quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

São Paulo: de desvairada a inundada II

Voltando da Zé Paulino, o sujeito cairá irremediavelmente na Estação da Luz, legado do império arquitetonicamente estupendo. Tem até um piano disponível no hall. Projeto de um artista britânico. Quem quizer senta-se nele e toca o que bem entender. Milagrosamente, a plebe, acostumada só a proselitismos aviltantes e a trapaças, se revesava nele. Vi um mendigo executando Love Story. As lágrimas, que não eram escassas, lhe desciam pela gola imunda. A Estação, que poderia ser uma das mais preciosas obras da cidade, caiu na mediocridade. Não tem um café, nem poltronas e muito menos toalete. Quem precisar de uma, deve descer aos túneis do metrô ou ir até o parque que fica atrás da Pinacoteca (uma espécie de Boi de Boulogne) onde rola em plena luz do dia uma prostituição geriátrica. Vi um senhor com uns oitenta anos, numa cadeira de rodas, negociando alguma coisa mais do que íntima com uma profissional de quarenta. Um homem barbudo usando chapéu marrom beijava as costas nuas de uma velha cor de ébano, e um outro, de bengala, ia e vinha deslumbrado por entre as árvores como se fosse um discípulo de Omar Khayyam. São Paulo é assim. Melífluo. Centenas de pequenas aldeias que constituem uma metrópole. Na semana passada um maluco desceu o cacete num intelectual em plena Livraria Cultura. Antes de ontem um ajudante de padeiro meteu a peixeira num empresário e hoje, a polícia encontrou mais de uma K 47 num onibus que vinha de Tatu a pé. Talvez tenha chegado o tempo de, como dizia Nietzsche, construir nossas cidades nas vertentes do Vesúvio.


Ezio Flavio Bazzo

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

São Paulo: de desvairada a inundada I

São Paulo. De desvairada a inundada. Depois de passar pela taberna do Transyvoulos Petrakis e devorar um moussaká, qualquer um pode ir caminhando para a famosa rua José Paulino só para assistir o frenesi das mulheres sobre aqueles montes de trapos. São centenas as lojas nos quinhentos metros dessa rua. Há cinquenta anos atrás, meu pai já vinha comprar porcarias para revendê-las lá no meio do mato. Fricott; Kes; Adela; Chocris; Passion; Dolce Vita; Butiran; Chaville; Ekolos; Merona; Ranarum etc. Aqui as industrias desovam suas merdas para o consumo do populacho. Olhando a alienação desse bando dá para compreender porque a luta feminista ainda nem sequer começou. Acotovelam-se nas calçadas e diante das portas. Ajoelham-se quase em alucinação diante das pilhas de retalhos, das sobras de tecidos, das montanhas de fiapos. Se roçam as nádegas, tropeçam em si mesmas, falam sozinhas. Sem nenhuma ironia, lembram os pátios dos antigos hospicios. Os poucos homens que as acompanham ficam estacionados no umbral das lojas, engolindo veneno e aproveitando para correr os olhos para aquele mar de tetas distraidas. Os pacotes vão crescendo nos braços. Parecem felizes. São extremamente tolerantes umas com as outras. Se fossem assim no dia a dia em suas casas, a vida seria uma maravilha. Se me perguntassem porque insisto em passar algumas horas neste inferno, responderia que é apenas para fortalecer meu veredicto sobre a espécie.

Ezio Flavio Bazzo

domingo, 20 de dezembro de 2009

Gorjetas, bacalhoadas, azeites e pugilatos homéricos entre os envolvidos.

Semana natalina. Há filas por todos os lados. A pilha de bacalhau embalsamado nos mercados lembra as pirâmides do Cairo com suas múmias. Que destino miserável o desses peixes! Dos mares do norte para o estômago desses mentecaptos! Um casal briga na fila. A madame quer bacalhau Imperial do Porto. Ele, com uma camisa do Flamengo prefere outro tipo, um subproduto que é vendido em lascas fedorentas e coberto de sal. A briga segue mercado a fora com o bacalhau em baixo do braço. Olhares terríveis. Eufemismos pra cá e eufemismos prá lá. Palavras envenenadas e promessas de uma semana recheada de insultos e de panelaços. A "ceia de natal" e o tiroteio do primeiro dia do ano serão apenas cenários novos para incrementar o desenrolar da guerra. É evidente que a invenção mais absurda do processo civilizatório foi o casal. Esses dois pobres coitados que se uniram por uma fatalidade e que se maltratam sistematicamente até a morte.

Nas ruas e nos balcões todo mundo pedindo gorjetas.

- “Pode colaborar com a caixinha doutor?”
- Doutor um caralho! Se fosse com o caixão...

A palavra “gorjeta” parece ter vindo do francês, “gorge” = garganta. Tratava-se de uns trocados para o escravo “molhar a garganta”. O maior mérito tanto da antiga China como da antiga Cuba (comunistas) foi terem proibido a gorjeta. Costume perverso e pervertedor, engendrado pelo mundo capitalista – recitavam em coro o velho Mao e velho Fidel! Tinham razão. É essa complacência com a gorjeta e com a “caixinha” que vai descambar nos propinodutos e nas Caixas de Pandora.

Ezio Flavio Bazzo

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

A criação foi um engano e quem quer que tenha dito [Haja luz], um bufão.

Nesta semana o mundo foi pródigo em desvarios e em obscuridades exasperantes. São Paulo viu uma esportista estúpida ter um bebê sem saber que estava grávida. No interior da Bahia, três pobres miseráveis introduziram dezenas de agulhas no corpo de uma criança. Copenhague hospedou milhares de politiqueiros hipócritas com o pretexto farsesco de salvar o planeta. Um romano indignado acertou uma réplica da catedral de Milão no nariz de Berlusconi. A Câmara Legislativa do DF, atolada num lamaçal fedorento, declarou-se em recesso para dar tempo aos colegas gatunos escaparem. A OAB e a CNBB manifestaram-se indignadas com o andamento da carruagem corruptiva, o que parece uma evidente contradição, uma vez que os advogados jamais se negam a “defender” corruptos confessos e os padres, além de fazerem cumplicidade com os larápios no confessionário ainda aceitam prazerosamente seus dízimos. Há uma paralisia geral no planeta. Para cada cinco ou seis sujeitos que pensam, produzem, movem a roda da existência, há milhões e milhões na inércia e na inutilidade, preocupados apenas com suas tripas e fazendo unicamente o papel de trituradores. É alarmante e inacreditável, por um lado, que os alagados da periferia de São Paulo não marchem sobre a Av. Paulista com machados e dinamites e por outro, que em Copenhague nenhum daqueles farsantes engravatados tenha dado um pio a respeito da urgência do controle da natalidade.

Nos Evangelhos Gnósticos existe uma frase que cada dia passa a ser mais verdadeira: “a criação foi um engano e quem quer que tenha dito [Haja luz], um bufão”.

Ezio Flavio Bazzo

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Arbeit macht frei!

Entre as tantas frases que intoxicaram minha vida, duas foram extremamente insuportáveis. A primeira, que ainda deve estar escrita lá na entrada de um Campo de Concentração nazi dizia: Arbeit macht frei! (A liberdade está no trabalho!). A segunda, que vi ontem à tarde, por acaso, na parede de uma repartição pública, sentenciava: “A aposentadoria não é um fim, é um novo começo!” Quase tive uma síncope. Observem como o sadismo e o horror são exatamente os mesmos. Fazer os pobres velhos acreditarem nessas patriotadas e em outras idiotices até piores (a terceira idade é a melhor idade etc) é, no mínimo uma manifestação de vingânça.

Sinceramente, apesar de meu anticlericalismo, prefiro o aforismo do bispo episcopal de Chicago, Gerald Burrill que escreveu: [A diferença entre a trilha rotineira e a sepultura é apenas a profundidade]. Ou então, o conceito de Ambrose Bierce, para quem, [o patriotismo é o primeiro refúgio do canalha.]

Ezio Flavio Bazzo

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Seja sincero: você não gostaria de também estar indo para Copenhague comer Smorrebrod?

Nesta semana Brasília ficará bem mais limpa e tranqüila. Muitos políticos, de todos os partidos e naipes, estarão perfumadinhos e felizes nos aeroportos voando para Copenhague. Fazer o quê? Comer Smorrebrod com pasta de fígado. Outros preferirão as almôndegas de carne de porco com repolho vermelho enquanto suas “esposas” - também perfumadinhas e mais felizes ainda – experimentam o Risengrod, aquele arroz com açúcar, canela e manteiga que sempre foi o prato preferido do gorducho Papai-Noel. Não podemos esquecer que existe também um ecossistema estomacal e intestinal, tão importante como as geleiras do Himalaia e como a nossa estratosfera. Ser político! Não há profissão melhor neste mundo. Exige apenas um caráter de puta. Mas isto, quem não tem? Todos somos testemunhas de que nossa formação começa já lá no primeiro grau. Fazemos reciclagem no segundo e concluímos nossa a formação automaticamente na universidade. Depois que se entra no parnaso das Câmaras (municipais, estaduais ou federais) lugares onde chove dinheiro, oportunidades e poder por todos os lados, só se sai de lá demente ou morto. O que se exige de um político? Simplesmente que compareça na sua alcova. Que fale. Que suba à tribuna de vez em quando. Que se manifeste ora a favor dos tubarões, ora em defesa dos lambaris. Comprará a cumplicidade de três ou quatro capangas, iniciará seus filhos, irmãos e netos no mesmo métier e se reelegerá até a morte. Para dar coerência à mamata que o sujeito teve em vida, inclusive seu funeral será por conta do Estado. Pois é, aquele corpo inútil, malandro e desprezível que custou milhões e milhões aos cofres públicos, por ironia, ainda será velado num salão nobre, quase como um Papa ou como um Rei...

