quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Vamos dar uma? Trepadas que viraram caminhadas...


Num passado recente, quando ligava para minha companheira para lhe propor: Vamos dar uma! Ela respondia prontamente: Opa, vamos! Quem leva o champanhe hoje é você. Mas aonde? Na tua casa, na minha, nas montanhas de Goiás Velho ou em outro lugar idílico?

Hoje, com essa porra de pandemia, com o confinamento de 8 meses e com esse fracasso generalizado da ciência e da política, quando lhe convido:Vamos dar uma! ela me retruca: Tudo bem. Mas no mesmo roteiro de 2 mil metros, de ontem; com a máscara da USP e quando o sol estiver mais fraco. Quem leva o álcool em gel é você... 

Caralho! Que furada...





quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Na era do smartphone...e da vida em sursis...

 


Cinismos: - 1. E a noticia de que o STF teria solicitado à FIOCRUZ uma reserva especial de vacinas para os ilustres ministros? 
2. E os camelôs do Rio de Janeiro, que estariam vendendo a vacina por 50 reais, ou por 60, já aplicada? Que tal? Quem disse que a epidemia é o pior dos males?

3. Nestas vésperas do Natal, meu telefone não para de tocar.  É a Oi, a TIM, a Claro e a Net me falando de fibra ótica e do 5 G (no início até pensava tratar-se do Ponto G); é uma farmácia que diz estar com Viagra em promoção; uma casa que faz contrabando de charutos cubanos; uma distribuidora de Vermouth de Milão (1760) e que diz ainda usar a formula com  absinto e outras ervas, inventada por Hipocrates; mulheres que dizem que me conheceram num saco de dormir em baixo de uma mesa num navio que ia da ilha de Patmos para a Turquia; gente procurando por um tal Espedito e por uma tal Elisangela... E são ligações vindas de todo o país. Bloqueio um telefone do Amazonas e voltam a me fazer a mesma pergunta de São Paulo. Elisangela? Sim, ah!, a Elisangela sou eu!, respondi na última vez que me ligaram. Mas e essa voz de macho? Me indagaram do outro lado da linha. Ah, respondi, é que eu era Elisangela, mas, agora virei homem... Numa outra vez, digo que a Elisangela ingressou na congregação dos Cartuxos de Parma ao mesmo tempo em que gerencia um bordel na periferia de Brasília... Mas não se rendem e voltam a me ligar... Sobre o Espedito, digo que deixou de ser engraxate e que agora é fabricante de harpas no Paraguay, mas que, de vez em quando, pilota os submarinos lotados de cocaína que vão de Bogotá à Ibiza... No outro dia, as ligações se repetem... Ninguém toma providencias?...

Agora.., a ligação mais curiosa foi a de hoje, quando eu tomava uns tragos de vermouth, ouvia uma música do Pink Floyd e me iludia de ainda estar com uns 28 anos. Numa ligação vinda de Minas Gerais, uma moça gentil e até sedutora, foi logo me garantindo: depois desta ligação sua vida vai ser outra, e passou a oferecer-me um plano funerário.

Confesso que com aquele fundo musical, esta foi a experiência escatológica mais surrealista de 2020... 

Procurei entrar em detalhes sobre a roupa mortuária que eles ofereciam, sobre a marca do forno crematório e o destino das cinzas, mas ela não dominava bem estes assuntos. Disse-lhe, por fim, que era muçulmano e que, para manter a tradição, queria ser cremado pelado. Ao que ela respondeu: Ah, Dr., então não vai dar certo, pois o dono da funerária é judeu e exige que o morto esteja sempre com aqueles chapéus pretos e com aquelas tranças enroladas nas orelhas... Sabe como é..?

 Aproximei o telefone da caixa de som no exato momento em que um daqueles bobalhões do Pink Floyd dava uma sinistra gargalhada. Ela desligou...

Sinceramente: a vida é ou não é, um circo?, um picadeiro em franca decadência?

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Prenderam o Crivela... É tudo o que um pregador ou um político precisa para ser santificado e canonizado pelo populacho...


Eu, que abomino todo e qualquer tipo de prisão, cadeia, penitenciária, presídio e etc., quando assisti a cena do Crivela sendo conduzido para a cadeia, instintivamente, voltei a ler o Velho Testamento. Já leu? Ah!, precisa ler! Quem ler o Velho Testamento entenderá de imediato a essência de toda a putaria e de toda a loucura vigente. E, além disso, descobrirá que um dos filhos de Noé se chamava Cão... e que para dizer: tenha relação sexual com ela, se dizia: entra a ela.

Uma curiosidade: no livro Políticas de Saúde mental no Brasil, página 21, um dos autores escreve: "Numa passagem do Velho Testamento (Salmo 34) Davi, ao contemplar um demente sendo ridicularizado por crianças na rua, interpela Deus: <Senhor do universo, que vantagem pode ter o mundo na loucura? Quando um homem erra pelo mercado, rasga suas vestimentas e sofre a zombaria das crianças, seria isto belo aos teus olhos?".

Aproveitando o dia chuvoso, vasculhei todos os Salmos do velho livro semita e não encontrei tal interpelação. O autor teria se equivocado?, ou procurei mal?

Enfim, pelo que tudo indica, o Crivela passará a noite natalina na tramela e atrás das grades. Terá oportunidade de repetir lá, as idiotices de Jó e até de catequizar outros prisioneiros.

E, se no Rio de Janeiro, as coisas continuarem como nos últimos tempos, não é impossível imaginar que, uma hora dessas, até o Cristo Redentor tenha as contas, os bolsos e as senhas investigadas, venha a ser acusado de conivência com a roubalheira e com a prevaricação generalizada, arrancado do alto daquele petit Himalaia carioca e jogado nos porões do Bangu IV...

E la nave va...



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terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Júpiter e os anéis de Saturno...


