sábado, 23 de maio de 2020

Estado espetáculo! Sociedade espetáculo!



[... A erosão vai desnudar Brasília até o osso!]
Clarisse Linspector


Ontem, o show foi estupendo!
Depois do desaparecimento do Circo Garcia, o de ontem foi o máximo. Ver os representantes dos 5 Poderes juntos, no picadeiro, foi uma oportunidade única! E quem é que vendo o desfecho do Ministro do Supremo que liberou o vídeo em questão, o próprio video (quase na íntegra) e em seguida as "análises", os pareceres e os comentários da turba, (ilustrada ou não, a favor ou contra alguma coisa), quem é que não via diante de si a coleção das matrioschas russas? Aquelas bonecas que se encaixam umas dentro das outras e que só uma delas, a menor, não é oca?
As palavras! Sempre as palavras! um discurso dentro do outro e todos eles contaminados pelos sermões dominicais que nos chegam desde o lunático Padre Vieira até o reverendo da esquina... E os pastores e pastoras da mídia? Os zeladores e síndicos da moral e dos bons costumes? Que, volta-e-meia, insistiam no respeito à Constituição, como se ela fosse um apêndice da Bíblia, do Talmud ou da Torá, e que não abriam mão de defender, mesmo que em abstrato, a honra. Honra? Mas de quem? Eu, por exemplo, aprendi nas mesmas escolas desses senhores, que Honra, Honra mesmo, é o hímem...
E o discurso do Bolsonaro não foi um terremoto e nem um apocalipse como a turba esperava. Se tivesse dito tudo o que disse dentro dos protocolos da Curia Metropolitana ou como manda o Manual das redações, tudo teria transcorrido às mil maravilhas. 
Adjetivos! Cuidado! Cuidado com os adjetivos! Eles são como serpentes no meio da linguística! Seja vaselina até a morte! Procure sempre dizer aquilo que não afetará ninguém. A sociedade continuará na mesma merda por mais dois mil anos, mas manteremos nossos anunciantes e nossa dignidade!!!
Confesso que o pico de excitação foi quando o Presidente da República se referiu ao Witzel (governador do Rio de Janeiro); ao Dória (governador de São Paulo) e ao prefeito de Manaus. E os generais, a seu lado, quase em estado de catalepsia, faziam cara de Alice no país das maravilhas e, para controlar a ansiedade, fingiam anotar alguma coisa. (Ninguém tem dúvidas de que devem ter apanhado das mulheres em casa).
Quando a ministra Damaris, a serva de Deus e única mulher no meio daqueles senhores assustados, entrou em cena, foi outro momento de frenesi. Gosto de ouvi-la. Depois que apregoou a virgindade e a abstinência sexual, passou a ser a minha pensadora preferida. Estrebuchou uma série de denuncias contra governadores, prefeitos e etc, mas era só encenação! Ninguém, nem o próprio Presidente, parecia dar-lhe muita importância. Quem é que daria crédito a uma mulher que é contra o gozo sexual e que faz apologia do hímem?
E o ministro da educação também teve ali o seu acting-out (ou seu acting-in?): apontando para o Supremo,  com seus 11 representantes da JUSTITIA e da deusa THêmis, na terra,
garantiu que, se pudesse, os enjaularia. Foi o máximo! Eu que já li quase todos os discursos dos anarquistas do século XIX, nunca vi nada igual. E ao redor da mesa, gerentes e donos do PIB privado mais alto das Américas, permaneciam impávidos...
Mas, para mim, o mas fascinante de tudo,  foi ver já na primeira linha do despacho do Ministro Celso, ele usar a palavra ALEIVOSIA.
Como já lhes disse, ela é a palavra mais estupenda do idioma, e não apenas na forma, mas também no conteúdo. Aliás, ali naquela sexta-feira negra, para qualquer lado que se olhasse, se via que tudo estava tomado pela aleivosia...


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