Mas voltando a Copenhague. Todos nossos “porta-vozes” vão para lá com duas ou três páginas “ecológicas” no bolso do paletó escritas e revisadas por um tradutor juramentado. Uns com idéias mais transcendentes e revolucionárias que os outros a respeito do “clima”, da “preservação do planeta” etc, como se não tivessem nada a ver com os caixões de lixo hospitalar que encontramos diariamente por todos os lados, com a infestação criminosa de automóveis nas ruas, com a fumaceira dos escapamentos dos ônibus, com a falta de higiene elementar nos restaurantes, com a insalubridade nos ambientes de trabalho e com a ausência de esgotos na América Latina inteira, com o sufocamento bestial dos rios, com a ausência absoluta de atendimento à saúde mental no país e com a construção obsessiva de prédios em áreas verdes. Aqui em Brasília – por exemplo – os tratores já iniciaram a derrubada de mais uma área imensa de cerrado, a uns mil metros do Palácio do Buriti, para a construção de um condomínio grãnfino. Sim, os corretores estão até falando que será um modelo de moradia ecológica, e isto, com a conivência de todo mundo: civis, militares, políticos, ecologistas, padres, velhos, adolescentes, putas e freiras, ricos e fodidos, empresários, mendigos, bandidos e santos. Não tenho dúvidas que há na essência dessa passividade e desse desinteresse uma tendência imensa ao suicídio. E não foi por acaso que Leclerc, ao traçar o perfil psicológico do brasileiro escreveu: “toda a nossa sabedoria política se resume na resignação diante do fato consumado”. Que tragédia e que bosta!


Ezio Flavio Bazzo

sábado, 12 de dezembro de 2009

Lênin prometeu penicos de ouro aos soviéticos, Lula diz que quer tirar os pobres da merda...

Gostei da frase que o Lula soltou lá no Maranhão sobre sua luta incessante para tirar o povo da merda. Guardando as devidas proporções, lembra a frase de Lênin prometendo ao povo soviético que após a revolução todos teriam seus penicos de ouro. Na verdade, todos os políticos fazem propostas como esta, com outro palavreado, mas fazem. Na prática parece acontecer exatamente o contrário. Trafegue pelo universo suburbano, principalmente depois das chuvas, para ver o que acontece com tuas botas. Claro que o Ilmo.sr. Presidente falava metaforicamente da merda sócio-econômica em que milhões e milhões de sujeitos estão imersos, o que não quer dizer que ele não tenha consciência de que grave mesmo é aquestão da merda mental. A merda sócio-econômica e a merda cultural podem ser amenizadas em uma ou duas décadas até através de medidas provisórias. Já, a merda mental, para ser extinta, ah, esta exige um planejamento secular. Os adversários do Presidente dizem que ele pronunciou esta frase bufa num momento de euforia, depois de receber a notícia dos elogios que o Primeiro Ministro Espanhol lhe dedicara no jornal El País. “O homem que assombrou o mundo” – é o título do artigo. E mais: chamam atenção para o duplo sentido que a palavra “assombrou” pode ter: amedrontar, apavorar, espavorir, terrificar etc. Mas isso é bobagem da oposição. O que importa mesmo, é saber que o Primeiro Ministro Espanhol pode até sentir mesmo por nosso Presidente o que manifesta, mas pela relação dos espanhóis com nossa América, ao longo dos séculos, é bem provável que os elogios desmedidos estejam relacionados muito mais com negócios. Sabe-se que hoje a Espanha tem mais de 50 bilhões investidos no Brasil, e que, não satisfeita, está de olho na maioria dos grandes projetos do PAC. Projetos ferroviários, portos, editoras, rede de livrarias, energia e estradas estão nas mãos de empresários da antiga Castilla. Em se tratando de investimentos no Brasil, só perdem para os gringos. Na área de turismo e de redes de hotéis de luxo - por exemplo - o litoral nordestino – parece uma província espanhola, isto, sem falar do universo idiota da telefonia. De um extremo a outro do país, todos os papos furados que são travados compulsivamente por nossas domésticas, engraxates, madames e executivos através de celulares vão engordar subitamente o capital espanhol. E não é de se estranhar, inclusive, se propagandas nessa área venham fomentar cada vez mais nossa verborréia e nossa prolixidade com fins mercantilistas.

Enfim, apesar do frenesi do consumo e da “disponibilidade atual de bens inúteis” nossa relação com os estrangeiros continua a mesma de 1500 ou de 1700: deslumbrados e de joelhos. E a imersão fecal mencionada pelo Presidente, parece ser, para milhões, ainda um destino atávico.

Ezio Flavio Bazzo

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Um mundo apaixonante de cavalos, éguas, asnos e jumentos...

Como o General Figueiredo, o governador Arruda parece um apaixonado por cavalos. Dois dias após o descobrimento de seu luxuoso haras nos arredores desta cidade de madraços, mandou a cavalaria da polícia Militar pisotear a população que fazia uma manifestação em frente ao Palácio do Buriti. E aqueles não eram cavalos alados. Em nada parecidos aos seus minúsculos antecessores (os Eohippus), se aquela cavalaria furiosa, com dentes perfeitos e membros esguios lembrava, por um lado, o cavalo de Guérnica, politicamente simbolizava o Cavalo de Tróia. E qualquer um se impressionaria com os olhos, os beiços, as mandíbulas e as patas daqueles animais! Não foi por simples covardia – como se costuma acusar - que os maias e os astecas caíram de joelhos diante da quadrilha espanhola de Cortez, quando a viram saindo dos navios cavalgando animais tão apocalípticos. Ainda é um mistério o fato de, principalmente, os políticos, os novos ricos e as mulheres devotarem um afeto e uma reverência tão especial aos eqüinos. A prova desta devoção está na maioria das praças das grandes cidades onde sempre há uma escultura imensa em bronze, de alguém montado num Puro Sangue Inglês (PSI). Segundo Vargas Vila, a homenagem nunca é ao cavaleiro, sempre ao cavalo. Melhor. Y asi se van los dias!

Ezio Flavio Bazzo

Marrocos, Cenografia em Desordem





ELEGIA AOS ANIMAIS...

Do dia 08 de dezembro para cá já sou um homem de sessenta anos. Se nenhum raio acertar-me por aí, tenho ainda uns três mil e seiscentos dias para vagar pelo planeta. O que, convenhamos, não é pouco! Parafraseando a Freud, saber que lá por 2020 estarei livre de toda essa baboseira terráquea, me dá um alívio imenso. A única novidade que tenho sentido neste patamar de minha existência, foi o aumento vertiginoso de minha simpatia, de meu respeito e de meu afeto pelos animais, algo diametralmente oposto ao que acontece para com os de minha espécie. Será isto um mal? Não, respondeu-me o senhor que lia Coetzee em baixo de uma árvore com um cachorro branco postado a seus pés. Afirmou-me categoricamente que quando está passeando com seu cachorro vai olhando para as pessoas com quem cruza (mulheres, crianças, jovens, velhos, casais etc) e pensando: não trocaria meu cão por nenhum deles! E tem mais – agregou -, quando vejo um idiota derrubando uma árvore, tenho a nítida consciência de que se precisasse optar pela árvore ou por ele, optaria imediatamente pela árvore. Respirei aliviado.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

CREIO, EXATAMENTE PORQUE É ABSURDO...

Meus correspondentes em Londres me informam que na semana passada um ateu foi preso na periferia de Madri e condenado a um ano e dez meses de prisão. Motivo: interrompeu um batizado coletivo de crianças e (exatamente na hora em que os beatos declaravam ao padre que ACREDITAVAM em algo, por mais absurdo que fosse) começou a gritar: NÃO CREIO! NÃO CREIO! As testemunhas, a polícia e o próprio servo de Deus disseram que, além dessa blasfêmia, o ateu Raul C.P. chamou o batizador de “homo afetivo” e o mandou se foder.

Só quem já viveu na Espanha pode imaginar a repercussão que esse fato deve ter tido na comunidade em geral, mas principalmente nos porões da Opus Dei. A Espanha, Portugal e Itália são os países europeus mais infectados por religiosidades. Apesar da beleza, da história, dos vinhos e da modernidade aparente, a vida privada e íntima naqueles países guarda muito do catastrofismo medievo e das choradeiras das catacumbas. É curioso que proíbem em coro o consumo de álcool, de crack, de cocaína, de maconha, o roubo, a infidelidade, a corrupção, o estelionato, o “caixa-dois” o canibalismo, a eutanásia, que proíbem dirigir bêbados, jogar lixo nas ruas etc, mas deixam qualquer demente inventar solenemente uma religião, abrir um templo e dopar ao bel prazer a seu rebanho. Sim, é curioso que o tabu da “liberdade de crença” ainda não tenha sido visto como um dos maiores absurdos civilizatórios, ele que dá legitimidade a todo tipo de crapulices e que coloca em risco, descaradamente, a integridade mental de nossas crianças.