 Numa excitação bem mais religiosa do que astrofisica, os terráqueos do planeta inteiro, soterrados por milhões de anos de abandono e de solidão, com suas câmeras, vidrinhos de álcool em gel e patuás, foram às montanhas, aos desertos, aos terrenos baldios e à cobertura dos prédios para tentar assistir a aproximação de Jupiter (o deus dos raios e das tempestades), com Saturno este, uma divindade mais delicada e ligada ao tempo.
Os astrólogos ainda estão em surto. Vi um, em seu babydoll rendado, monologando, por aí, na escuridão... 
E eles (os astros), indiferentes a esse frenético e patético espetáculo humano (demasiadamente humano), seguiram sua tediosa rotina pelas veredas de um céu deserto... 

sábado, 19 de dezembro de 2020

MAMOLATRIA: e o deputado paulista, que apalpou as tetas da colega...




 
A temática de hoje, aí pelos botecos, é o affair do deputado paulista que em plena sessão ordinária, apalpou as tetas de uma colega parlamentar.

O Mendigo K que tomava um capuchinho com um corneto de chocolate, ali na cafeteria do italiano, estava excitado com o assunto e dava uma espécie de aula para duas ou três mendigas que o acompanhavam. Dizia: Há uma espécie de mamolatria no mundo. E não só entre os homens, as mulheres também são loucas por tetas. A origem disso está lá no período da amamentação. Para a criança, dos dois sexos, o mundo está representado nas tetas da mãe, que lhes garante prazer oral e epidérmico, além de sobrevivência. O primeiro e mais potente amor da criança é por aquele corpo... Impossível livrar-se disso nas décadas subsequentes e mesmo por toda a vida... (mesmo que a mãe tenha sido uma megera). Se não mamou, porque não mamou. Se mamou até aos cinco anos, porque mamou demais, ficou quase viciado e dependente. Me entende?

Portanto, seja um adolescente, um marmanjo ou mesmo um velhote qualquer, passa a vida inteira espiando para dentro das blusas das mulheres e, na primeira vacilada, regridem. Querem voltar a mamar... Nos EEUU e outros países hipócritas e moralistas, o simples gesto de olhar inebriadamente para as tetas de alguém, na rua, ou em qualquer lugar, é praticamente um crime. O gesto daquele idiota lá na Câmara de SP, observem, foi um gesto típico de uma criança solicitando a teta. Não se contentam em mamar a vida inteira nas tetas do Estado...

As mendigas o ouviam atentamente e pareciam concordar com suas teses, apesar de manifestarem pelo tal deputado, um radical desprezo. Um porco faminto! resmungavam.

Ele fez um silêncio e arrematou: O que mais me intriga nesses relatos de assédios, é o fato das mulheres, imediatamente depois do ocorrido,  declararem que se sentiram sujas. Sujas? Qual é a lógica desse sentimento? Qual é o sentido disso? Trata-se de uma sujeira moral? Seria uma manifestação religiosa? Um conflito meio esquizoide com o corpo?

... Pediu mais um capuchinho e retirou da mochila dois livros que pretendia terminar de ler neste sábado: Maternidad y sexo, de Marie Langer e Le corps couché, de Roland Barthes...



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sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Bolsonaro, a vacina, os jacarés e Guimarães Rosa...



Ninguém, sóbrio, se atreveria a negar que o Bolsonaro está cada dia mais exótico. Começo a acreditar que o faz, não apenas pelo poder exagerado que o cargo lhe garante mas, principalmente, para ver o estrago que suas bravatas causam nas seitas e nos terrenos inimigos. Costuma ilustrar suas falas sempre com personagens advindos de um bestiário tropical, dando sempre prioridade aos veados mas.., desta vez.., sabe-se lá por quê, num discurso no território do Gregorio de Mattos, valeu-se do jacaré. Meio em broma, meio em sério, levantou a hipótese de que as vacinas (para barrar o vírus planetário), poderiam vir a fazer crescer barba nas mulheres, afinar a voz dos machos ... e até a transformar o vacinado num jacaré. E os baianos da platéia, cheios de fervor, levantavam os braços e aplaudiam... Tristes trópicos! Surrealismo igual, convenhamos, não se viu nem nos discursos de NERO ou do IDI AMIN.

Quando ouvi essa história, além de concluir que estamos literalmente perdidos, pensei no diplomata Guimarães Rosa, o autor da xaropada Sertões e Veredas que, certo dia, num artigo no jornal O GLOBO, confessou que 'por amar os grandes rios, tão profundos como a alma humana' gostaria de ser um crocodilo e viver no Rio São Francisco... (a propósito, me lembra o Mendigo K: a diplomacia é exatamente isso)

Enfim, se ainda estivesse vivo, agora teria chances...

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No momento em que colocava  o ponto final neste texto, ouvi os gritos do vendedor de pamonhas, lá em baixo.

- Olha a Pamonha!

- Olha a pamonha de sal e doce!

- Olha o bolo de fubá!

Meio de saco cheio eu ia tendo a impressão de ouvir:

-Olha a vacina da Pfizer! Olha a de Oxford! Olha a da China! Olha a dos EEUU! Novidade: em  doses únicas! Ou em duas doses! em quatro doses! Tome sem medo,.. nenhum risco de voltar a ser um réptil...

- Olha a coronavac!..

Feliz ano novo!

Feliz Natal!

Olha o bolo de fubá...

Vai uma  pamonha aí?


terça-feira, 15 de dezembro de 2020

O coronavívus e o papai noel...

"Eu fodo a sociedade, mas ela me retribui amplamente"

(Rabiscado  nos muros de paris. 1968)



A cidade e o país inteiro, apesar do vírus, já entra descaradamente no surto natalino. Essa festa engendrada pela solidão dos padres e pela usura dos comerciantes, sob o pretexto esdrúxulo de homenagear o nascimento de Cristo, nascido há dois mil anos, lá pelos lados da Faixa de Gaza. Já pensaram como seria se Cristo tivesse um ou dois irmão gêmeos? Já pensaram como seria se Cristo resolvesse voltar e dar de cara com a idiotice generalizada do planeta? Com os presídios lotados? Lembram que os deuses gregos, quando vinham dar uma volta por aqui, vinham disfarçados de bichos? Vergonha? 

A cidade já está cheia de indigentes vindos de todo o país. Até eles caíram nessa balela e andam por aí fantasiados de Coca Cola, em busca de um presente. Presente? O que é que tem a ver o cu com as cuecas?

