As três ou quatro horas em que uma boa parte do país ficou às escuras foram suficientes para a mídia histérica e a população paranóide colocarem em cena não apenas seu pensamento, mas seu sentimento trágico. Com olhos arregalados e os cabelos em pé todo mundo parecia esperar pelo pior. Alguma coisa de grave não só devia ter acontecido, como ainda deveria vir a acontecer. Um trem chocar-se com outro. Um edifício incendiar-se. Bandidos saírem pelo meio das trevas estuprando e assaltando. Algum animal nunca visto poderia emergir de um esgoto. Os fios de alta tensão poderiam despencar sobre um asilo ou sobre um shopping e provocar uma carnificina. Os hospitais, o oxigênio e seus doentes! Pessoas presas, fóbicas e com velas em punho nos elevadores. O cheiro de velório. O jantar da Madonna interrompido pela metade! O silêncio mórbido. Passos rápidos como se traficantes encapuzados estivessem invadindo as mansões verticais de Ipanema e roubando as jóias, os cachimbos de prata e os Euros dos nossos “nobres”. As trevas! As trevas e a escuridão como presságio de algo horroroso, palpável e apocalíptico. Na ausência de luz sempre o sentimento trágico: marca registrada dessa pobre espécie que sabe muito bem o que a espera.
Ezio Flavio Bazzo
Ezio Flavio Bazzo
Vou um pouquinho mais longe, e a falta de energia? Há pouco tempo, em um domingo, eu estava em um desses eventos familiares, onde todos falam ao mesmo tempo, e ninguém ouve ninguém, após todos os ruminantes terem se fartado, a energia acabou. Ora, eu, que estava no meu cantinho, vingindo estar presente, como sempre, lendo a merda de um jornaleco que estava sobre a mesinha, assustei-me com o súbito silêncio, principalmente das vozes...Levantei a cabeça, e percebi que todos emudeceram ao mesmo tempo em que o som, a televisão, o computador e o video game se calaram. Não consegui conter o meu risinho cínico assistindo aquela cena. O dia estava claro, e eu estava sentada próximo da varanda, e continuei a ler o jornaleco, e dessa vez sob um total silêncio. Após meia hora sem energia, começaram as reclamações, e depois, novamente o silêncio. Um se sentou e ficou olhando para o teto; a outra foi conversar com o papagaio na varanda(coitado do pobre animal, só acabando a energia para lhe darem atenção); o outro cochilou no sofá da sala; alguém se retirou do recinto, e nem sei quem era; e eu como sempre como mera espectadora...Duas horas depois, a luz voltou, e com ela a histeria daqueles que não conseguem permanecer consigo mesmo...
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