Ezio Flavio Bazzo

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Poeira de cocaína, pedregulhos de crack e raízes de arruda IV

Sinceramente, a marcha dos trinta ou quarenta advogados em direção à Câmara Legislativa para protocolar mais um pedido de impeachment contra o governador e seu vice, causou-me muito mais espanto e indignação do que ver aquela série de vídeos onde os pés de chinelo barrigudinhos e esperançosos exibiam bravatas e os larápios embolsavam pacotes de dinheiro. Se não estivessem engravatados e se a marcha deles não fosse tão artificialmente marcial, talvez não tivesse me impactado tanto. Que motivos e quê segredos os impediram de fazer o mesmo no mensalão anterior lá na outra Câmara? Ora, dizer que a faixa nos olhos da estátua de justiça é o símbolo da imparcialidade é um blefe. É bem provável que seus olhos tenham sido interditados para que ela não veja tantas bobagens e tantas imposturas travestidas de lei. E depois, neste país bacharelesco, desde o primeiro dia da República até ontem foram eles que engendraram praticamente todos os imbróglios das leis, todas as veredas obscuras dos códigos, as artimanhas e os truques dos processos para culpabilizarem os inimigos e beneficiarem os cupinchas e a si próprios. Saber – por exemplo - que posso assassinar estúpida e covardemente a uma criança ou a um velho ali na esquina e que, prontamente, qualquer um dos advogados da cidade estará disponível para defender-me, para mentir em meu nome, para justificar meu crime e até para colocar a culpa no defunto, isto é o fim da picada e a essência da desgraça de um povo.

Ezio Flavio Bazzo

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

O futebol e a reunião de Copenhague

Bandeiraços, tiros, gritos, trombetas, hinos e buzinas. Sujeitos extremamente jovens e sujeitos extremamente velhos, sujeitos esclarecidos e sujeitos analfabetos igualmente alucinados nas esquinas sacudindo o esqueleto, a camisa de seu time ou a foto de seu herói. A demência foi geral. Aliás, a demência é geral. O que deve acontecer verdadeiramente no cérebro dessa gente? Quem realmente compreender um desses fanáticos fará mais pela psicopatologia do que Kraepelin. Da varanda, meu cachorro assistia apavorado àquela gritaria e aquele tiroteio descabido. Sentei-me a seu lado e cochiche-lhe no ouvido a frase dos velhos moralistas roubada - como todo mundo sabe - dos textos orientais pelo cristianismo: “esses coitados não sabem o que fazem!”

Seria oportuno que a reunião de Copenhague não ficasse apenas nos banquetes e no blábláblá das emissões de carbono, dos peidos das vacas do Mato Grosso, das motos-serra do Amazonas, das chaminés das fábricas, dos agrotóxicos, do lixo hospitalar, da poluição dos carros etc., mas que incluísse o futebol entre os venenos que acabarão imbecilizando ainda mais e degradando gravemente o planeta e a espécie.

Ezio Flavio Bazzo

domingo, 6 de dezembro de 2009

ALFONSINA Y EL MAR...

Ontem foi a terceira vez que ouvi o carteiro de minha quadra passar assoviando a música de Ariel Ramirez e Félix Luna: Alfonsina y el mar. Vinha por debaixo dos blocos com um pacote de cartas nas mãos, uma bolsa imensa a tiracolo e ar melancólico. Parecia mais do que distante. Quis perguntar-lhe alguma coisa sobre a música, mas ele dobrou bruscamente para a esquerda e sumiu. Quase todos os poetas e literatos da cidade conhecem a história de Alfonsina Storni, a poetisa argentina que se suicidou no Mar Del Plata em 1938. A música que o carteiro assoviava foi uma homenagem a ela. No endereço abaixo, uma das inúmeras e melhores versões.

http://www.youtube.com/watch?v=M_3Xcym37fE&feature=fvw


Ezio Flavio Bazzo

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Poeira de cocaína, pedregulhos de crack e sementes de arruda III

Brasília não é e nunca será uma cidade como as outras. Extremamente jovem, completando cinqüenta anos em abril, tem origem e história bizarras. Imagine, qual poderá ser o porvir de uma cidade com apenas cinqüenta anos e já com trezentos e tantos pastores! O escândalo que está em curso é apenas uma das patas da aranha caranguejeira que é. Aqui, mais do que em qualquer outro lugar, como diria Freud, se lida com as questões de dinheiro, sexo e excrementos com a mesma hipocrisia. As religiões que infestam as esquinas e os cérebros são apenas o lero-lero hipnótico para todo tipo de licenciosidades. E depois, é mais do que sabido que freudianamente falando o dinheiro está intimamente ligado e relacionado aos nossos dejetos, ao penico e às misérias secretas de cada um. Todo mundo sabe que dinheiro e fezes estão inseridos no universo da pulsão erótica anal. Em outras palavras: simbolicamente o dinheiro é, por um lado, como merda e por outro equivalente fálico. Por aí a fora e pelos labirintos da neurose, talvez, se possa até chegar a ver o corrupto com outros olhos e a corrupção como um simples sintoma de uma desgraça ainda muito mais profunda. A grande frustração do corrupto é ele não poder enfiar o dinheiro goela abaixo, ele não poder enfiar-se o dinheiro pelo cu. Tem que enterrá-lo em casa, nas paredes de fundo falso, ou então nos porões dos bancos suíços e caribenhos. Vive simultaneamente eufórico e angustiado pela possibilidade de morrer ou ficar demente e seu dinheiro apodrecer lá, como sua merda e manchado por sua miséria.

Ah! Há muita gente no mundo! Há muita gente nesta cidade! Os shoppings e as ruas estão entulhados. Muitas mães, com caras de retardadas, querendo a todo custo levar seus filhinhos e filhinhas para sentarem ingenuamente no “colo” do Papai Noel. Hooooohoooooohooooooooo!!!!! Hoooo! HOOOOooohooooo!

Ezio Flavio Bazzo

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

A poeira da cocaína, o pedregulho do crack e as sementes de arruda II

A cidade está inflamada e excitada. Sempre que eclode uma nova denúncia de corrupção a população entra em transe. Os pacotes de dinheiro, as câmeras escondidas, a miséria humana exposta até o âmago, causam na comunidade um sentimento que ainda não foi muito bem descrito. A imagem dos três larápios “orando” depois de dividirem a grana deixou os evangélicos atordoados.

-Senhor! Senhor! Obrigado por fazer-nos corruptos! Por fazer-nos entender que só o dinheiro salva! Oh, Como és poderoso! Depois de ti só os pacotes de dinheiro! Tu que tens todo o poder do mundo, Oh, Senhor Amado, Aleluia, poupa-nos da polícia federal! Tu, em tua Onipotência, OH, Senhor, Aleluia! Aleluia! Sabes que roubamos para o bem das cidades satélites, para a salvação dos milhares e milhares de dejetos humanos que vivem na Extrutural, nos becos infectos, das castas subhumanas que lambem as nossas botas todas as manhãs quando chegamos aos nossos gabinetes. Senhor! Oh Senhor. Sabes que por nós o mundo seria diferente. Tu Senhor Todo Poderoso, Oh Senhor, que conheces nossa desgraça interior, defendei-nos dos invejosos e daqueles que querem o nosso mal. Amém. Aleluia!

Corruptos, corruptores, indignados e ingênuos vão às ruas. A idéia de um bode expiatório continua sendo uma grande panacéia. Apedrejar o corrupto fora-de-nós dá a ilusão de inocentar o corrupto dentro-de-nós. É por isso que os amigos e os outros partidos logo se afastam daquele que caiu em desgraça e pedem desesperadamente o seu aniquilamento. Quanto mais rápido for eliminado, melhor. É evidente que há algo mais do que simples moralismo ou simples eticismo nessa ansiedade e nessas manifestações. A corrupção e o sexo, - assuntos tão antigos como a espécie - incomodam tanto aqueles que os praticam como aqueles que são abstêmios. Alguns dizem até que a abstinência – nos dois casos – é mais perversa e mais libidinosa de que a prática. Já encontrei pessoas que defendem a corrupção até como forma política, antiestatal e de distribuição de rendas. Prática anárquica de sabotar o gigantismo estatal e o monstro descrito por Hobbes – dizem, justificando suas fortunas surgidas do nada. Os padres - que os ouvem e que os perdoam nos confessionários - dizem que é o demônio atuando através dos homens. Os advogados culpam as brechas da lei (lei que eles próprios engendraram). Os antropólogos dizem que essa prática é ancestral e que está na origem do ser. Os sociólogos insistem na ganância e na desigualdade social. A polícia acha que todo mundo é bandido mesmo e que diante de uma oportunidade qualquer um se corrompe. Mas as esposas e os filhos dos corruptos pensam diferente, consideram seus maridos e pais quase como super-heróis. Adoram ver as maletas, primeiro no porta-malas, e mais tarde, abertas sobre o criado mudo repletas de notas verdes. Algumas senhoras, como gratidão e felicidade, fazem impulsivamente um felatio ao herói, ainda engravatado. A boca tensa, os olhos cravados nas notas.