E seguem iludindo as crianças.. Até os doutores da psicologia e da antropologia continuam pregando que é importante manter a ilusão das crianças. Essa ilusão que, como uma elergia, acompanhará o sujeito até a senectude. Aliás, existe algo  mais ridículo do que um velhinho ou uma velhinha excitada com o pinheirinho de natal? Com os animais da manjedoura? Com a presença desses desempregados que se fantasiam de Coca Cola, ficam sarreando as crianças e cacarejando Ho... Ho... Ho...?

Muita pobreza! Muita mediocridade! Ninguém mais tem vergonha na cara! E depois, não sabem como é que o mundo ainda está nessa merda toda. Não entendem por que os funcionários públicos precisam de seis meses para mudar uma mesa de lugar... Como o INSS precisa de anos para tomar uma decisão que só exigiria quinze minutos de bom senso... Como a Anvisa precisa de 72 horas para dizer um sim ou um não...   Ora!, é ainda o resultado do Papai Noel! Da noite de Natal! Da arvorezinha de plástico com as luzes chinesas piscando! Do peru coberto por lascas de abacaxi... Do leitão ao forno, do espumante vagabundo e do pudim (pró diabéticos...) Uma vergonha! Um horror! E todo mundo está angustiado com o confinamento. A família. A Sagrada Família! A pequena burguesia e mesmo o lupemproletariado estrebucha... Como passar mais essa noite sem estar nos braços da família? se interrogam, quase em pranto. Todo mundo diz querer ir abraçar a família. Mesmo sabendo que se a noite de natal tivesse trinta horas, os desastres e os crimes triplicariam no país. E o Ano Novo? Que de novo só tem as dívidas... Tudo balela de sujeitos sem eixo. Solitários inveterados. Cultuadores de mentiras históricas. Gente que não cresce! Bobalhões que vão do iogurte à cocaína; da esquerda para a direita ou vice-versa e do catolicismo ao hinduísmo num piscar de olhos...  Enfim, imaginem como seria se Maria, ao invés de um parto normal, tivesse tido trigêmeos...





segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Dia de faxina...



"Fui a Paris estudar a história das desgraças da humanidade, a história do progresso..."

Máximo Gorki


Dia de faxina! Tenho escolhido as segundas-feiras para dar uma geral na casa. Ter o que fazer nesse dia me dá a ilusão de que alguma coisa ainda está acontecendo no mundo... O vaso, o varal, as vidraças, a lombada dos livros, as torneiras, as fronhas, a lâmpada no interior do abat-jour... a partitura de Serenada (Schubert). A poeira está em todos os lugares, até na voluta e na alma de meu violino. Passei quase uma hora para instalar o lençol de elástico em minha cama. Instalava de um lado, saltava do outro. Puxava aqui, saltava ali. E isto, que vou fazer 71 amanhã! Que passei por várias universidades e que vivo cercado de dicionários, ensaios, manuais e Vade Mecuns existenciais e etc.... E como é que um homem que não consegue colocar um desses malditos lençóis de elástico na cama, tem moral para exigir que os burocratas do Ministério da Saúde apresentem um PLANO de VACINAÇÃO para o rebanho?  Por falar em vacina, ontem à tarde, quase anoitecendo, passou lá em baixo o vendedor de pamonha e de bolo de milho. Ia, naturalmente gritando: Olha a pamonha! Olha o bolo de milho! Olha pamonha doce! Olha a pamonha salgada!... Só que eu, meio distraído, ia ouvindo: Olha a Astra Zênica! Olha a de Oxford! Olha a vacina chinesa! Olha a vacina do Biden... Olha a vacina do Bill Gates... A do Butantam... A da Fiocruz... Olha a da Pfizer... Olha a vacina do Putin...  A do Dória... 

E atenção, - ia gritando com uma voz já sem muita testosterona -: Primeiro os velhos, depois os menos velhos, depois os professores e os presidiários...

Por ironia, olhando para as janelas e para as varandas, ele repetia cínico e com ênfase: depois os professores e os presidiários...

Estaria insinuando algo que compromete a pedagogia?




domingo, 6 de dezembro de 2020

Dilúvio: Eu, de boa vontade, teria colocado um torpedo debaixo da arca...



Eu, conservador? Oh, não!

Sou o mesmo durante toda a minha vida!

Não me agrada deslocar os peões, mas baralhar o jogo todo eu gostaria.


Só me recorda uma revolução,

Foi mais sensata do que as outras

E poderia ter destruído tudo.

Penso evidentemente no Dilúvio Universal.


Contudo, nessa, porém, o diabo foi logrado!

Noé, como sabemos tornou-se ditador.

Oh, se se pudesse fazê-lo mais honestamente

Não me recusaria a auxiliar-vos;

Vós preocupai-vos tanto com o Dilúvio Universal!

Eu de boa vontade poria um torpedo debaixo da arca!

(Verso de H. Ibsen, citado por Máximo Gorki em: Minhas universidades).


sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

A vacina e a casta dos promotores... A India é aqui...


[... e também por este angustioso desejo que sentem os déspotas, de se ouvirem injuriar, como os vencedores romanos, em plena apoteose...] Fialho D'Almeida (IN: Vida irônica)

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Sexta-feira, 04 de dezembro. Muita gente ainda amanheceu escandalizada com a proposta de um grupo de promotores de São Paulo, querendo prioridade de vacinação. Reivindicavam o direito de  serem vacinados em primeiro lugar. Tudo bem... É compreensível. Como ficar indiferente ao exótico movimento dos hospitais e dos cemitérios..? Sabemos que o confinamento faz emergir todo tipo de transtornos de personalidade. E que a idéia de vir-a-morrer é ridícula e estúpida, principalmente para eles que, num país com 80% da população vivendo no limite, vivem uma realidade à parte.  Em outras palavras, é o misticismo das castas ou a tal luta de classes que os apóstolos de Krishna e de Marx não se cansam de bradar. A India é aqui!

Estando na padaria da esquina ouvindo o Mendigo K relatando suas costumeiras bravatas, surgiram duas senhoras discretas e decentes. Passavam de mesa em mesa recolhendo assinaturas numa espécie de Abaixo assinado. Pensei que se tratasse de moradoras aqui dos arredores buscando ajuda para suas delirantes filantropias. Mas não. O Mendigo K que diz conhecê-las de longa data, depois de cumprimentá-las e ler o tal Abaixo-assinado, me confidenciou que são  de um puteiro improvisado que há nas proximidades e que estavam, como os promotores de São Paulo, reivindicando e justificando que deveriam ser elas as primeiras a tomar a vacina antes de qualquer outro grupo. Diziam: a prioridade deveria ser para nós, nós que trabalhamos na rua, todas as noites, que prestamos serviços vaginais, anais, bucais, manuais e até psicológicos a gente de todos os tipos. A jovens alucinados, a velhos caquéticos, a operários, a licenciados, a mulheres e até a alguns pets...

