"Cujo céu tinha a monstruosa imponência de um estábulo incendiado..."
Garcia Marquez
(página 57, O enterro do diabo)
Hoje, domingo, dia 12 de novembro de 2017, com a cidade chuviscando, encontrei o mendigo K na entrada de um dos shoppings mais sofisticados da cidade, aquele onde estão concentradas aquelas boutiques que vendem chapéus a 2 mil reais, tênis a mil euros, calcinhas a 480, vestidos e bolsas por pequenas fortunas e etc. É lá que a suposta classe alta, as novas ricas se acotovelam nos fins de tarde para bebericar um chocolate e para conseguir gastar os milhões que seus maridos, amantes ou filhos rapinam honradamente por aí...
Estava na entrada principal junto a duas portas de vidro, com uma capa preta de chuva segurando um cartaz de meio metro quadrado onde se podia ler: "CONTRATO ESTAGIÁRIA COM 17 ANOS E QUE FALE VÁRIOS IDIOMAS PARA ORGANIZAR MINHA BIBLIOTECA".
Achei curioso aquele anuncio, não apenas pelo perfil da moça que ele pretendia contratar, mas porque nem imaginava que ele tivesse uma biblioteca em casa. Uma senhora elegante, exageradamente perfumada e com aspecto equino que passava por lá enquanto falávamos leu o cartaz, resmungou alguma coisa sobre as recentes denuncias de abusos sexuais em Hollywood, perguntou-lhe se sabia que dia 12 de novembro se comemorava o dia do nascimento da feminista Elizabeth Stanton e em seguida o acusou de estar cometendo um crime contra as leis trabalhistas, contra os direitos humanos, assédio moral etc., e por fim, que iria enquadrá-lo numa Lei que agora não lembro o número e nem o nome...
Vi que ficou furioso, que baixou momentaneamente o cartaz, que lhe lançou um dos principais palavrões que está lá no apocalipse e que, como um banido do mundo, saiu caminhando no meio da chuva... Já estava quase anoitecendo e o céu - como diria o defunto Garcia Marquez - havia adquirido aquela monstruosa imponência dos estábulos incendiados...
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/11/11/internacional/1510423180_056582.html
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