sexta-feira, 30 de setembro de 2022

O último debate e as abstenções...


"Todo critico que se negue a admitir a possibilidade dum cavalo galopar num tomate, é um idiota..."(André Breton)



O formato escolhido para o tal "debate de ideias", foi o mais opressor, manipulador e abusivo de todos. Aquelas idas e vindas, aqueles dez metros entre as cadeiras e o púlpito, (observem como a marcha dos candidatos dizia mais do que suas palavras...) o cronometro e a interrupção das intervenções (e logo depois da novela PANTANAL), tudo dava a impressão de se tratar, ora de um noviciado de freiras; ora de um grêmio estudantil e ora de uma rinha de galos. E, curiosamente, nossos ilustres candidatos se submetiam ao animador de platéias como ginasianos em vésperas de exames ou como se estivessem num dos tantos e patéticos programas de entretenimento. Apenas um ou outro deixava escapar um impulso, uma ou outra indignação (um instinto primitivo). Só esforços imensos para, através de superstições, tentar diferenciar-se dos oponentes e capturar eleitores. Mas em vão! A gestalt era própria para um Karaokê mambembe e reduzia cada um deles a um Zé Mané. Não sei exatamente o quê, mas havia algo de grotesco lá.... Tentou-se até exumar correligionários... Eles, que tanto sonham em ser estadistas, que em seus gabinetes e palácios são tão delirantes e onipotentes, como foram se submeter a esse vexame? A intenção dos idealizadores do debate teria sido exatamente esta, ou a impostura foi casual? Ou foram as circunstâncias?

Fiz isto, fiz aquilo... 

Somos um país estupendo... Vou fazer isto e mais aquilo... 

Nós isto e nós aquilo...

Enquanto lá fora, à meia quadra dos estúdios, a ralé, as balas perdidas, a turma do crack e os condenados da terra, rugiam e  esperavam por alguma migalha e por alguma corruptela... E o Cristo redentor, que a dois mil anos espera pelo impossível lá no topo daquela pedra sagrada, exausto de toda aquela putaria à beira-mar, de quando em quando baixava dissimuladamente os braços em total decepção e desolação...

Sim, se não fosse a presença do padre Kelmon, dentro de seus arreios, o debate  teria causado ainda mais solidão e desesperança política... teria sido ainda mais brochante e fútil... (e alterado para mais o índice de abstenções).

E era inevitável, quando se olhava para o padre, ver atrás daquela figura (infanto-juvenil) a foto de seu chefe (foto que girou o mundo) empunhando duas pistolas automáticas. 

Com um cristo crucificado pendurado ao pescoço, insistia: Precisamos de mais catequese! Acusou Che Guevara (sin perder la ternura jamás...) de assassino e fez de Cristo seu cabo eleitoral. Ali naquele púlpito profano, bradava contra seus oponentes: somos 84 milhões de cristãos no país, e os padres deveriam merecer mais respeito... Tudo bem, mas e o Estado laico? Não foi a Revolução Francesa que construiu um tapume entre o Estado e a igreja?

Tremeu as pálpebras quando uma das candidatas perguntou-lhe se - pelas baboseiras que proferia - não tinha medo de ir para o inferno, para em seguida qualificá-lo de ser um "padre de festa junina". O que seria um padre de festa junina? Ficou confuso diante da "alma feminina". Até pensou em contestar-lhe: "candidata, meu ponto de partida não é o homem normal na terra normal, mas um homem infernal num inferno terrestre...", mas calou-se.

A noite já ia longe e, aproveitando a surrealista presença de um "púlpito" no cenário profano, falou-se até em extrema-unção. Quantas extremas-unções você administrou aos moribundos do covid? Perguntou-lhe a candidata. Pensei na extrema-unção de Paganini. E na morte de Azorka, o cachorro de Yeremias Smith, em Humilhados e ofendidos, de Dostoiesvski...

Depois, foi a vez de outro candidato, já fatigado, acusar o padre de ser um "laranja" e de estar apenas fantasiado de padre. Metalinguagem pra cá e metalinguagem pra lá...

Me acusaram até de estar travestido. (voltou ao assunto, logo depois).

 Foi o apogeu daquele show de superstições...

Na radiola, Yasmin Levy, amaldiçoando: "que tu corazón se vuelva una piedra..."

Antes de enfiar-me definitivamente em baixo das cobertas, liguei para o Mendigo K para saber quanto estaria custando uma passagem para Pasárgada (só ida)... Ele, que também havia assistido aquela triste pantomima e estava furioso, me mandou consultar a Manoel Bandeira numa sessão espírita... Fez um breve silêncio e agregou: Bazzo, "Se o homem se esgota em sua realidade temporal, é porque é apenas um personagem, um argumento de novela e nada mais. Em resumo: nosso semelhante..."


 


Um comentário:

  1. Domingo todos os IDIOTAS se encaminharão para as urnas e Eu?? Sairei para dar um passeio sob o Sol! Kkkkk tenho 45 e a 15 nao voto nem na vovozinha...pago a multa e sinto sinceramente um deleite em ver esses energumenos se arrependerem na segunda feira de manhã! Fo da se a politica e os politiCUS!

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