quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

São Paulo: de desvairada a inundada II

Voltando da Zé Paulino, o sujeito cairá irremediavelmente na Estação da Luz, legado do império arquitetonicamente estupendo. Tem até um piano disponível no hall. Projeto de um artista britânico. Quem quizer senta-se nele e toca o que bem entender. Milagrosamente, a plebe, acostumada só a proselitismos aviltantes e a trapaças, se revesava nele. Vi um mendigo executando Love Story. As lágrimas, que não eram escassas, lhe desciam pela gola imunda. A Estação, que poderia ser uma das mais preciosas obras da cidade, caiu na mediocridade. Não tem um café, nem poltronas e muito menos toalete. Quem precisar de uma, deve descer aos túneis do metrô ou ir até o parque que fica atrás da Pinacoteca (uma espécie de Boi de Boulogne) onde rola em plena luz do dia uma prostituição geriátrica. Vi um senhor com uns oitenta anos, numa cadeira de rodas, negociando alguma coisa mais do que íntima com uma profissional de quarenta. Um homem barbudo usando chapéu marrom beijava as costas nuas de uma velha cor de ébano, e um outro, de bengala, ia e vinha deslumbrado por entre as árvores como se fosse um discípulo de Omar Khayyam. São Paulo é assim. Melífluo. Centenas de pequenas aldeias que constituem uma metrópole. Na semana passada um maluco desceu o cacete num intelectual em plena Livraria Cultura. Antes de ontem um ajudante de padeiro meteu a peixeira num empresário e hoje, a polícia encontrou mais de uma K 47 num onibus que vinha de Tatu a pé. Talvez tenha chegado o tempo de, como dizia Nietzsche, construir nossas cidades nas vertentes do Vesúvio.


Ezio Flavio Bazzo

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