Pensei logo na luta de classes e nas castas. Nos burgueses, nos proletários e no lupemproletariado... Enfim, em todos os Condenados da terra...






quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

O fiasco das eleições...


"Porque, meu amigo, quando um  Jeová tem apenas contra si um Satanás, tira-se bem de dificuldades mandando carregar mais uma legião de arcanjos; mas quando o inimigo é um homem, armado de uma pena de pato e de um caderno de papel branco - está perdido..."

Eça de Queiroz

 

O país finge respirar aliviado com o término das eleições, como se realmente tivesse acontecido alguma coisa transcendente; alguma espécie de epifania, de ressurreição da dignidade, do progresso, da ordem, da democracia, da auto-estima, da soberania, da esperança, da inteligência... E os responsáveis por esse teatro confessam estarem satisfeitos, bem satisfeitos, mesmo com os quase 40% do rebanho que disse NÃO e se negou a fazer parte dessa puerilidade política. 

Agora, os municípios têm lá suas autoridades, seus gerentes, provedores  administradores. Duvido que 98% dos eleitos tenham lido mais de um livro na vida.. E o problema disso, é que como dizia o falastrão Monteiro Lobato, quem não lê, mal fala, mal ouve e mal vê. O que pode fazer de respeitável, um sujeito, cuja personalidade, caráter e imaginário, foram construídos apenas com conceitos, mitos e postulados da sub-cultura oral? Como é possível dar uma procuração em branco para um sujeito desses?

Mas... como os eleitores também nunca leram nada, fica tudo por isso mesmo. Não é verdade? Churrascos, costelas de porco com cachaça, missas, obesidade, inaugurações, batismos, futebol, discussões entre palhaços, funerais, festas de fim de ano e as futuras eleições.

No Rio de Janeiro, por exemplo, elegeram novamente um sujeito que já foi prefeito duas vezes. Será que gostam daquele miserere todo? Claro, não havia outro! E em São Paulo, continua na cadeira magistral, um sujeito que nos tais "debates" não deu um pio sobre a cloaca que é o Rio Tietê. Será que a população está viciada naquele chorume? Será que adora ver aquela espuma sanguinolenta e fétida passando pelo fundo das mansões? Mistérios. Vitória da esquerda? da Direita? Dos ambidestros? Não sejam idiotas, toda essa gente fuma no mesmo cachimbo. Duvido que alguém me aponte uma diferença significativa entre os energúmenos de um bando e os de outro. E não demorará muito para que tenhamos eleições também para definir se a igreja predominante deverá ser a católica ou a evangélica. Se a Bíblia deverá ser a dos Mórmons, a de Lutero, a dos espíritas ou a dos padres. Clichês, ladaínhas, palavreado fútil e viciado, disputas familiares, feudos... um horror... Um rebaixamento social. 

Se a coisa continuar assim, num futuro próximo, estejam certos, voltaremos a viver na copa das árvores...

segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Eça de Queiroz e Ti-Chin-Fú...Se você também já não aguenta mais ficar em casa coçando o saco ou a vulva... Leia O Mandarim, de Eça de Queiroz. Uma maravilha!

"A oração e o reino dos céus... uma consolação fictícia que os que possuem tudo inventaram para contentar os que não possuem nada... Eu pertenço à burguesia; e sei que ela mostra à plebe desprovida um paraíso distante, gozos inefáveis a alcançar, para lhe afastar a atenção dos seus cofres repletos e da abundância das suas searas..."



domingo, 29 de novembro de 2020

A praga emocional...

Ilustração: Maurice Henry

"Os adultos, independentemente de sua vontade, exercem repressão sexual sobre seus filhinhos, porque vivem sua própria sexualidade de maneira reprimida...(...) Desde o princípio da vida até a universidade, os indivíduos não têm contato com nenhum tipo de educação sexual o que, já é uma forma de educar sexualmente, isto é, uma maneira de educar para a ausência de sexualidade, uma forma de educar para a negação sexual, uma forma de viver a sexualidade como algo alheio, distante e místico..."

W. Reich


E o  caso do senador e da modelo, em são Paulo, que está sendo tratado como estupro, continua... não mais no hotel (evidentemente), mas na policia, nos tribunais e nas sacristias. 

Independente do que tenha acontecido entre o casal, é importante perceber que, no fundo, na essência desse patrulhamento doentio e psicopatológico, está a repressão sexual. E que, na verdade, o estupro pode estar sendo usado apenas como um pretexto para criminalizar o desejo e a sexualidade, já que a sociedade ainda não os suporta. Qual é o problema que pode existir na relação amorosa entre duas pessoas que passaram o dia inteiro juntas, se excitando mutuamente e que depois, na hora fascinante do crepúsculo, sem a autorização de um padreco ou de um juizeco, se recolhem para gozar? 

Gozar! Por que será  que esse pormenor da existência nunca conseguiu ser digerido pelo rebanho? 

Qual é o problema? 

Coisas de libertinos? 

Coisas de putas? 

Mas, e qual é o problema com os libertinos e com a putas? 

Se não tivesse sido por um ato de libertinagem de nossos pais, nós nem sequer teríamos nascido e nem estaríamos aqui! Quê imbecilidade é essa? Sem falar, inclusive, que o libertino pode até estar apaixonado. Apaixonado como aquele personagem de Gorki, em "Pequenos Burgueses", por duas virgens e por uma mulher casada ao mesmo tempo...

E era exatamente a isso que Reich denominava: A praga emocional:  (a expressão Praga Emocional não tem conotação difamatória alguma. Não se refere a algo consciente, à degeneração moral ou biológica, à imoralidade, etc. A praga emocional assume dimensões de uma pandemia, na forma de uma gigantesca irrupção de sadismo e criminalidade, tal como foi a inquisição católica da Idade Média e do fascismo internacional de nossos dias).