Ezio Flavio Bazzo

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

A poeira da cocaína, o pedregulho do crack e as sementes de arruda I


Até ontem aqui no DF não se falava em outra coisa além dos cheiradores de cocaína e dos queimadores de crack. Hoje, o affair relacionado à trupe do Governador (inclusive o próprio) que foi filmada fechando negócios mafiosos e empacotando fardos de dinheiro roubado, tomou a cena. Ainda antes da roubalheira do mensalão ter sido sepultada, eis que os gatunos de turno já tramavam outra, nos mesmos moldes e com o mesmo descaramento. Os mais inexperientes apostam no suicídio dos envolvidos, entretanto, quem já conhece mais a fundo a dialética dessas hienas, sabe que amanhã elas aparecerão com seus bandidos advogados na janela de algum palácio falando em "mal entendidos", pedindo perdão, falando em Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e jurando que se regenerarão. Só que a história de reincidência de praticamente todos nossos políticos é um exemplo de que a possibilidade de regeneração de criminosos é mínima. Por isso, acho uma boa idéia, como vem sendo cogitada nas ruas, a de instituir o suicídio para corruptos e seus familiares (não confundir com pena de morte). Ali na Praça dos Três Poderes, ou lá na Praça do Buriti, com a manada que os elegeu urrando e bufando, os "réus" depois de cantarolarem a Aquarela do Brasil, poderiam democraticamente escolher entre: meterem-se uma bala nos cornos, pendurarem-se numa corda, ou mastigarem meia cápsula de cianureto. Sei que a hipótese disso vir a ser institucionalizado é praticamente zero, pois a falta de tesão pela vida e a indecência estão tão generalizadas por aqui, que não se encontraria com facilidade alguém "não subornável" para gerenciar essa área. Eça de Queiroz, em sua época, já lembrava que políticos e fraldas devem ser mudados com freqüência e pelos mesmos motivos. Fazendo um comentário sobre esse "otimismo" lusitano de Eça, um professor de filosofia me dizia ontem à tarde, la na Feira do Livro que, no nosso caso, o drama é bem maior, uma vez que aqui a única alternativa que a gente têm é trocar merda por merda.

NB: Enquanto os próximos capítulos e episódios dessa canalhice estão sendo montados, enquanto jóias, moedas, recibos, números de contas, escrituras de fazendas e de prédios no Noroeste, documentos e pistas estão sendo ocultadas, os eleitores e os "cidadãos" podem ir babacamente ouvindo Admirável gado novo, no endereço abaixo.

http://www.youtube.com/watch?v=gQ2sQk9q-30&feature=related


Ezio Flavio Bazzo

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

A confraria e a máfia do TRADUTOR JURAMENTADO

Quando você pensa que já conhece todos os tipos de safadezas e de gatunagens oficializadas, pronto aparece outra a que você tem que se submeter compulsoriamente como um idiota. A última, que me surrupiou quatrocentos e tantos dólares foi a do Tradutor Juramentado. Já ouviu falar nesse personagem, cuja tabela de preços (a confraria diz tabela de emolumentos) é mais abstrata e mais subjetiva que o Mistério da Santíssima Trindade? Pois bem, ele existe. Não são muitos, mas moram todos em palacetes por aí, e na mão deles um diploma e um histórico escolar se transformam facilmente em onze laudas. Se você perguntar por que a letra precisa ser daquele tamanho e por que tantos espaços entre uma linha e outra, te responderão arrogantemente, e no idioma que você quiser, que são “regras” preestabelecidas pela Junta Comercial, que passaram num concurso público e que não estão lá para trabalharem de graça para ninguém. Ok? Oh. Mas e no rabo, não vai nada? Eu, que não tenho nostalgia nenhuma pela época em que o Manifesto de Marx e Engels era lido e relido nos botecos, sempre que me deparo com um novo tipo de máfia engendrada por esse sistema putrefato, volto ao livretinho de capa vermelha, numa espécie de consolo. E quando ele já não serve mais para aplacar minha fúria, (uma vez que os proletários se mostraram piores que as putas em todo o planeta) recorro ao hermano Vargas Vila e relaxo: “Quão difícil, para não dizer quão impossível é chegar a amar aquilo ao qual se tem que obedecer! Um escravo que chegasse a amar seu amo seria infeliz, por ser o mais vil dos mortais; os que amam uma tirania é porque não a obedecem: a exercem ou a exploram. Só a liberdade pode ser amada porque ela não tem leis”.

Ezio Flavio Bazzo

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Atenção: "brechó" não tem nada a ver com "brecha" e nem com "brochô"

Sabemos que são antigos, mas parecem ter ficado verdadeiramente visíveis só lá pelos anos 60, depois da guerra do Vietnã. Aqueles uniformes imundos, coturnos sujos de sangue e casacões furados por balas usados pelos hippies etc. Grife da morte! Fashion lixo! No Brasil, um dos primeiros bricabraques foi instalado no RJ (séc.19) por um fulano chamado Belchior. Dizem que a palavra brechó vem de Belchior. Hoje é uma epidemia pelo mundo. E não são apenas sujeitos arruinados os seus clientes, há gente grã fina se acotovelando no meio daquelas porcarias. O casacão que me abrigou durante longos invernos pelo mundo afora – por exemplo – foi comprado por setenta ou oitenta francos na Braderie da Rue de Bretagne numa dessas lojas que Balzac classificava como as mais sinistras de Paris. “Nelas – escrevia o melhor escritor de todos os tempos – vêem-se os espólios que a morte ali jogou com sua mão descarnada. Nelas, pode-se ouvir o estertor de uma tísica sob um xale, bem como adivinhar a agonia da miséria sob um vestido de lamê dourado. Os debates atrozes entre o luxo e a fome estão escritos ali, sobre rendas levíssimas. Ali se encontra a fisionomia de uma Rainha sob um turbante de plumas cuja pose lembra e quase restabelece a figura ausente”.

Machado de Assis, em seu conto Idéias de Canário, também descreveu um desses negócios: “A loja era escura, - rabiscou o Bruxo de Cosme Velho - atulhada das coisas velhas, tortas, rotas, enxovalhadas, enferrujadas, que de ordinário se acham em tais casas, tudo naquela meia desordem própria do negócio”.

As justificativas dos clientes que focinham alucinados por detrás dos cabides e que chafurdam naquela rouparia anônima vão das mais tolas e pueris às pura e simplesmente mercantilistas. Claro que não se poderia esperar deles nenhuma menção ou insinuação ao clima mórbido e escatológico que sempre predomina tanto na essência dos seres como no interior desses sarcófagos.

Ezio Flavio Bazzo

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Por que, afinal, o Presidente do Irã não acredita no holocausto?


Até os cachaceiros gordinhos e hedonistas de Ipanema estão se manifestando contra a vinda de M. Ahmadinejad ao Brasil. Talvez seja a primeira vez na história que um representante da Antiga Pérsia e da terra de Zaratustra coloque os pés por aqui. Sabemos que esse homem, que parece uma miniatura, caiu na desgraça internacional depois de colocar em dúvida a existência do holocausto. Eu, que sempre estive com as orelhas em pé com relação aos historiadores e à história, tenho uma curiosidade imensa em conhecer suas razões, seus dados e suas fontes para tal afirmativa.

Há pelo menos uns dez anos que o ouço fazer publicamente a afirmação de que não existiu holocausto nenhum, e que tudo seria manipulação de uma imprensa cortesã. Apesar disso ninguém, nem a mídia internacional, nem a mídia tupiniquim, nem as universidades se atrevem a conceder-lhe duas ou três horas para que desenvolva e demonstre sua tese. Se suas fontes forem sólidas, densas, fundamentadas, que bom, todo aquele horror não existiu e a humanidade se livrará de uma mentira. Se seus argumentos forem religiosos, ideológicos, fúteis, vazios e delirantes, ele próprio se sentirá na obrigação de silenciar para sempre e deixará de encher-nos o saco com essa temática. Qual TV, qual jornal, qual universidade se candidata? Ele está aí.

Ezio Flavio Bazzo

domingo, 22 de novembro de 2009

Fernando Pessoa & o mendigo em linha reta



“Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, eu tantas vezes irresponsavelmente parasita, indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o ideal, se os ouço e me falam,
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos – mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza”.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

O sacrifício de cachorros na periferia de SP e a cachorrada humana

Difícil entender por que a mesma população que se arquejou de espanto e em vômitos com a descoberta de um matadouro clandestino de cães e de gatos na periferia de SP não está nem aí para os abatedouros públicos de vacas, cabras, porcos, galinhas, rãs, coelhos, faisões etc. Paradoxalmente, esses mesmos hipócritas que se escandalizaram com a natureza do negócio e com o tipo de carnificina são os mesmos que estão todos os dias em fila diante dos mercados e dos açougues para comprar peles, sangue e tripas de porcos, costelas de bezerros, coxas e corações de galinhas, miolos, fígado e língua de bois. Repito: para comprar pele, fígado e língua de bois! Ora! E, além disso, foi exatamente essa gentalha que fez escárnio e escândalo sobre o cardápio e sobre o canibalismo dos tupinambás! Outra hipocrisia, pois é evidente que quem come um pato laqueado seria capaz de comer uma criança laqueada. Que quem come um bode ou um porco no espeto, dependendo das circunstâncias, seria capaz de fazer um churrasco com um irmão, um primo, o pai ou um vizinho. Então, em quê os coreanos e os outros orientais que encomendavam e consumiam as carnes e as vísceras de cães e de gatos capturados nas ruas e assassinados, seriam mais bárbaros e mais desprezíveis do que os que devoram uma ou duas vacas por ano? Dez ou doze frangos por mês? Meio porco a cada fim de semana? Quilos e mais quilos de caranguejos a cada veraneio e dois ou três perus a cada natal? Até uma criança de cinco anos seria capaz de perceber que a voracidade patológica, a ausência de ética e o mau caráter desses personagens são exatamente os mesmos. Um idiota com quem conversava sobre o assunto me dizia: Mas não comer cachorro e nem gato é lei! Lei? A lei é mais desprezível ainda. Vejam o que diz o texto da tal lei: [Animais domésticos, aqueles de convívio do ser humano, dele dependentes, e que não repelem o jugo humano (e que não repelem o jugo humano) não podem ser criados para o consumo]. Ou seja: aquilo que não for domesticável pode ser devorado!

