terça-feira, 1 de junho de 2021

01/06/2021: Na CPI - Discurso imaginário da Dra Nise Yamaguchi...


Excelências!

Sou a dra Nise Hitomi Yamaguchi, nipo-brasileira.  Estou aqui por que os senhores me convidaram para falar de um suposto tratamento precoce administrado por mim a doentes da Covid 19 e para dar-lhes explicações sobre a também suposta idéia de alterar a bula da hidrocloroquina.

Confesso logo de cara que me envergonho de estar aqui para fins e para explicações tão primárias... e que gostaria imensamente de não ser informada, como é de praxe, que não posso mentir. Pois, se para uma pessoas qualquer essa advertência já é infame, para um profissional de saúde é insuportável. E muito mais ainda, quando essa advertência vem acompanhada por uma ameaça de prisão. Excelências, uma pessoa que muda a rota de seu pensamento por medo de ser presa, não é digna nem de estar viva... E se direi aqui só a verdade, não é por receio dos senhores, mas porque costumo fazê-lo até com meu Lhasa Apso.

Antes de tudo, em homenagem a meus ancestrais, gostaria de lembra-los que eles chegaram no Brasil pelo Porto de Santos, no dia 18 de junho de 1908, no navio Kasato Maru. Como os outros imigrantes, vieram com o sonho de "fazer a América".  Mas, como os senhores sabem, não tiveram uma boa receptividade. Muitos, sufocados pela rejeição racial e pela solidão fizeram o caminho de volta. As famílias Hitomi e Amaguchi resistiram e eu estou aqui.

Portanto, se a cloroquina é um pretexto para os senhores, o é também para mim.

Sim, orientei e propus, o uso emergencial experimental da cloroquina no meio de uma epidemia brutal que colocou o mundo inteiro de joelhos. Mas não o fiz por ignorância ou por submissão a alguém. E tampouco acreditando que ela pudesse deter um vírus. Fiz por mim, por minha consciência, pelos pacientes. Sou médica oncologista e conheço os misteriosos caminhos da imunologia. Acompanhei centenas de pessoas hospitalizadas, em momentos terminais e sei que para confortar mesmo que momentaneamente um paciente desesperado, nesse instante brutal e absurdo da morte, até um grão de arroz colorido pode ser melhor do que um silêncio covarde e cretino... A propósito, qual teria sido vossa sugestão ao ver um de seus familiares agonizando? Arriscar um placebo ou endereça-lo de uma vez para o além? Placebos! Serendipia. Já ouviram falar? Não sei se os senhores sabem, mas a grande maioria dos medicamentos foi descoberta acidentalmente e por acaso. A insulina, por exemplo, foi descoberta graças às moscas que se lançaram sedentas sobre o pâncreas de um cachorro que estava sendo operado... Serendipia! Além disso, a maioria das doenças têm um fundo emocional que pode ser até mais fatal que as puramente somáticas... Daí, inclusive, minha luta para incluir no curriculum das faculdades de medicina, durante toda a formação médica, a cadeira de psicologia clínica e de psicanálise. Mas essa é outra história. Sobre o mito a respeito da alteração da bula da cloroquina, até as paredes já se escandalizam ao ouvir essa história. Data vênia, excelências, mas creio que a proibição de mentir deveria valer para os dois lados... Apesar de que, mesmo sem alterar bula alguma, muitos medicamentos que inclusive são de uso continuo entre os senhores, estão sendo recomendados e usados para um determinado fim que não está lá em suas recomendações. Pensem na aspirina.  A simples história da aspirina, sua trajetória pelo mundo poderia ter até impedido que os senhores tivessem se incomodado com minha convocação... Estamos, médica-social e psiquicamente, muito atrasados. Muitos bilhões que supostamente eram destinados para pesquisas médicas e sociais, acabaram sendo gastos em boutiques, hotéis e restaurantes de luxo em paris, em Londres e até em mesmo Tóquio... Ou estou enganada? Qualquer um que preste atenção vê, com angústia, que a roda da história e da existência está girando para trás...

Portanto, estou a vossa disposição. Sei que vossa intenção não é esclarecer nada com relação aos erros e acertos que se cometeu no transcorrer da epidemia e nem com os 460 mil mortos, pois se esta fosse vossa intenção, não teriam permitido que nesta semana a policia de Pernambuco tivesse atirado no rosto e nos olhos de dois sujeitos desarmados e aparentemente inocentes. Não é verdade?

Sei que querem usar-me para, a todo custo derrubar o atual presidente da república, atribuindo a ele a responsabilidade pelo mortandade epidêmica. Tudo bem. Não votei e não voto!  Mas, a propósito, quem dos senhores estaria apto a ocupar o lugar dele e com dignidade, evidentemente.? E depois, é curiosa essa obsessão, uma vez que os senhores haviam convivido com ele durante uns trinta anos aqui neste parlamento e sabiam ou deveriam saber que ele não possuia perfil para administrar a contento nem mesmo um clube de campo do Rotary, do Lions ou de outra das surrealistas e "secretas" confrarias que existem em vossos estados. Além disso, quem elegeu a ele e aos três ou quatro que o antecederam, foram as mesmas massas, o mesmo populacho prosélito e correligionário que vossas excelências mantém há décadas de quatro, como escravos, a pão e água e vivendo na penúria sobre palafitas, preocupados unicamente com a vigência de seus títulos eleitorais. Ou não? Gente em cujas casas nunca passou um lápis, um caderno ou um livro a não ser aquele que todos os senhores também conhecem e que pode até ser mais iatrogênico que a cloroquina... Ah, excelências, quantas décadas serão necessárias ainda para arrancar essa gente do abismo e da cegueira em que se encontram? E saber que para essa doença as farmácias ainda não dispõem de remédio algum...

