disso? Vejam-se os sobrenomes no Congresso Nacional. Apesar do mito, do fetiche e da farsa das eleições, todas as excelências que estão lá foram conduzidas por um avô, um pai, um tio, um amante. Vejam-se os anais! (anais aqui, bem entendido, é sinônimo de arquivos)... Fez um longo silêncio e concluiu:
É isso aí, Bazzo! É o que temos, por hoje, neste aprisco...Aliás, a família nuclear se originou exatamente para isso. O que é uma família senão um agrupamento de lobos, cuja finalidade principal é a de se defenderem e protegem mutuamente dos outros lobos, de outros agrupamentos? E que quando não há ameaças por perto, se dão ao luxo de destroçarem-se entre eles próprios?
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