Qual é o problema que duas pessoas, se envolvam sexualmente, mesmo que seja apenas por uma única vez, depois de uns tragos, de uns baseados, de uma garrafa de vinho, de uma aula de antropologia, ou até mesmo de um iogurte de coco? Ocultos por detrás do abominável "estupro" e da burocrática "relação consentida", está o pai e a mãe castradores e moralistas: ele impotente e ela frígida. Depois de passar a infância e a adolescência ouvindo a mãe recomendando: feche as pernas! Tire as mãos daí! Desse jeito vai crescer e ir para um puteiro! Os homens são todos uns cachorros e uns porcos! etc, etc;  Depois de crescer ouvindo as ameaças de um pai brutamonte que jurava assassinar aquele que a "desrespeitasse"; de uma tia beata que, na igreja ou na escola associava sexo com coisas do demônio... como querer que uma moça de 22 anos consiga ter uma relação sexual livre, com soberania e por puro prazer, sem, durante o ato, voltar a sentir a angústia de todas aquelas ameaças e sem sentir-se uma puta? 

Impossível.

Por isso, é bom que a policia, os juízes e outros substitutos da mãe, do pai e da tia, saibam que essas acusações de estupro, podem não ser estupro, mas simples surtos regressivos dos envolvidos, "prestações de contas" aos primeiros tutores e repressores lá da infância e à moralidade vigente.

Ou, do contrário, logo logo, todos nós, como gostariam as feministas, seremos diagnosticados e acusados de estupradores... 

O silêncio dos apóstolos da psicologia, da psicanálise e da psiquiatria sobre estes repetidos casos, constitui uma descarada e abominável conivência com os leigos e vingativos gerentes dos órgãos de repressão...



quinta-feira, 26 de novembro de 2020

A morte do Maradona, entre parabolas, metáforas, superstições e cantos gregorianos... (O mundo é um circo!)


A morte do Maradona roubou a cena e eclipsou a tragédia das quase cinquenta costureiras que morreram ontem, nas estradas de São Paulo. O motivo? Sempre o mesmoMas eram apenas costureiras!.., sendo levadas para o trabalho e no mesmo esquema dos bóias-frias dos anos 70, que eram transportados como gado para as fazendas... E que caíam daqueles caminhões sucateados por estradas ainda piores que as de hoje e que iam de um cafezal e de um canavial a outro, sempre pilotados por motoristas bebuns e improvisados que também eram recrutados no hall dos botecos. Morriam anonimamente como moscas a ponto dos jornais nem mais noticiarem suas mortes. O que é um bóia-fria? O que é uma  costureira?

E o Pelé, que declarou que ainda vai jogar uma pelada com Maradona no céu? Tudo bem, a liberdade de expressão e de crença é sagrada, pode ser apenas uma metáfora, uma força de expressão, uma parábola, mas o que é que leva um homem de 80 anos a valer-se de uma fantasia primária  dessas, na qual nem mais as crianças de 6 anos e suas bonecas acreditam? 

E todo mundo só pensa na chegada do tal 5 G. Todo mundo tem pressa. (Seria pressa em acabar?) Já pensou "baixar um filme em menos de meio minuto!" exclamam os energúmenos. Agora só falta decidir se ficaremos de quatro para a China ou para os EEUU. Se preferimos ser enrabados por um comunismo ou por um capitalismo selvagem... Que miséria! 



quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Mientras...

[A morte é a destruição violenta do erro fundamental de nosso ser, 
o grande desengano...]
A. Schopenhauer 


 



A cada novo crime de racismo, a leitura de Frantz Fanon se faz mais necessária... Quando é que se vai incluí-la nas escolas de Primeiro Grau?



"Não sou prisioneiro da história. Não  tenho que buscar nela o sentido de meu destino. Tenho que lembrar a todo momento que o verdadeiro salto consiste em introduzir a invenção na existência."

"Oh, meu corpo, 

faça de mim um homem que sempre questiona!"

F. F

PELE NEGRA/MÁSCARAS BRANCAS

Prefácio 

(por Lewis R. Gordon)

"Houve uma época em que um professor universitário norte-americano que tentasse abordar a obra de Frantz Fanon em um ambiente acadêmico estaria sujeito a perder o emprego. Naqueles anos turbulentos das décadas de 1960 e 1970, a situação era diferente na América do Sul. No Chile, por exemplo, as idéias de Fanon estavam sendo ensinadas nas salas de aula, e uma leitura cuidadosa da Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire revela o quanto essa obra sofreu a influência de Fanon. Nos anos de 1990 era possível estudar Fanon e Freire em cursos como Teologia Política, Filosofia da Libertação e Pensamento Social e Político, e os estudiosos em todo o mundo estão agora compreendendo a relação entre Fanon e outros intelectuais brasileiros como Alberto Guerreiro Ramos e Abdias do Nascimento. Esta tradução de Peau noire, masques blancs não é, portanto, a primeira vez que Fanon será ouvido no mundo lusófono.

Fanon é mais conhecido como um revolucionário. Nascido na ilha da Martinica em 20 de julho de 1925, era um homem carismático de grande coragem e brilho, tendo lutado junto às forças de resistência no norte da África e na Europa durante a Segunda Guerra Mundial, ocasião em que foi por duas vezes condecorado por bravura. Após completar seus estudos em psiquiatria e filosofia na França, dirigiu o Departamento de Psiquiatria do Hospital Blida-Joinville na Argélia (hoje renomeado como Hospital Frantz Fanon) e tornou-se membro da Frente de Libertação Nacional da Argélia, entrando, assim, na lista de cidadãos procurados pela polícia em todo o território francês. Todo o resto de sua vida foi dedicado a esta batalha, enfatizando sua importância na luta para transformar as vidas dos condenados pelas instituições coloniais e racistas do mundo moderno. Fanon morreu de pneumonia em 6 de dezembro de 1961 em Bethesda, estado de Maryland, nos Estados Unidos, enquanto buscava tratamento para sua leucemia.