Enfim, por pura curiosidade, no meio do caos e nas loucuras desses quase dois anos, com o governo desnorteado, sem bússola e perdido sobre si mesmo, quem dos senhores, foi até ele com um plano ou um projeto revolucionário para indicar outro rumo e tentar interromper a mortandade? 

Quem dos senhores, vendo a epidemia devastando países até mais organizados que o nosso, vendo as fossas coletivas de Nova Iorque, os cemitérios lotados de Londres e da Itália, e sabendo da ficção que são nossos hospitais públicos, quem dos senhores atravessou a rua para ir prestar algum tipo de esclarecimento ao "capitão genocida"? Ninguém! Os senhores, que têm um Plano de Saúde que cobre até um ano de UTI nos mais caros hospitais do país para si e para seus familiares, não souberam ou não quiseram salvar nem mesmo o SUS de vossos estados. E eu os conheço a todos em detalhes. Apesar dos cacarejos de alguns ilusionistas, estão todos aos pedaços... Aliás, duvido que a grande maioria deles, neste momento, disponha, de álcool em gel, de máscaras e de papel higiênico e nem só para os pacientes, mas até mesmo para os profissionais de saúde.

Lamento, senhores. Lamento excelências!

Mas essas 460 mil mortes registradas demagogicamente ali sobre vossas mesas, são de responsabilidade também de todos vós...


 

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EM TEMPO: (22:48) O interrogatório com a Dra Nise, quem o assistiu pode confirmar, foi um massacre desleal e covarde, um despudor nunca visto. Os senhores senadores se comportaram com a médica, como um bando de policialecos chapados de periferia. Ignorantes, agressivos, cínicos, vingativos, mal educados, desrespeitosos e sem capacidade de indagar, de ouvir e nem de entender. Foi um horror! Duvido que quem assistiu de casa, não tenha se coberto de vergonha. Inadmissível! Um show de cretinos. Fantoches ensaiando o papel de investigadores. E até as milícias femininas presentes assistiam a desmoralização da doutora em silêncio! Mas o descalabro maior foi quando um senador que também é médico, não contendo seus impulsos tentou desmoralizar mais objetivamente a entrevistada com duas ou três perguntas, perguntas daquelas - segundo ele próprio - de segundo grau, ensaiadas em casa e no estilo do professorzinho de província quando quer se vingar e prejudicar um aluno.  Ah!, - me dizia o Mendigo K - nada é mais triste e melancólico do que identificar num sujeito subdesenvolvido o esforço para parecer erudito...

A senhora sabe qual é a diferença entre um vírus e um  protozoário?

 Perguntou várias vezes e de forma maligna o nobre e sábio senador. E insistiu, diante do silêncio abrumador e abominável daquele momento, naquele lugar, para em seguida, acusa-la de não saber nada. Ela o olhava, não sei se com a furia contida de um samurai ou com a compaixão de quem está acostumada a lidar com casos terminais. Ficou em silêncio, perdendo a oportunidade de responder-lhe: Excelência, a diferença é a mesma que existe entre um fio de sobrancelha e um pentelho! 

Foi um horror aviltante e vexatório. E os outros três ou quatro médicos que estavam lá, ficaram mudos, calados, humilhados e cumpliciados com essa estupidez, como se também sentissem naquela miséria algum tipo perverso de gozo. Curiosamente, o mesmo senador que cometia essa infâmia hoje, com a Dra Nise, insistindo em querer saber qual era a diferença entre um protozoário e um vírus, já havia feito a mesma encenação e a mesma pergunta numa sessão da semana passada, com outra médica depoente e que também (por coincidência) havia exibido um curriculum espetacular. Seria esta a questão? Algum tipo de curriculum pode fazer mal? Desqualificar uma colega de profissão e em seguida retirar-se do ambiente para não retornar. Qual é o sentido e a mensagem desse comportamento? Desse modus-operandi? E trata-se de um senhor com quase oitenta anos! Misoginia? Algum conflito com a vulva? Que tipo de fantasia deveria estar lhe ocorrendo? Repito: foi um horror. Mas este foi apenas o detalhe de um horror generalizado...  Eu assistia enquanto pensava: "labregos enriquecidos que trocaram os tamancos pelos sapatos, mas que se sentem mais à vontade de tamancos..."


Que o país assista e tolere essa barbárie em silêncio é um horror e uma vergonha ainda maior. 

De onde nos vem essa necessidade de puxar os outros para baixo e de jogar a si próprio no abismo? Essa compulsão por auto-destruir-se? Povera gente!!!


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