Ezio Flavio Bazzo

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

A medicina, como fábrica e mercado de angústia

E aí? Já tomou suas vacinas? Já checou seu colesterol? A glicose? Os triglicerídios?

Cuidado com a tireóide! O fígado, os rins, os intestinos, a bílis negra, os corrimentos, as veias do reto. Tantos por cento morrem com câncer nas tripas! Cuidado! As piores doenças são silenciosas! Vá regularmente ao dentista. Um dente podre pode afetar seu coração! Existem mil tipos de aritmias! E os olhos? Cheque frequentemente a pressão de seus olhos. Olha o glaucoma aí gente! Todo mundo é diabético! Há uma propensão ao alcoolismo e à depressão na espécie. A depressão será o Grande Mal do Mundo! Comece a tomar remédio desde já. Vá verificar o estado de seus ossos. Lembre que você não é uma minhoca. Os exames que eram qüinqüenais passaram a ser semestrais. O status médico não pode ir para o buraco! Não dá para ficar com equipamentos parados. Vamos fazer exames, passar a vida fazendo exames até encontrar as raízes da morte em nossas entranhas. Ninguém o curará de nada, mas pelo menos você ficou sabendo. Apalpe seu corpo, você pode descobrir alguma anomalia: um caroço, uma espinha, uma veia pulsante, um chip. Mesmo que não seja nada grave, pelo menos lhe dará a experiência da angústia e a angústia, você sabe, é sinal de que você está vivo. Lambuze-se diariamente com protetor solar. O mais caro é sempre o melhor. E a próstata? Olha lá! Olha lá! A próstata é uma glândula de fácil desarranjo, como praticamente todo o corpo, foi um erro estúpido na evolução, mas os médicos, por dez ou doze mil poderão remediar ou mesmo extirpar esse mal. Vá ao geriatra. Mantenha-se lúcido como uma pantera até aos noventa anos! Não dê ouvidos àqueles que acham que a longevidade é um projeto tolo da burguesia e um truque das multinacionais dos medicamentos. Arraste-se pela vida, nem que seja como um verme, até o FIM. Mas resista. Esteja sempre entre as caravanas que vão mensalmente à Aparecida ou a Juazeiro do norte! Se sua aposentadoria não for suficiente para comprar remédios, vá ao banco, faça empréstimos. Quase sempre os banqueiros, que são acionistas também dos planos de saúde e das importadoras de medicamentos, transbordam de compaixão para com os da quinta idade. E as tetas? A indústria da mamografia só não cresceu mais que a indústria imobiliária e a indústria da cocaína. Comece a fazer seus exames a partir dos vinte anos. Você só tem quinze? Vá assim mesmo. Se você não quer parar de comer suas afrodisíacas feijoadas com cachaça e leite condensado, faça redução de estômago. Corte-se! Quanto mais cicatriz tiver, mais dará a impressão de ter vivido. Seja um homem ou uma mulher de seu tempo, pois tanto as vidas, como as guerras, acabarão sempre no cemitério.

Ezio Flavio Bazzo

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Heitor Villa Lobos


Não foi muito concorrida a homenagem a Heitor Villa Lobos nesta noite morna de novembro, aqui na Capital Federal, entre a Catedral e o Museu da República. Com certeza muitos jogos deveriam estar acontecendo pelo país a fora, e aí, sabe como que é, o populacho enche o rabo de cerveja vagabunda e fica levitando como se estivesse em outra galáxia.... Regida pelo maestro Iran Levin, a Orquestra do Teatro Nacional deu um show, principalmente no caso da Ária Cantilena número 1/Bachiana número 5. Até o cachorro que uma senhora de olhar sombrio mantinha confinado entre as pernas parecia deslumbrado. Não deve ter sido fácil para Villa Lobos, naquela época, misturar Bach e outros supostos eruditos com nossas profanidades tropicais. Casado pela segunda vez com uma ex-aluna, Villa Lobos, como Borges, Dali, Machado de Assis, Cioran, Vargas Vila etc, não teve filhos. Deixou apenas centenas de obras e de partituras para o gozo futuro da horda. Morto, não teve como impedir que, em 1986, colocassem sua efígie numa nota de quinhentos cruzados.

Ver: http://www.youtube.com/watch?v=8ZCq42RbEUM

Ezio Flavio Bazzo

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

As coxas da estudante Geisy, na Uniban, e o curso de masturbação na Espanha

Já dura vinte dias a polêmica sobre a estudante da faculdade de turismo de SP, que foi “expulsa” por ter ido às aulas metida numa exuberante mini-saia. Ontem mesmo, aqui em Brasília, os universitários fizeram uma marcha, nus, em apoio a ela. Venha para a UnB – dizia um cartaz -. Senadores subiram ao púlpito para fazerem defesa da moça. Reitores falaram sobriamente sobre o assunto. As feministas despacharam milhares de e-mails e de torpedos para a gerontocracia que controla o Estado e até alguns religiosos defenderam de cabeça erguida o direito sagrado de exibir sutilmente os fundilhos. Enquanto isso, lá no país de Cervantes, a Secretaria de Educação e Juventude da Província de Extremadura promove o curso: “O prazer está em suas mãos”, através do qual, jovens de 14 a 17 anos aprendem truques e técnicas masturbatórias. Além do prazer sádico de ficar assistindo desvarios desse tipo, tanto o de lá como o daqui, nos fazem lembrar que o suposto progresso humano é uma farsa. Que apesar das inovações tecnológicas e do teatro da modernidade, continuamos sendo os mesmos idiotas das cavernas e que, definitivamente, ainda não sabemos o que fazer com a região peluda, inflável e libidinosa que levamos entre as pernas.

Ezio Flavio Bazzo

O “apagão” e o pensamento trágico

As três ou quatro horas em que uma boa parte do país ficou às escuras foram suficientes para a mídia histérica e a população paranóide colocarem em cena não apenas seu pensamento, mas seu sentimento trágico. Com olhos arregalados e os cabelos em pé todo mundo parecia esperar pelo pior. Alguma coisa de grave não só devia ter acontecido, como ainda deveria vir a acontecer. Um trem chocar-se com outro. Um edifício incendiar-se. Bandidos saírem pelo meio das trevas estuprando e assaltando. Algum animal nunca visto poderia emergir de um esgoto. Os fios de alta tensão poderiam despencar sobre um asilo ou sobre um shopping e provocar uma carnificina. Os hospitais, o oxigênio e seus doentes! Pessoas presas, fóbicas e com velas em punho nos elevadores. O cheiro de velório. O jantar da Madonna interrompido pela metade! O silêncio mórbido. Passos rápidos como se traficantes encapuzados estivessem invadindo as mansões verticais de Ipanema e roubando as jóias, os cachimbos de prata e os Euros dos nossos “nobres”. As trevas! As trevas e a escuridão como presságio de algo horroroso, palpável e apocalíptico. Na ausência de luz sempre o sentimento trágico: marca registrada dessa pobre espécie que sabe muito bem o que a espera.

Ezio Flavio Bazzo

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

A vagabundagem de Darwin e a Origem das Espécies

Um dos mais admirados heróis de minha adolescência foi nada mais nada menos que o velho Charles Darwin. Claro que não por suas teorias a respeito da Origem e da Evolução das Espécies, (não sabia nada disso naquela época) mas por seu privilégio de vagabundear pelos mares a bordo do Beagle, de dar a volta ao mundo, olhando, cheirando, meditando, comparando, refletindo, anotando detalhes desde o bico de um papagaio até do rabo de uma tartaruga. Passou pelo Brasil lá por 1832 (vinte e sete anos antes da publicação do livro que viria revolucionar os conceitos científicos e religiosos a respeito do homem) e seu fascínio por nossos mares, nossas plantas e nossos animais foi completamente oposto ao sentimento que teve com relação aos nossos habitantes. Apesar de sua pátria à época, também ser um ninho de piratas e de larápios, mesmo assim ficou horrorizado com a bandidagem "moral" e "ética", com a hipocrisia e com a incompletez civilizatória que encontrou por estas bandas o que, aliás, - aqui entre nós - continua intacta. A Bahia, o Rio de Janeiro, o Paraná e outros Estados por onde circulou lhe deram a impressão de ser algo como uma ágape entre gatunos e até mesmo algo como um ateliê de safadezas e de malandragens. Está registrado lá no seu Diário do Beagle: aqui, "qualquer que seja o crime, ocriminoso que tenha dinheiro, em pouco tempo estará livre". Todos somos testemunhas da veracidade de sua sentença. Ou não?