As idéias de Fanon estimularam obras influentes no pensamento político e social, na teoria da literatura, nos estudos culturais e na filosofia. Existem hoje centros, clínicas e hospitais fundados ou renomeados em sua memória, e, graças à Associação Filosófica Caribenha, a comunidade acadêmica outorga o Prêmio Frantz Fanon por Obras Excepcionais do Pensamento Caribenho. Existem quatro livros impressos sob sua autoria. Cada um deles é um clássico, marcando presença no cânone filosófico da Diáspora Africana. O mais conhecido dentre eles é Les damnés de la terre (Os condenados da terra, 1961), publicado postumamente e escrito durante um período de dez semanas, quando o autor já sofria de leucemia.Peau noire, masques blancs (1952) e L’an V de la révolution algérienne(1959), subseqüentemente lançado como Sociologie d’une révolution: l’an V de la révolution algérienne, foram publicados em vida. Sua esposa, Josie (Marie-Josèphe Dublé) Fanon, editou, também postumamente, uma antologia de seus escritos intitulada Pour la révolution africaine (1964).

O título Les damnés de la terre (Os condenados da terra) foi retirado de uma adaptação feita pelo poeta haitiano Jacques Rouman, em seu livro de poemas Bois-d’Ébène (1945), do primeiro verso da Internacional (1871) de Eugène Edine Pottier. A conexão com a Internacional, mediada pelas lutas dos negros no Caribe e na África, e com Jean-Paul Sartre, o mais famoso intelectual vivo na época e autor do prefácio da obra, fizeram com que o livro lançasse uma sombra sobre os outros escritos de Fanon por quase vinte anos. Só na década de 80, quando os estudos pós-coloniais conquistaram uma posição sólida no ambiente acadêmico do Primeiro Mundo, leituras mais cuidadosas das outras obras de Fanon começaram a aparecer nas publicações. Foi nos anos 90, entretanto, com a ascensão da filosofia da Diáspora Africana, que a riqueza teórica do “pensamento inicial” de Fanon obteve reconhecimento.

É estranho falar em pensamento “inicial”, em contraposição a “posterior”, quando nos referimos a um homem que morreu aos 36 anos de idade. Há um ditado do povo akan (na região do Golfo da Guiné) que ensina que os sábios já são sábios de nascença, não se transformam em sábios, referindo-se assim às pessoas que já nascem “velhas”. A outra dimensão desta observação é que tais pessoas morrem jovens. Mesmo quando elas vivem quase um século, como no caso de W.E.B. Du Bois, suas idéias permanecem tão vivas que seus autores parecem estar perpetuamente jovens. Fanon é uma dessas pessoas. Seu trabalho não pode ser dividido em “inicial” e “posterior”, porque em cada um dos momentos ele permanece maduro e vivo.

Peau noire, masques blancs foi ao prelo quando Fanon tinha vinte e sete anos de idade. Foi escrito quando o autor tinha vinte e cinco. Inicialmente destinava-se a ser sua tese de doutorado em psiquiatria, recusada pelos membros da comissão julgadora. Eles preferiram uma abordagem “positivista” no estudo da psiquiatria, exigindo mais bases físicas para os fenômenos psicológicos. Fanon, então, escreveu sua teseTroubles mentaux et syndromes psychiatriques dans l’hérédo-dégénération- spino-cérébelleuse. Un cas de maladie de Friedreich avec délire de possession (Lyon, 1951).

Fanon não se arrependeu de ter escrito Peau noire, masques blancs após obter o doutorado, como se nota em suas reflexões na introdução:

Il y a trois ans que ce livre aurait dû être écrit... Mais alors les vérités nous brûlaient. Aujourd’hui elles peuvent être dites sans fièvre. Ces vérités-là n’ont pas besoin d’être jetées à la face des homes. Elles ne veulent pas enthousiasmer. Nous nous méfions de l’enthousiasme.

(Este livro deveria ter sido escrito há três anos... Mas então as verdades nos queimavam. Hoje elas podem ser ditas sem excitação. Essas verdades não precisam ser jogadas na cara dos homens. Elas não pretendem entusiasmar. Nós desconfiamos do entusiasmo.)

Seu irmão, Joby Fanon, relatou que os colegas de Fanon diziam que ele era “zangado por dentro e por fora”. Fanon admite, em sua introdução, que ele estava irritado demais para produzir o tipo de trabalho necessário, aquele que precisava ser feito, porque, como explica na primeira página,“il y a trop d’imbéciles sur cette terre.”

Ao ser publicada, esta obra clássica do pensamento sobre a Diáspora Africana, do pensamento psicológico, do pensamento da descolonização, da teoria das ciências humanas, da filosofia e da literatura caribenha foi recebida ao mesmo tempo com escândalo e com indiferença. O ambiente em que a publicação ocorreu estava dominado pelo mundo latino, tanto francófono, quanto hispanófono ou lusófono, ou seja, um mundo em que o racismo contra os negros era considerado uma doença peculiar das sociedades anglófonas, especialmente nos Estados Unidos, Grã-Bretanha, Austrália e África do Sul. O retrato exibido neste livro revelava uma história diferente. Mostrava como a ideologia que ignorava a cor podia apoiar o racismo que negava. Com efeito, a exigência de ser indiferente à cor significava dar suporte a uma cor específica: o branco.

Embora fosse um fato perturbador para o típico leitor francês, a má-fé prevalecia através de uma rejeição não-empírica de sua suposta falta de validade: eles simplesmente diziam que o racismo não existia (apelo à evidência) recusando examinar a evidência.

A reação a Peau noire, masques blancs evidencia um problema com que se defronta a maioria dos estudiosos que examinam as questões relacionadas aos negros. Como W.E.B. Du Bois observou, em vez de estudar os problemas enfrentados pelas pessoas negras, as próprias pessoas passam a ser o problema. O resultado é, como Fanon subseqüentemente argumentou, uma exigência neurótica de que os estudos sobre o negro pudessem existir se houvesse acordo de que o negro não existe. O mesmo se aplica ao pensamento negro.

