sábado, 19 de junho de 2021

E o Lázaro?


"Aquele a quem não se consegue ensinar a voar, ensina-se a cair mais depressa..."

F. Nietzsche  


Hoje, sábado, décimo primeiro dia da caçada ao Lázaro, os mendigos reunidos no Parque da Cidade estavam eufóricos, uns relatando aos outros os mitos que estão sendo construídos ao redor desse foragido que está dando um baile na Justiça e que já mobilizou todas as forças policialescas do DF e de Goiás. Dizem que veio da Bahia para cá a pé, e pelo meio da mata. Que tem poderes sobrenaturais; que se guia geograficamente pelas estrelas, como os gatos;  que pode aparecer e desaparecer em segundos num ou noutro lado dos córregos; que pode fazer as armas da policia falharem; que tem deixado pedaços de velas enfeitiçadas ardendo junto aos imensos ipês amarelos. Que foi discípulo de Dona Dica. Que é um mago; um bruxo; um xamã. Que todos os animais o respeitam e o estão ajudando. Que pode transmutar-se num lobo guará ou numa Ema... Outros dizem que já voltou para a Bahia e que os granjeiros que dizem tê-lo visto são mitômanos que estão tendo visões  e alucinações. Outros delirantes dizem que o viram numa fila lá em Anápolis, esperando para tomar a Oxford Astrazênica... E os mendigos riam! Dizem que o caso saiu até na BBC de Londres, lá onde, no passado, para se divertirem, costumavam amarrar ursos em estacas e colocar sete ou oito cachorros para ataca-los.... 

E a mídia está eletrizada com o caso. Sabem que o número de assinantes aumenta com as tragédias. Não perde um lance e enfia um monte de repórteres e de propagandas no meio dos tiroteios e relata os avanços e recuos como se se tratasse de uma arruaça de bordel... Querem a todo custo registrar o ato final. Quem estaria atirando em quem, afinal? GPS, helicópteros, lanternas a lazer, cercas de arame. Cavalos elegantes e vacas encurraladas. Fuzis de última geração. A tropa fatigada. O fugitivo disposto ao juízo final... Deve saber que, como diria Cioran, a essência da vida reside no medo de morrer. Se esse medo desaparecesse, a vida perderia a razão de ser... A poeira. O isqueiro que já está sem querozene. O canto dos galos adiando a madrugada. Cheiro de milho verde. As famosas galinhadas de Goiás Velho. Os poemas de Cora Coralina no meio da balaiada...Os mosquitos da dengue, a lua, os ipês, as crianças espiando pelo vão das janelas... Cheiro de pólvora. Os hippies de Pirenópolis ligando seus baseados, olhando para o tédio dos nativos e pensando: Há entre nós uma diferença de vinte graus de latitude... Últimos dias de outono. Amanhã é domingo. Logo chegará o inverno e não apenas como metáfora. Ah! como foi negra a última primavera! Ao redor das casas o colóquio dos cachorros, como se adivinhassem que a vida é uma ficção! 

E o Lázaro? O Mendigo K lançou a hipótese dele, se não for fuzilado, vir a substituir o curandeiro Joao de Deus e que não faltarão lunáticos, gente com deformação poética para levantarem uma capela com seu nome, como levantaram uma para o Maradona lá em Buenos Aires. Imaginem daqui há dois mil anos - agregou a mulher de um dos mendigos, com um lenço vermelho de pura seda amarrado ao pescoço - o que dirão dessa epopéia e desse calvário... Sua foto será estampada em camisetas e será canonizado. Haverá o Dia de Lázaro! Será venerado e queimarão incenso em sua homenagem... (Porque, como se sabe, não foram poucos os bandidos, os dementes, os místicos e os trambiqueiros que vieram sendo canonizados e idolatrados ao longo da história!)


 



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