Ezio Flavio Bazzo

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Enfim, a liberdade de Cristo!

Finalmente a justiça italiana mandou retirar medalhas e crucifixos das escolas, tribunais e de outros espaços públicos. Demorou séculos, mas conseguiu transpor a idéia infantil de temor e de blasfêmia. Imagino a choradeira que deve estar acontecendo no âmago das catacumbas ambulantes. Aqui em São Paulo já foi dada a mesma ordem. Daqui a uns dias o povo também poderá ver-se livre desse acosso moral. Para o próprio Cristo será um alívio! Só falta agora retirá-lo da cruz. Estar ali nas delegacias (vendo toda aquela jagunçada criminosa); estar lá nas paredes dos tribunais e do Congresso Nacional (assistindo diariamente a toda aquela mentirada infame); estar lá nas escolas (sendo testemunha e até cúmplice de toda aquela baboseira que é administrada sobre as crianças); estar atrás das portas das zonas (ouvindo os gemidos da meretrizes e os berros de seus clientes) não deve ser nada agradável. Como nada neste mundo se move sem o consentimento de Deus, de seu filho e de outros chefões cósmicos, é provável que todos tenham interferido (por debaixo dos panos) sobre essas decisões judiciais. Dura Lex sed Lex!

Ezio Flavio Bazzo

terça-feira, 3 de novembro de 2009

OS MORTOS & a abertura do III Congresso de Filosofia e Religião

Achei oportuno o dia dos mortos ter sido escolhido para o início do III Congresso de filosofia e religião aqui na Unb, aberto com a conferência do prof. Pondé, sobre a morte. Quem ainda tem estômago para ouvir essas “charlas” intermináveis dos doutores, terá oportunidade até quinta-feira de relembrar Hegel, Santo Agostinho, Kant, Pascal, Rosenzweig, Levinas (o conferencista pronunciava Levinás), Heidegger, Jaspers, “o saber religioso em Wittgenstein” e a outros charlatães menores. A palestra que me pareceu a mais curiosa de todas será a que vai acontecer no Anfiteatro 1, com o título: “Nietzsche, Tolstói, Dostoiévski e o idiotismo de Jesus”. Outra que também promete ser transcendente (ou pelo menos cômica) será a da sala de Conferência 2: “Os diálogos sobre a religião nos Parerga e Paralipomena de Arthur Schopenhauer. Enquanto os filósofos se reuniam cheios de si e vaidosos no auditório, os cemitérios da cidade iam fechando as portas sob uma violenta chuvarada, depois de um dia movimentadissimo. Nesse dia (desde o século XIII) todo mundo tem uma necessidade estranha de ir levar um vaso de arroz ou um bouquet de flores para seus mortos, como se isso lhes interessasse para alguma coisa. Muitos curiosos (necrófilos ou não) também gostam de ir para lá onde, numa espécie de ensaio para o porvir, visitam uma ou outra tumba com uma encenação especial. Aqui no cemitério de Brasília a tumba mais concorrida continua sendo a da Ana Lidia, menina de sete anos que em 1973, em plena ditadura do Médici, foi cruelmente assassinada. Dizem que já está fazendo milagres e que começa a ser mencionada como a Santa pagã de Brasília. Hoje, pela manhã, muita gente já estava lá, acendiam velas, depositavam flores, cochichavam, rezavam alguma coisa, discutiam o crime (que até hoje não foi esclarecido) e ventilavam suas tolas hipóteses. Sobre sua lápide havia uma caixa com bonecas, brinquedos de plástico e outras porcarias deprimentes. Uma senhora mais ou menos alterada lembrava a outra, identica a ela, que no dia 13 de setembro de 1973 (um dia após o crime) havia sido a queda de Allende; que aquele foi o ano da Crise do Petróleo; que Elvis Presley fez o show “Aloha from Hawai” , que foi erradicada a variola no Brasil, criado o MOBRAL etc.

Ezio Flavio Bazzo

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

ARANJUEZ: ali onde os rios Jarame e Tejo se cruzam



Quase todo mundo que conheço acredita que o Tejo é um rio genuinamente lusitano, que nasce e desaba no Atlântico transitando apenas por território português. Equivoco. Nasce na Serra de Albaracin, na Espanha e faz confluência com o Jarame a uns quarenta quilômetros de Toledo, na cidadela de Aranjuez. Aranjuez é uma típica cidade espanhola cheia de palácios, de fontes, de casas e de velhinhas seculares que só ficou mundialmente conhecida depois que Joaquim Rodrigo (cego desde criança) compôs o estupendo Concierto de Aranjuez (1940). Quem já passou por lá deve lembrar, além dos piqueniques às margens do Tejo e das sopas de espargos, também dos suculentos morangos com nata. No video acima, quem quiser pode ver e ouvir a estonteante música que leva seu nome, interpretada pela violinista Kawai Ikuko.

Ezio Flavio Bazzo

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

A língua solta do governador Requião, a cólera dos homossexuais e o manifesto desesperado das mulheres...

A comunidade gay e homossexual do planeta está encolerizada com a última declaração pública do governador do Paraná a respeito do câncer de mama masculino.

Segundo o Governador, "essa história de câncer de mama em homens deve ser o resultado das passeatas gays".

Independentemente das reuniões extraordinárias que essa frase vem causando nas Ongs, Associações e guetos homossexuais, ela tem trazido a tona uma consciência e uma angústia feminina cada vez mais frequente, mas poucas vezes manifesta: a de estarem "perdendo os homens para outros homens" e ficando amorosamente em segundo plano diante da vertiginosa homossexualização masculina do mundo.

Segundo minhas fontes, elas estariam se organizando para, nas próximas Paradas Gays, em cultos religiosos, em portas de fábricas, estádios de futebol, reuniões de feministas, filas de cinema etc, comparecerem em massa, vestindo camisetas com esta frase, escatológica e desesperada, de alerta: Nós também temos cu. (Fato que nos faria admitir que os Adventistas do Sétimo Dia estão certos: o fim dos tempos não está muito distante!).

Ezio Flavio Bazzo

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Um bairro para novos ricos edificado sobre um "Santuário de pajés"

Os corretores já estão eufóricos nas esquinas com mapas, folders, ilustrações futuristas, fichas de inscrições e claro, as tabelas de preços. O novo bairro que será construído para uma suposta elite sobre os barracos de sete ou oito famílias de índios e sobre uma área de Cerrado ainda virgem, levará o nome de Noroeste, mas bem que poderia levar o nome da dona daquela primeira casa noturna que se instalou aqui no Planalto em 1960. A área fica mais ou menos entre o Albergue da Juventude, o Parque Burle Marx e o Canil. Uma área preciosa onde depois das chuvas explode uma diversidade imensa de flores, de cogumelos e de pequenos animais voadores. O preço dos apartamentos? Oito a nove mil reais o metro quadrado. O que significa que um cubículo de sessenta metros quadrados custará R$: 600,000,00 e que um de cem metros quadrados custará R$: 900,000,00. Dizem que boa parte dos prédios já está vendida. Quem acredita que conhece tudo sobre o Mercado Imobiliário no mundo precisa passar por Brasília e visitar as cadeias voluntárias em que vivemos, com suas janelinhas idiotas, com seus quartinhos de manicômios e com seus banheiros que nos obrigam a cagar em pé. Cortiços que através de suas paredes nada discretas, ouve-se tudo o que dizem no andar de baixo, no do lado e no de cima. A intimidade aqui, logo aqui que todo mundo tem contra si (ou deveria ter) um processo no judiciário, é uma verdadeira indecência. Onde estão os engenheiros, os sociólogos e os arquitetos que autorizam a construção desses pardieiros? Onde se meteram as vacas sagradas da urbanística? Pois bem, muitas dessas gaiolas sem ar, que chegam a fazer 39 graus ainda antes do meio dia, custam mais de que muitos apartamentos confortáveis nos arredores de Paris. Com o preço de um apartamentozinho de bosta aqui nesta cidade se compra três em qualquer outro estado e de muito melhor qualidade. Apesar de isso ser uma afronta à saúde e à inteligência de qualquer babaca ninguém dá um pio. Está todo mundo feliz por poder comprar o seu em trinta ou quarenta anos, mesmo que depois tenha que dar o rabo nas esquinas para poder pagar as prestações e o condomínio. Que tenha sido construído num “Santuário de Pajés” e sobre os ossos de algumas famílias de Pankararus, Tuxás, Korubos etc, isto é apenas um detalhe – dizem os “empreendedores”. E os compradores, esses trouxas/gatunos e gatunos/trouxas não estão nem aí, fazem o jogo de qualquer máfia que venha prometer-lhes que, do anoitecer para o amanhecer subirão ao pódio da classe média alta e, mais tarde, talvez, até ao ducanato. Com o contrato do imóvel sob o braço aproveitam para passar numa revendedora de automóveis e comprar o seu em setenta meses. Estão felizes. Isto é a felicidade para esse tipo de idiotas. Sacam o celular do bolso do paletó (celular que custou dois mil dólares, mas que será pago em até doze vezes) e contam as novidades para outros trouxas. Estão realmente felizes, inclusive porque na semana passada compraram também, em longas prestações mensais, todos os eletrodomésticos que precisavam.Sarava!

