quarta-feira, 4 de março de 2009

O calor, Niemayer e o inferno


Difícil encontrar um único brasiliense sóbrio que no meio da madrugada, quando acorda ensopado de suor, com o lençol encharcado e quase morrendo asfixiado, não invoque os nomes do Niemayer e do Lucio Costa para lançar sobre eles cinco ou seis maldições. É quase inacreditável que dois homens daquele porte, que se diziam e se consideravam socialistas ou comunistas, naquela imensidão de terras e de espaços do Planalto Central, com dinheiro correndo solto em baús, em malas e em contêineres tenham planejado e edificado tão mesquinhamente estes prédios, estas quitinetes e apartamentos tão impróprios, tão esdrúxulos, miseráveis, sem luz, sem ventilação e sem vitalidade, verdadeiros departamentos do inferno com janelas tão ou mais minúsculas que as do sistema penitenciário. O quarto destinado à empregada doméstica então, nem se fala, ninguém diria que essa nojeira foi obra de um defensor do proletariado. Sim, porque não se difere de um canil ou de uma gaiola, com uma janelinha lá junto ao teto pela qual não entra o ar necessário nem mesmo para as baratas. Tudo completamente diferente daquelas coberturas imensas de Ipanema, com varandas panorâmicas que dão ao inquilino uma visão paradisíaca e quase religiosa do mar, dos morros e da órbita celeste. E para completar esse inferno de quarenta graus, os governantes idiotas que se revezam no poder se dão o direito de levantar paredões e conjuntos habitacionais por todos os lados sem falar dos tapetões de asfalto e de concreto com o qual vão tapando e sufocando a terra. E as massas silenciosas permanecem silenciosas. Os mais conscientes apenas tagarelam, contaminam o mundo com sua verbigeração sem a mínima consciência de que – como dizia Brice Parain – a linguagem só é fecunda enquanto devora a existência. Sim, e a vida devorada - conclui Savater - se transmuta em todas as perplexidades da palavra, daquilo que se quis dizer e não se disse; daquilo que se disse sem querer; daquilo que não podemos dizer e daquilo que é preciso dizer mesmo quando não o sabemos.

Ezio Flavio Bazzo

Um comentário:

  1. a farra do cimento, do concreto e do asfalto. fiquei aterrorizado ao saber do novo bairro de brasília chamado setor noroeste. o metro quadrado mais caro do país, e mais!, será construído sobre um território sagrado indígena! o governo de empreiteiras brasiliense, de capital estrangeiro, continuam a marcha da impermeabilização da terra, no caso, o cerrado será impermeabilizado ao mesmo tempo que os pais dejalojam indígenas para que morram queimados em parada de ônibus pelas mãos de seus filhos. serão mais 40 mil famílias burguesas para unir as horas de rush. brasília terá um só engarrafamento, o inédito é que durará o da todo. quanto monóxido de carbono a mais teremos que engolir? quantos linquéns não nascerão mais nas árvores intoxicadas? quanta mão de obra semi-escrava a mais será gerada? que deuses, semi-deuses e espíritos indígenas não deixem as almas de niemayer, lucio costa, roriz e paulo otávio descansarem jamais!

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