Mesmo tendo sido criado quase na fronteira com a Argentina, só fui ler verdadeiramente as obras de Borges com mais de quarenta anos. Primeiro pela ignorância generalizada e epidêmica que caracteriza os vilarejos e as pequenas cidades brasileiras, segundo, pelo patrulhamento político/ideológico daqueles tempos e daqueles sujeitos crápulas e prepotentes que se diziam socialistas, comunistas etc e que hoje estão todos gorduchos e transmutados. Em qualquer sindicato, grêmio estudantil ou reunião de intelectualóides que se ia, era reafirmada sempre a idéia de que tanto piazolla, como Borges, Frank Sinatra e até mesmo o surdo Beethoven eram burgueses e direitistas abomináveis. Independente dessas cretinices, hoje ouço a Piazolla sempre que posso e a Obra Completa de Borges não sai de minha mesa de estudos. Quando algum amigo ou paciente me relata um sonho ou um pesadelo – por exemplo – me apresso em voltar para casa para reler na página 221 do Vol. III o que aquele velho bibliotecário escreveu em seu “ensaio” sobre La pesadilla. Naquelas seis páginas preciosas, citando a Groussac, o escritor argentino escreve: “es asombroso el hecho de que cada mañana nos despertemos cuerdos – o relativamente cuerdos, digamos – después de haber pasado por esa zona de sombras, por esos laberintos de sueños”.
Foi em seu texto que descobri que a palavra pesadelo, (pesadilla em castelhano) em grego se escreve "efialtes", nome do demônio que inspira os pesadelos. Em latim a palavra é “incubus”. O incubo é o demônio que oprime e inspira o pesadelo naquele que dorme. Em alemão a palavra para designar pesadelo é "Alp" e tem o mesmo significado demoníaco. Para nomear um pesadelo em inglês – lembra Borges – se diz "The nightmare", que traduzido para o castelhano seria “a égua da noite” ou, etimologicamente pode ser "niht maré" ou "niht maeré", que remete novamente ao demônio da noite. Ele, o velho Borges, que tinha pesadelos repetitivos com espelhos e com labirintos finge ignorar os conceitos freudianos sobre os sonhos e brinca com seus leitores trazendo essa visão teológica e infernal dos pesadelos. “Siempre sueño con laberintos o con espejos – confidencia – En el sueño del espejo aparece outra visión, outro terror de mis noches, que es la idea de las máscaras. Siempre las máscaras me dieron miedo. Sin duda senti en la infância que si alguien usaba una máscara estaba ocultando algo horrible. A veces (éstas son mis pesadillas más terribles) me veo reflejado en un espejo, pero me veo reflejado con una máscara. Tengo miedo de arrancar la máscara porque tiengo miedo de ver mi verdadero rostro, que imagino atroz. Ahi puede estar la lepra o el mal o algo más terrible que cualquier imaginación mia.
borges? ainda não conheço suas linhas. obrigado pela dica. porém, se me permite retribuir... caabuus (كابوس), é pesadelo em árabe. cuja grandeza da expressão também não faltou nos "versos satânicos", livro escrito pelo britânico de origem indiana, salman rushdie. fantástico autor herege que conseguiu uma proeza grandiosa: existe uma lei [fatwa (فتوى)] só para ele na legislação islâmica [sharia - (شريعة)]. na verdade, contra ele. feito magnânimo para qualquer autor vivo.
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