Ezio Flavio Bazzo

sábado, 24 de outubro de 2009

Mendigos: Párias ou heróis da cultura? II. (Reedição de livro, p. 45)

Estamos definitivamente numa estação de pau-a-pique em que as noites chegam sinistras, repletas de profecias e de relâmpagos, de lampiões moribundos prestes ao desaparecimento. Matilhas de famintos, a filharada de Caim, espectros e vultos fedorentos que se esgueiram sisudos sob as àrvores e junto às muralhas murmurando obsessivamente as duas últimas linhas do badalado verso de Baudelaire em favor de nosso errante diabólico:

“Race de Cain, ao ciel monte et sur la terre jette dieu!”[1]

Mas como todo verso é vão e toda poesia é narcisismo condensado e inútil, fica tudo por isso mesmo e tudo como está.[2]

Cheiro de querozene, piolhos e pele descamada. Trazendo um Caim, um Drácula e um Frankenstein sepultados dentro de si a escória vem marchando da escravidão do latifundio para as vilas e para as cidades em busca de restos de comida, de uma bala perdida ou de um Serial Killer. Gira em aspiral ao redor de si mesma, dos muros citadinos e pelas cercanias das magestosas catedrais e de seus campanários farejando um esconderijo onde cuspir, vomitar e cagar sua exclusão, sua lepra, sua esquistossomose e principalmente sua feiúra que nada neste mundo dissipará. Tudo infinitamente mais grave do que a velha e sectária idéia de luta de classes. Descobre as marquises e os fundos de terrenos baldios e se resigna sob o estigma da escória cainesca, da maldição metafísica transmutada em maldição social. Com a tatuagem de uma víbora na garganta é a autêntica obra divina arrastando as tripas de lá para cá enquanto, com olhar súplice, roe sua culpa e soleniza sua longevidade. Réplica e clone de tudo o que é abominável, de tanta miséria, penúria e escassez, não tem competência nem forças para, como sugere Baudelaire, pelo menos subir aos céus e enxotar de lá o Criador. A cada anoitecer se amontoa como pode a espera de que alguém da janela vizinha lhe aponte uma espingarda ou que alguma estrela vagabunda despenque sobre seu crânio e coloque um fim ao seu flagelo e ao seu único crime, o de haver resistido aos nove meses uterinos e o de haver nascido.

Mantendo a distancia conveniente, observo o traste que com seus olhinhos esverdeados de coruja descansa numa escada do jardim e apodrece – como diz Derrida – entregue à voracidade roedora, ruminante e silenciosa do animal-máquina com a sua lógica implacável.[3] De tempos em tempos beija uma cruz que leva amarrada ao pulso e resmunga uma oração breve, de apenas uma ou duas frases. De onde advém essa paixão humana pela ficção? Pobre diabo, não teve ainda a capacidade de compreender que um deus que coloca uma doença no corpo de um crente – parafraseando a Bret Harte – certamente não se comoverá com suplicas e com orações. A barba, os cabelos, as sobrancelhas e os pêlos que emergem de suas narinas e de seus ouvidos parecem ter a função de ocultar um teorema ou a tal “marca de Caim” que está em todas as partes desse corpo condenado, como um sifão, à precariedade.

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[1] Ver Abel e Caim, em Flores do Mal.
[2] Dizem que nos raros e nauseabundos soirèes poéticos onde Rimbaud marcava presença, sempre que alguém acabava de recitar um poema saia de sua boca o mesmo resmundo: merde!
[3] J.Derrida em O animal que logo sou, editora Unesp, p.73, SP, 2002.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

MENDIGOS: Párias ou heróis da cultura? (Reedição de livro)



Enquanto o Editor rabisca a nova capa, experimenta uma letra maior, modifica as cores, idealiza um lançamento especial só para mendigos, releio pela última vez a “Recapitulação”, na página 195, em busca de algum erro intolerável e/ou imperdoável.



RECAPITULAÇÃO


"Com aquilo que lhe serve para mijar os homens criam seus semelhantes."

Heine


Apesar da demagogia político social e da caridade vigente, da década de oitenta para cá, além de uma disneylandização do mundo, não aconteceu praticamente nada de novo no universo da mendicância e da vadiagem.Os discípulos da frugalidade continuam por aí, do Butão ao Chile, com suas lamparinas sob as árvores, com suas tralhas junto aos muros dos templos ou em plena alucinação nos semáforos, na mais autentica danação, muito além do paraíso e do inferno, cada dia com mais consciência de que o inimigo principal sempre foi e é o nosso imaginário.

Os mais velhos parece até que ainda estão vivendo a ressaca de Woodstock, como se tivessem tomado um ácido e nunca mais se recuperado. Os cabelos brancos, a barba chegando aos joelhos, um bastão, as feições cada vez mais andrógenas, esfomeados, e a senilidade comendo solta. Claro que a grande maioria enlouqueceu, foi parar num abrigo de dementes ou bateu as botas e foi enterrada nos cemitérios da periferia. Um punhado de terra para colocar um ponto final num punhado de misérias e de desgraças.

Nesse ínterim, derrubaram o muro de Berlim a marretadas, o capitalismo se alastrou e sufocou todas as ideologias, jogaram os “esquerdistas” numa latrina e um executivo delirante chegou até a declarar o fim da história. Os banqueiros assumiram descaradamente o comando do mundo e, juntos aos proxenetas das repúblicas, doaram celulares, computadores, carros, cartões de crédito, “cestas básicas” e outras porcarias a cada idiota do planeta, para acalmá-los.

Indiferentes e à margem de tudo, sem grandes inquietudes, os mendigos seguiram, em sua epopéia ortodoxa, ocupando os mesmos lugares de outrora, à margem não apenas dos banquetes, mas também das mentalidades da época. As praças, as igrejas, os viadutos, os portos, as casas abandonadas, as tocas de alguma ruína, os metrôs, as paradas de ônibus, os cemitérios, os circuitos turísticos e os lixões do planeta os acolhem diariamente. Aliás, quem é que ainda não viu as missas negras executadas por eles lá no meio dos lixões?

De vez em quando são culpabilizados por alguma desgraça social, por um estupro, uma psicopatia, um incêndio(1) . Sofrem calados o absurdo da existência, mas vingam-se sobre si mesmos deixando apodrecer solenemente o corpo, único capital.

Um promotor mais idealista e mais burguês querendo fazer média com os seus pares insinua que vai exterminar com essas trupes de pedintes, já que elas depõem contra a dignidade e que são a lepra da modernidade. Mas depois se acalma. Corrige o discurso e todo mundo é deixado em paz por mais uma ou duas décadas.

No Iraque, no auge da última guerra, os mendigos foram retirados das ruas pelos exércitos, com a justificativa de que estavam sendo usados para atentados suicidas. Cinco quilos de dinamite amarrados à cintura de um indigente, um endereço, a garantia de que minutos depois estaria no paraíso e a explosão. Na Índia tudo relacionado a eles fica cada dia mais insólito(2) . Os que ficam diariamente na Praça da Sé, em São Paulo, também foram recolhidos com a recente visita do papa Ratzinger. Ali também disseram que foi por medida de segurança, mas é bem provável que tenha sido por vergonha(3) . Aconteceu a mesma coisa na cidade de Marrakesh, às vésperas de um encontro internacional, só que lá, além dos mendigos, recolheram também os batedores de carteira, que não são poucos. Muitos administradores de cidades brasileiras são acusados de mandar clandestinamente seus mendigos para outras, como fazem comumente com cães. A população de indigentes em Recife, Salvador, Curitiba, São Paulo, Brasília, etc, triplicou. A Central do Brasil no Rio parece uma das Praças dos Milagres do século XV. Mulheres, crianças, velhos, sujeitos de todas as idades, cores e peso. Muitos rancorosos e violentos que mijam por todos os lados e que estão literalmente “cagando” para as idéias de estigma e de contravenção. Se a burguesia encolerizada grita-lhes: dane-se escória miserável!, eles lhe retrucam: foda-se elite de merda! O terrorismo dos padres e dos pastores com a ameaça do inferno não os abala nem um pouco. Ignoram o Velho Testamento, bem como a Divina Comédia e o Apocalipse. Só são fundamentalistas mesmo em sua miséria.

É verdade que alguns, numa tentativa desesperada chegam até a abrir minúsculos negócios, mas logo vão à falência. Outros trabalham para os comandos mafiosos, outros entregam trouxinhas de drogas, os mais delicados caem no boiolismo e servem de quatro na marra a seus iguais. Outros estão sempre fingindo ler um jornal ou com um livro aberto diante dos olhos(4) . Chegaram-me notícias de que em Londres há vários que empunham diariamente seus violinos pelos becos. Outros são alcagüetes da polícia e vivem de seus ardis. Uma fauna indescritível. Vi um deles sentado solenemente diante da BOVESPA, com sua estética macabra, como se esperasse que alguns centavos saíssem voando pelas janelas daquele ninho de ladrões e de bandidos. Outro admirava de longe um casamento, a noiva toda de branco, o noivo como um pingüim, as histerias de praxe dos respectivos familiares e toda a idiotice que circunscreve esse costume. Alguns já foram vistos até brincando com notebooks ou com laptops sob os viadutos e sobre suas carroças de papel. Nos países outrora comunistas, tanto eles, como as putas e os pregadores estiveram interditados por longo tempo. Mas foi só a comédia acabar para que as ruas se enchessem novamente de prostituição, de pregarias e de esmoleres. São sempre os mesmos. Irrecuperáveis e imprestáveis para o establishment desse imenso Guantánamo que é o mundo. Não votam, não abandonam o cigarro, não têm poupança, não escovam os dentes, não dirigem, não produzem e nem consomem. A cachaça e a solidão os fazem cada vez mais prolixos. Continuam odiados por todo mundo. Se cada sujeito da elite tem seu anjo da guarda, cada um dos mendigos tem seu demônio.