Fanon oferece uma crítica incisiva à negação do racismo contra o negro na França e em grande parte do mundo moderno. Embora outros escritores também tenham criticado tal comportamento, existem características singulares na análise de Fanon que fizeram com que seu trabalho sobrevivesse ao século XX. Primeiro, ele examina a denegação como algo sintomático em muitas pessoas negras. Segundo, rejeita a tese estrutural ao admitir a tese existencial da contingência e das exceções. Em outras palavras, Fanon não considera todo o mundo como sendo racista. Terceiro, examina o problema em seus níveis subterrâneos e, ao fazê-lo, revela seu significado para o estudo do homem. Quarto, aborda questões disciplinares e problemas de dominação no âmbito epistemológico, na esfera do conhecimento, radicalizando assim sua crítica. Quinto, oferece discussões originais sobre a dinâmica da liberdade e do reconhecimento no cerne das relações humanas. E, sexto, mas em último lugar, Fanon propõe um conjunto de mecanismos retóricos que implementam as muitas maneiras de abordar o problema.

O livro fala por si mesmo, mas também é um livro que fala através de si mesmo e contra si mesmo. Fanon literalmente põe em cheque a maneira como entendemos o mundo e também provoca um desconforto na nossa consciência que aguça ansiosamente o nosso senso crítico. Ler este livro é uma experiência desafiadora. Temos indiscutivelmente que nos valer de uma série variada de recursos intelectuais, aí incluindo recursos emocionais. Fanon ressalta inicialmente que racismo e colonialismo deveriam ser entendidos como modos socialmente gerados de ver o mundo e viver nele. Isto significa, por exemplo, que os negros são construídos como negros. Em outras palavras, não haveria razão para as pessoas na África, na Austrália ou em outras áreas do Pacífico Sul pensarem sobre si mesmas em termos raciais. Para entender como tais construções ocorrem, o caminho lógico é examinar a linguagem, na medida em que é através dela que criamos e vivenciamos os significados. Na linguagem está a promessa do reconhecimento; dominar a linguagem, um certo idioma, é assumir a identidade da cultura. Esta promessa não se cumpre, todavia, quando vivenciada pelos negros. Mesmo quando o idioma é “dominado”, resulta a ilegitimidade. Muitos negros acreditam neste fracasso de legitimidade e declaram uma guerra maciça contra a negritude. Este racismo dos negros contra o negro é um exemplo da forma de narcisismo no qual os negros buscam a ilusão dos espelhos que oferecem um reflexo branco. Eles literalmente tentam olhar sem ver, ou ver apenas o que querem ver. Este narcisismo funciona em muitos níveis. Muitos brancos, por exemplo, investem nele, já que teoricamente preferem uma imagem de si mesmos como não racistas, embora na prática ajam freqüentemente de forma contrária.

A questão da língua também levanta outras questões mais radicais sobre seu papel na formação dos sujeitos humanos. Fanon argumentava que a colonização requer mais do que a subordinação material de um povo. Ela também fornece os meios pelos quais as pessoas são capazes de se expressarem e se entenderem. Ele identifica isso em termos radicais no cerne da linguagem e até nos métodos pelos quais as ciências são construídas. Trata-se do colonialismo epistemológico.

No começo da obra, Fanon anuncia que gostaria de transformar o negro em um ser de ação. Isto é importante por causa das barreiras à liberdade em ambientes racistas e coloniais. O problema torna-se mais agudo no capítulo sobre a psicopatologia, onde Fanon mostra que o mundo moderno não tem uma noção coerente sobre o que seja uma pessoa negra normal ou um adulto negro. O comportamento patológico é freqüentemente apresentado como “autenticamente” negro. Caso um negro ou uma negra não se comportem como tais, seriam considerados “inautênticos”, o que resulta em uma confirmação da patologia. O efeito disso era corriqueiro numa época em que, no mundo anglófono, negros adultos, homens e mulheres, eram chamados de “menino” (boy) ou “menina” (girl), mas ainda hoje influencia a cultura popular, na medida em que os adolescentes negros dominam a representação do negro. Fanon desafia a eficácia da terapia sem um modelo de normalidade. Se a psicologia para o negro resulta em uma psicologia do anormal, o negro não seria mais um ser de ação porque não teria para onde ir. Haveria uma relação niilista com o mundo social.

A maioria dos negros, inclusive na África, está obcecada em “fixar- se”. Esta obsessão, sugere a argumentação de Fanon, é resultado da impotência social. Não conseguindo exercer um impacto sobre o mundo social, eles se voltam para dentro de si mesmos. O principal problema desta atitude está na contradição em buscar a liberdade escondendo-se dela. A liberdade requer visibilidade, mas, para que isto aconteça, faz-se necessário um mundo de outros. Esquivar-se do mundo é uma ladeira escorregadia que, no final das contas, leva à perda de si. Até mesmo o auto-reconhecimento requer uma colocação sob o ponto de vista de um outro. Esta é uma verdade difícil de aceitar, e não é por acaso que Fanon enfrenta essa discussão após oferecer lágrimas no final do quinto capítulo. Ele está nos dizendo que nós devemos nos livrar de nossas barreiras, rumo a um corajoso engajamento com a realidade.

A liberdade requer um mundo de outros. Mas o que acontece quando os outros não nos oferecem reconhecimento? Um dos desafios instigantes de Fanon para o mundo moderno aparece aqui. Na maioria das discussões sobre racismo e colonialismo, há uma crítica da alteridade, da possibilidade de tornar-se o Outro. Fanon, entretanto, argumenta que o racismo força um grupo de pessoas a sair da relação dialética entre o Eu e o Outro, uma relação que é a base da vida ética. A conseqüência é que quase tudo é permitido contra tais pessoas, e, como a violenta história do racismo e da escravidão revela, tal licença é freqüentemente aceita com um zelo sádico. A luta contra o racismo anti-negro não é, portanto, contra ser o Outro. É uma luta para entrar na dialética do Eu e do Outro.

Fanon mostra também que tal luta acontece não apenas no âmbito das interações sociais, mas também em relação à razão e ao conhecimento. Nas palavras de Fanon:

La raison s’assurait la victoire sur tous les plans. Je réintégrai les assemblées. Mais je dus déchanter. La victoire jouait au chat et à la souris; elle me narguait. Comme disait l’autre, quand je suis là, elle n’y est pas, quand elle est là je n’y suis plus.

(A razão assegurava a vitória em todas as frentes. Eu era readmitido nas assembléias. Mas tive de perder as ilusões. A vitória brincava de gato e rato; ela zombava de mim. Como dizia o outro, quando estou lá, ela não está, quando ela está, não estou mais.)

