quarta-feira, 15 de novembro de 2017

A ocupação de Brasília... que não houve... E o próximo trem para Pasárgada...


"Senhor, pai, tenha piedade, que eu pedirei eternamente a Deus por Vossa Senhoria"
F. Dostoiévski
(Memória da casa dos mortos, página 219)

Durante a semana inteira circularam boatos, vídeos e noticias  assegurando que no dia 15 de novembro (hoje) dia da Proclamação da República viriam grupos incendiários do Brasil inteiro para invadir e ocupar Brasília e o Congresso Nacional, bem como para esbofetear e prender políticos e vagabundos da cidade e, por fim, fazer uma intervenção militar e livrar o Brasil da cloaca e da situação calamitosa em que se encontra. Muita gente que conheço acreditou nessa ameaça e até ficou excitada imaginando que finalmente, se sairia dessa mesmice desoladora.
 Teve até gente que fez estoque de comida, de água, de ansioliticos e principalmente de papel higiênico em casa...  Alguns síndicos até programaram rezas e terços nas garagens e nas portarias dos prédios... 
Amanheceu o dia... e nada. Só as nuvens magrit (ianas) presagiando um lindo dia...
As donas de casa, visceralmente reacionárias, indignadas e com as tetas apoiadas nas janelas se perguntavam: que aconteceu com o pessoal das cruzadas? Teriam errado o caminho? Chegarão amanhã? Tiveram alguma visão negativa no meio da estrada? Resolveram esperar Godot?  
Em frente ao palco do Congresso Nacional apenas dois ou três caminhões e um ônibus. 50 ou 100  discursantes no estilo dos sindicalistas dos anos 80 e nada mais. 
Muito foguetório e pouca prática. Os discursos e as críticas iam de encontro tanto a figuras legendárias como a do magnata húngaro George Soros como a de comunistas nativos, anônimos e imaginários de fins de semana... 
Fiquei realmente impressionado com o ódio que havia nos discursos contra as universidades brasileiras. O que os professores teriam feito ou estariam fazendo  para gerar tanta fúria? Fiquei lá ouvindo aquela gente mais ou menos desiludida, mais ou menos descontrolada, mas cheia de convicções discursando e apontando com ferocidade para o Congresso nacional vazio como sendo um ninho de bestas, ladrões, larápios que deveriam ser caçados... Com quê argumentos alguém se atreveria a discordar deles? 
Faixas. Muitas faixas fincadas no gramado da esplanada falando do já sabido: tudo está falido! No meio de todos as discursos incluíam com frequência o nome de Deus e de Cristo. Um discursante, do alto de um caminhão que passava em frente à catedral chegou a mencionar e pedir ajuda à padroeira da cidade... O que pensariam essas entidades metafísicas de tudo isso?
 O mendigo K que estava lá usando um uniforme militar daqueles de camuflagem e de luta na selva me cochichou: é impressionante como passamos da antropologia para a teologia em segundos... 
Parole, parole, parole... Todo mundo turvando as aguas para dar impressão de profundidade... Muitas palavras até às 5 horas da tarde diante de um congresso silencioso, literalmente vazio e de uma cidade em plena crise de narcolepsia. 
Por mais alienado que se possa ser, num clima desses é difícil não sentir em si mesmo os sinais doentios do subdesenvolvimento, da misantropia e da melancolia.
Enfim, sem estar lá muito preocupado com a comédia póstuma (como diria Baudrillard em seu La ilusión vital), 
gostaria de saber a que hora partirá o próximo trem para Pasárgada?











3 comentários:

  1. https://www.youtube.com/watch?v=-wtCdCInwiY

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  2. http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2017/11/13/internas_polbraeco,640669/filosofa-judith-butler-responde-aos-ataques-de-odio-sofridos-no-brasil.shtml

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  3. Bazzo, veja esta entrevista com o Baudrillard:

    http://sheila.leirner.pagespro-orange.fr/Site%20Entrevistas/Jean%20Baudrillard%201997.htm

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