sexta-feira, 13 de março de 2009

E prosseguimos na construção da Torre de Babel


Hoje, sexta-feira, lá pelas sete da manhã, enquanto estacionava nos fundos do ambulatório aonde vou diariamente trocar meu “suposto saber” e meu trabalho por pão preto e arroz integral, fui abordado por um homem de uns quarenta anos – já o havia visto outras vezes ali pelos corredores do hospital – que com um livro de capa vermelha nas mãos (não consegui ver o nome do autor) pediu-me licença para recitar sete ou oito linhas. Parecia não ter dormido. Provavelmente teria passado a noite no campus da universidade encostado numa pilastra qualquer. Talvez brincando com os gatos na parte subterrânea daquele prédio bizarro ou mesmo na porta do departamento de filosofia à espera de algum professor ou mesmo dos personagens insanos de seus delírios. Iniciou a leitura olhando alternadamente para o livro e para meus olhos: “para o psiquiatra, o neurótico é aquele que sofre com as dificuldades cotidianas que os outros e a vida lhe impõem. Já, o psicótico, é aquele que torna difícil (ou impossível) a vida dos outros”. Fez uma careta de riso e, acreditando que eu fosse psiquiatra, esperou por uns instantes que eu me pronunciasse. Como fiquei em silêncio, virou a página e leu este outro trecho: “O psiquiatra “organicista” quer fazer os outros acreditarem que o cérebro produz o delírio da mesma maneira que os rins produzem a urina”. Deixou escapar uma gargalhada, deu-me as costas e infiltrou-se no meio de uma centena de outros pacientes, de todas as especialidades, que já estavam ali esperando por seus respectivos doutores desde as quatro da madrugada.


Ezio Flavio Bazzo

3 comentários:

  1. Na urbe, há muitas anormalidades por trás da aparente normalidade da maioria dos habitantes...

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  2. há anos, na alemanha, um dos maiores diretores de teatro de lá, resolveu fazer algo pelos politicamante corretos alemães. juntou crianças com o trissomia do cromossomo 21 ou síndrome de down ou (...). bom, a idéia era fazer um jogral onde elas leriam um texto de freud que trata da dislexia. imagine: leitores que, geneticamente, não entendem o que lêem, fazendo leituras para uma platéia intelectualóide que finje entender de arte. resultado: uma tensão sinistra pairava entre os espectadores. até que, um mongoloidizinho, não aguentou aquela hipócrita peça teatral e caiu na gargalhada. hálibi perfeito. logo a tensão da platéia se desfez. implosão completa! o teatro inteiro passou quase uma hora rindo.

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  3. Na urbe, há muitas anormalidades por trás da aparente normalidade da maioria dos habitantes...E o Bazzo é um verdadeiro Mestre em escancarar essas anomalias...

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