sábado, 10 de setembro de 2022

E lá nos jardins do Éden...



"O mais difícil de se fazer, numa comédia, são os entreatos..."
Molière


Como a pandemia está passando e hoje é sábado, os velhinhos que passaram os últimos dois anos enclausurados se atrevem a sair, ainda temerosos, com os joelhos mais frágeis do que há dois anos atrás, desacostumados de grandes caminhadas, vão duelando com a força da gravidade, tropeçando até em formigas e esbarrando em nuvens. Os pés! Os pés são tudo! Gostam de ir, preferencialmente, com suas velhinhas, ambos no auge da senectude, a um horto que há aqui nos arredores da cidade e que eles, romanticamente, sentem prazer em chama-lo de de Horto das Oliveiras...

Muitos deles estavam lá nesta manhã ensolarada de sábado. Iam se movendo lenta e amorosamente por entre as trepadeiras e os caramanchões. Examinavam cuidadosamente as orquídeas, os lírios, as begonhas. Acariciavam uma ou outra mais saliente. A mão tremula agitava os vasos japoneses dependurados.  Simbolicamente, queriam saber o preço da planta da felicidade. Ah, a felicidade! O Lirio da Amazônia estava na beirada de um mini moinho d'água. Lírio da Amazônia? A selva virgem! Aquela imensidão de cores na primavera... Iam ziguezagueando no meio daquela luxuria de cores e de vida ouvindo a moça da tenda que lhes dizia: Esta gosta de água e sombra fresca! Nada de sol, e sim, como a famosa Flor-do-luar, a Strophocactus Wittii. Lembram da Margaret Mee, que se embrenhou na floresta amazônica para vê-la florescer, uma única vez por ano e numa noite de luar? Se originaram na beirada dos rios... O Amazonas, o São Francisco, o Ganges... O canal de Xochimilco... Às vezes ficam tontos e, meio envergonhados, vão sentar-se no meio das camélias e das bromélias. Ficam lá domando os prenúncios de uma síncope. Ao redor a vida flui, as abelhas patinam pelas beiradas dos vasos... A vida não é grande coisa! Mas... Memórias e nostalgia do Éden e dos Jardins da Babilônia! Um deles, que tinha tudo para ser um frade laico, estaciona diante do Lírio da Amazônia, aponta para ele e diz para sua velha: olhe os lírios do campo, que nem trabalham e nem tecem. E contudo nem Salomão em toda a sua glória se vestiu tão bem como eles. A feirante, que vende um vaso de Rosas do deserto para uma mulher que parecia estar em estado Zen, ri e quase faz o sinal da cruz. A compradora e seu marido eram os únicos que ainda pareciam apresentar visíveis sinais de sensualidade e de virilidade. Num determinado momento ele rouba um ramalhete de uma planta qualquer e o enfia entre os cabelos dela, Ela dissimula, se emociona, lembra dos tempos e das noites pelos arredores do lago de Pushkar. Ah! a Índia! A maior de todas as fraudes! A propósito: na Inglaterra, aquele show infanto-juvenil e vergonhoso do entronamento de outro rei... (por que não aproveitam esse momento para sepultar de vez esses rituais patéticos, bizarros e cômicos da Idade Média?)

 No meio de sua 'viagem', ela se exibe dizendo que depois de amanhã viajará para Alexandria. Sabe tudo sobre o incêndio daquela que foi a mais famosa biblioteca do mundo. E a manhã transcorre longe do burburinho urbano. Um idiota passa em um automóvel gritando o nome de seu candidato. As flores exalam sua luxúria e seus venenos... Vão chegando outros casais da Terceira Idade. Todos iguais. Patéticos! Tropeçando em memórias e em utopias... Eles, ficando cada dia mais femininos, elas, cada dia mais masculinas... A morte das diferenças... sim, é a androginia... O túmulo daquelas noitadas de vadiagem, de gemidos, de travesseiros manchados por gotas de vinho...   O prenúncio da cerimônia do Adeus! As flores como mercadoria! O que diriam Marx e Engels? São os negócios! A mais valia! O valor de troca!  O chiado das cachoeiras artificiais... Hoje é sábado. Uma trepadeira se meteu em direção a um telhado de vidro e se enrolou por lá. Quem conseguiria mudar-lhe o rumo? Os velhinhos vão zanzando pelo meio daquele verdor, daquela exuberância e daquelas maravilhas, sempre sorridentes... precavidos, derrotados, simpáticos, vaselinas e com a vida (ilusoriamente) ganha.... As flores, a malandragem do far niente, a manhã que se vai... Deveriam ter sido alertados de que ontem já era tarde demais...
































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