Parafraseando-o, poderíamos dizer que, ao entrarmos na sala a razão sai. A razão, em outras palavras, não está sendo razoável.

Encontramos aqui a situação neurótica e a melancolia dos negros no mundo moderno. Reivindicar a razão, agarrá-la, seria exibir a não- razão, mesmo diante da razão sendo irracional. Aqui Fanon, como os negros, deve argumentar com a razão. Este desafio, isto é, ser de fato mais razoável do que se espera que os outros, especialmente os brancos, o sejam, situa o negro como sofrendo uma perda antes mesmo que ele comece a lutar pela existência. Isso sinaliza a melancolia da existência negra. Na verdade, espera-se que os negros não tenham sido negros a fim de legitimarem-se como negros, o que é uma tarefa impossível. Caso o negro deseje uma condição pré-moderna, ou pré-enegrecida, isto requereria uma contradição: um negro que não fosse negro. Os negros, em outras palavras, enfrentam o problema de sua relação com a razão e com o Eu enquanto indígenas do mundo moderno. Tal Eu sofre de melancolia, uma perda pela qual eles não podem ser o que ou quem são.

Como o leitor verá, tal dilema não é um convite ao pessimismo. Fanon nos lembra que parte da nossa luta envolve entender as dimensões críticas do ato de questionar, o que ele exemplifica encerrando o livro com uma oração. Dadas as muitas traduções e comentários sobre o seu trabalho, a grande quantidade de novos grupos de pensadores influenciados por suas reflexões, e as instituições, criadas em prol da dignidade humana, que trazem seu nome e seu legado, fica claro que suas indagações têm encontrado eco neste novo século".

"Os brancos racistas criaram a palavra Negro, os negros criaram a negritude..."



terça-feira, 24 de novembro de 2020

O alucinado caminho do empoderamento...



 Esta semana foi pródiga em aventuras femininas. Primeiro a advogada na padaria em São Paulo, que todo mundo viu sua estupenda performance; depois, a modelo que  ficou apavorada ao perceber que o homem com quem havia passado o dia inteiro comendo, dançando e bebendo, estava sobre ela... A primeira, logo tentou ocultar-se sob um diagnóstico de Transtorno Bipolar. E a segunda? O que dirá? Histeria? Penso involuntariamente nos Gulags e na Sibéria, para onde os indesejáveis presos políticos da época eram enviados, e sempre com um diagnóstico de doença mental...

A esposa do Mendigo K que estava colhendo raízes de uma determinada erva ali no cerrado, colocou-me a mão no ombro e murmurou: Bazzo, tenho uma pena imensa dos homens. A grande maioria, você sabe (mentalmente fixados nos 14 anos), já fugiu delas radicalmente e estão por aí alucinados e se enrabando mutuamente; os outros.., teimosos, insistem em escalar esse precipício...

Fez um silêncio tipicamente feminino e completou: Séculos de repressão... é evidente que acabaria nisso... Mas, não temos culpa.., isto faz parte também de nossa natureza!

O Mendigo K interferiu na conversa  para lembrar, meio irônico, o que diz um personagem de M. Gorki, no livro Os vagabundos: "Há duas coisas de que não podemos fugir: das garras da morte e da mulher". 






sexta-feira, 20 de novembro de 2020

O Mendigo K e a solitudine da morte...


 
Nesta sexta-feira 20, já no final da tarde, encontrei o Mendigo K, na padaria de sempre onde, segundo ele, eventualmente presta pequenos serviços ao velho espanhol, dono do panefício, em troca de um ou outro sandwiche. 
Estava furioso, indignado e até envergonhado com o assassinato de um negro num mercado do RS.  Disse que ficou impressionado, não só com a morte do moço, mas com o grau de violência dos agressores. Observe a cena... Aqueles miseráveis agressores estavam completamente loucos!
Contou-me que hoje, por coincidência, foi ao enterro de um colega de profissão aqui na cidade. Não estava abalado e nem exageradamente impressionado. Pelo contrário, achou o ritual até cômico. Toda aquela mendigada reunida naquela liturgia escabrosa, cheiro de velas, gente que não se via há muito tempo, uns mais envelhecidos e arruinados do que os outros, chorando, trocando afagos, mentiras e bactérias. Uma festa. Chegou até a mencionar um livro de Durkheim, sobre o assunto. O que mais o impressionou -disse - foi o discurso do padre que encomendou a alma do morto para os braços de Deus. Mas esse cara, o defunto.., (me confidenciou, no meio de uma gargalhada) eu o conhecia bem de perto, era um porralouca completo, não sabia quem era sua mãe, nem seu pai e nem seus avós, Deus, para ele, nunca passou de uma ficção de sapateiros, não tinha alma nenhuma. Era um pobre fodido. A policia não podia vê-lo que já atiçava sobre ele seus cachorros... Seu niilismo era tão profundo que chegou a ser expulso de uma confraria  estrangeira e absolutamente laica... Fez um breve silêncio, deixando para o final do relato este lance, até meio romântico: e já quase no final das pompas fúnebres, - foi dizendo com voz emocionada - quando todos os mendigos, por sujestão do padre, passaram a jogar, com uma certa delicadeza, punhados de terra sobre o caixão (um caixão de quinta qualidade doado por uma funerária), apareceu uma moça, também mendiga, elegante, delicada, com duas tetas vibrantes e rígidas se insinuando sob os farrapos, que foi abrindo caminho e se aproximando da cova o suficiente para, com as sandálias enfiadas na terra fresca, lançar sobre o morto, primeiro um botão e em seguida a flor inteira de uma orquídea que, segundo ela mesma, havia roubado nos jardins de uma casa de três andares ao redor do cemitério.... A mendigada, com a morte em sursis, entrou em êxtase! Um deles, chegou a resmungar: caralho! dar a morte embutida na vida é uma traição imperdoável! E o padre, meio desconfiado, resmungou mais duas ou três bobagens póstumas e metafísicas (serenidade, paz, amor, esperança, coragem) e achou melhor abreviar a pantomima afirmando: Hoje mesmo nosso irmão... H? G? F?... estará entrando no Reino dos Céus... Nesse momento - segundo ele - os mendigos começaram a pigarrear, a olhar para os lados e a se dispersarem pela solitudine das outras covas...