Apesar de estar metafórica e literalmente cagando para a Crise Internacional sinto-me atraído pelos discursos, pelas previsões, pelas estatísticas, pelas medidas de emergência dos governos e pela mentirada globalizada que toma conta da mídia e de tudo. A idéia otimista e beata atribuída aos chineses de que sempre se sai fortalecido da crise é uma idiotice. A grande maioria se despedaça, entra em desvario e sucumbe. Mas isso é secundário, o que realmente a tal crise nos fez perceber é que se excluírem os bancos, as bolsas de valores e as fábricas de automóveis do mundo mergulharemos rapidamente na barbárie. Ou não?
Meu termômetro sobre a situação real do mundo é a mendiga que está lá na rampa da Catedral há uns quinze anos e o arrombador de automóveis que atua no Setor Comercial Sul há pelo menos uma década. Estão muito bem. Os dois estão saudáveis e tranqüilos. Ela, sempre com a mesma serenidade, a pele quase transparente. É verdade que com o advento da sesta básica engordou uns nove quilos, mas mesmo assim seu desempenho corporal é invejável. Um dia vi e ouvi uma turista elogiando-a por não ter nenhuma ruga e ela lhe respondeu com amabilidade: - tenho sim, minha senhora, uma única, mas passo o dia inteiro sentada sobre ela. Quanto ao arrombador de carros está mais elegante de quando o conheci. Os cabelos já lhe ficam grisalhos, mas a elegância e a agilidade não se comprometeram em nada e sabe mais sobre o Código Penal que muitos de nossos delegados e juízes. Já conseguiu fazer uma pequena fortuna. Está satisfeito. Até ele acha que a crise é uma tramóia do sistema financeiro e quanto a última idéia do Obama de obrigar os mafiosos internacionais a comprarem Títulos Podres, ironizou dizendo: - seria o mesmo que se os vendedores de uma feira, a beira do colapso, propusessem aos seus clientes que comprassem frutas e legumes podres para salvá-los. Foi ele que me confidenciou que gostaria imensamente que tanto os bancos como as fábricas de automóveis fossem absolutamente à ruína. Um mundo com charretes e carroças seria muito mais charmoso. E que em cada esquina volte a se ver aquele antigo usureiro, o agiota barbudo dos velhos tempos (o avô de todos os banqueiros) sentado em sua mesa rapinando e emprestando dinheiro a quinze ou a vinte por cento. (le névrotique a des problèmes, le psychotique a des solutions)
Ezio Flavio Bazzo
em um rincão do globo, havia uma interessante jogatina: algumas pessoas pediam dinheiro emprestado à outras, sem que ambos tivéssem um tostão se quer no bolso. apenas munidos de promessas e profecias, vulgarmente chamadas de crédito. uns acreditavam em hipotecas. já outros acreditavam no silício. mas eram unânimes numa coisa: o dinheiro era apenas um mero símbolo. uma virtualidade. algo sem substância. apenas uso metafórico. nada em nasciência ou em expansão. até que a banca da jogatina não resistiu e saiu aos gritos. teve uma crise de possessão. com olhos vermelhos esbravejava para todos. daí tiveram uma idéia para acalmar seus nervos: chamaram o padre estado. feito isso a banca voltou a se restabelecer. exorcizada, leve, porém rancorosa. lançou uma maldição aos crentes da metafísica do crédito: histeria coletiva. por sorte, haviam marginais imunes às pragas do apocalipse. enfim, o deus-capital não existe, e crédito cristo não voltará. só o surreal salva.
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