Apesar do blábláblá dos Direitos Humanos, do papo furado a respeito da Cidadania, das balelas Humanistas, da verborréia diária dos políticos e das sopas dos animistas, as classes sociais privilegiadas continuam olhando-os do alto de suas coberturas ou por detrás das cercas de suas mansões com um misto de pena, raiva e repugnância. Seguem alienadas e torpes, cada vez mais fúteis, mais gordinhas e mais pelegas, entretendo-se com seus brinquedos eletrônicos e com suas porcas presunções, sempre resmungando do umbral de suas janelas: “Descendez, descendez, lamentables victimes, / Descendez le chemin de l’enfer éternel”.


Brasília, 16 de outubro de 2009
Ezio Flavio Bazzo


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1. A semana passada foram acusados em Brasília de tocarem fogo na igrejinha da 307/308 sul, uma relíquia para os beatos e burocratas da quadra, uma das poucas que além dos mosaicos do Athos Bulcão, já teve em seu interior uma pintura do Alfredo Volpi. Passei por lá logo depois dos bombeiros, e os mosaicos ainda estavam chamuscados. Sete ou oito “filhos de Caim” se esparramavam arrogantes pelas escadarias e pelos arredores como cães em volta de uma cadela em cio. Sabem esperar, a experiência lhes ensinou que sempre haverá algum tipo de gratificação ou de luxúria, mesmo no interior de uma calúnia. Uma lambida, uma dentada, mas depois o completo ato copulatório. Uma moradora das mais tradicionais veio confidenciar-me que aquela gente, além de não crer em Deus, cagava por todos os lados. Que aqueles miseráveis se beijam depois de embriagados, que usam facas por debaixo dos farrapos e que até fazem sexo junto às paredes daquele patrimônio da humanidade, um sacrilégio não apenas contra Juscelino, mas contra Nossa Senhora de Fátima, a padroeira da igreja.

2. Recentemente, uns hindus fanáticos deram uma surra num pregador cristão que tentava converter um grupo de mendigos. Nesse mesmo país das crendices, durante os eclipses, muita gente sai de casa em busca de mendigos para oferecer-lhes alguma coisa, umas rúpias, um pão ou até mesmo uma ducha. Sabe-se que por lá não são poucos os que dão um jeito de amputar-se um braço ou uma perna para terem mais sucesso como mendigos.
3. Confúcio já lembrava ao pessoal de sua época que: “se um país é regido pelos princípios da razão, a pobreza e a miséria são objetos de vergonha. E que se um país não é regido pelos princípios da razão, as riquezas e as honras são objetos de vergonha”.

4. Já relatei em algum lugar, que em Tanger, no Marrocos, encontrei um mendigo lendo o Corão junto ao mar. De vez em quando tirava os olhos da Quinta Surata para lançá-los misticamente por sobre as ondas na direção do território espanhol. Naquela mesma cidade, numa feira de legumes, outro mendigo lia um dos mais importantes escritores do país, que agora não lembro o nome. Encontrei mendigos poetas e poetas mendigos por todos os lados do planeta. Até mendigos que já haviam sido livreiros ou bibliotecários e que levavam no meio de suas porcarias um pedaço de lápis e uma caderneta para anotar suas inspirações. Parece que não gostam de ler lamentos e maldições de outros desgraçados como eles, preferem os poetas românticos, cultos e ricos, toleram os acadêmicos, mas odeiam poetas diplomatas e funcionários públicos. Para eles a diplomacia e o serviço público são desprezíveis e os poetas que surgem naquele meio (com tanta freqüência) são sempre uns farsantes. Acredito que se entediariam lendo Fome – de Knut Hansum – ou as histórias de vagabundos de Jack London.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Tornados, vendavais, tempestades, ventanias: apenas uma resposta à infâmia

Quando fui criança lá no sul do país, além dos estradões de terra batida e de barro, praticamente tudo era floresta. De Curitiba à Foz do Iguaçú se ia ziguezagueando por entre Pinheirais intermináveis! Perobais! Capoeirões! Palmitais! Erva Mate! Cedros imensos e por todos os lados a conhecida Canela-fedorenta que os cientistas, cada um com seus sotaque, chamavam pomposamente de Nectadra Megapotamica. Quase tudo foi para o saco! Milhares de hectares, com suas duas ou três mil espécies de plantas, foram devastados. De um extremo a outro daquela região só restou, na verdade, o Parque Nacional do Iguaçú que Getúlio, num surto de lucidez, salvou com um mísero Decreto assinado em 1939. Hoje toda aquela exuberante composição floristica virou pastagem ou vilarejos suburbanos atrasados. Tudo foi convertido perversamente em fazendas de soja (esse grão abjeto que vai empanturrar as vacas dos americanos e os porcos dos chineses) nas mãos de colonos ignorantes ou de especuladores infames atentos apenas às próprias barrigas e aos próprios bolsos. Agora, todo mundo com cara de coitadinho chora ao lado dos telhados e dos barracos despedaçados, se queixa dos seguidos vendavais, das frequentes tempestades, dos tufões, tornados e redemoínhos que se armam satanicamente sobre aquelas terras assoladas. Fingem não saber o que está acontecendo. Ao invés de aumentar a consciência, aumentam o misticismo e as pregarias. Mandam rezar mais missas, penduram escapulários nas cercas e nos telhados, questionam a indiferênça divina, culpam satanás, as meninas da zona, os hereges, os vícios da humanidade. Tudo trapaceria vã. Deveriam sim, abrir os olhos, conscientizar-se da burrice praticada ou autorizada durante décadas e ir apresentar a conta aos gorduchos fazendeiros, aos gigolôs das vacas, aos comerciantes de agrotóxicos e a outros larápios cínicos que com suas idiotices, tratores, foices, venenos e moto-serras, se não forem interditados a tempo, poderão aumentar ainda mais a desolação e o desastre.

Ezio Flavio Bazzo

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

You Stupid People! An Open Manifesto to Human Stupidity


The book bears the sanity, madness and strength of a document that challenges the times and the expectations of those who read it. The reader will soon recognise the stupidity of their colleagues, neighbours, parents, lovers and, inevitably, like an inverted Narcissus, of themselves. This is the point where many people close the book, throw it back on the shelf. But those that challenge themselves and persist in reading are rewarded with a clarity of thought and the sharp rhetoric of Bazzo.

By evoking fragments of the works of Nietzche, Cioran, Tzara, Malatesta, Marinetti and, also of Tostoi, Ibsen, Dostoievski, Thoreau, Cocteau and Canetti, a voice, with impetuousness and firmness, mockery and emotion, elegance and carelessness, rage and tenderness, Bazzo makes a warning against the fallacies that we all pursue and the intensity that we do not manage to have in our lives.



quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Sou um demônio! Sempre fui um demônio!!!

Quando tenho algum tempo livre gosto de dar uma revisada nas conferências de Rajneesh, aquele charlatão indiano, tão lúcido que, em pouquissimo tempo fez muito mais sucesso que Cristo. Dizia:


-A música é bela, mas você tem de cessá-la. Maomé não gostava de música, porque a própria beleza da música pode manter alguém enraizado.

-Não tente me enganar. Eu próprio sou um enganador tão grande... você não pode me enganar.

-Não sou democrata. Sou ditador; é por isso que tantos alemães vêm a mim. Na verdade, eles vêm porque não conseguem encontrar ninguém na Alemanha. É por isso que eles vêm a mim. Sou um ditador com uma diferença: um ditador com o coração de democrata.

-Não seja covarde, esse é o único obstáculo para conhecer a verdade. É necessário ousar para conhecer; é preciso entrar no perigo.

-A vida é simplesmente uma canção que não tem sentido.

-Estar perto da beleza é estar perto da morte.

-E eu não sou um pregador. Pregar é sujo. Eu sou um amante.

-O idiota é duro, muito duro. É impossível que qualquer coisa penetre na cabeça de um idiota. A cabeça de um idiota está coberta com aço, nada pode penetrar nela.

-Sou um fim... Fim no sentido de que depois de mim não pode haver nenhum cristianismo, judaísmo, hinduismo, maometismo. Depois de mim não há possibilidade de nenhuma ideologia.

-Sou um trapaceiro. Você não pode me trapacear. Eu trapaceei tantos trapaceiros!

-Se houver um Deus, e eu tiver de encará-lo, Ele terá de me responder, e não eu responder a Ele.

-Eu não ensino outra coisa a não ser o destemor.

-A vida não é nada mais do que vinho e, em tais alturas, eu sei que sou um beberrão. Conheço as alturas supremas do Ser e nada pode ser mais alto que isso, eu sei.

-Sou um demônio! Sempre fui um demônio!


Ezio Flavio Bazzo