quinta-feira, 25 de maio de 2023

Mientras...





Ao meio dia a Praça de Mayo já estava transformada num lamaçal. E parecia que toda Argentina havia ido para lá... E de todas as avenidas que desembocam ali, chegavam novas Delegações com suas bandeiras, suas faixas, bandas e entusiasmos... A Cristina estava por todos os lados. E havia a fumaça dos chorizos, dos salsichões, das cebolas e da maconha. Muita fumaça. Muitos gritos. Muita gente com os estereótipos revolucionários dos anos 80... Uma bandinha de camponeses tocava e dois ou três mendigos sapateavam...

A juventude peronista administrava os espaços, as filas e os movimentos... Vendo aquelas multidões chegando, aos gritos, perguntei a um artista de rua: Vão incendiar a cidade? E ele me respondeu: Não, não passa nada! Hoje é apenas um dia de festa! Mais tarde, apontando para uma faixa que dizia: Todos com Escobar, perguntei a um manifestante: Estão se referindo ao Escobar colombiano? E ele, meio irônico: Claro! Exactamente a el colombiano! Bem depois, quando a praça já parecia um departamento do inferno e quando a missa que estava sendo rezada na catedral da frente, em homenagem aos ossos de San Martin, com sua cantoria gregoriana, passou a ser reproduzida nos alto falantes da praça, indaguei a um homem mais ou menos de minha idade: no passado, em manifestações como esta, se ouvia Violeta Parra, Victor Jarra e etc., o que aconteceu para que agora se ouça um réquien? O que teria acontecido? Ele, meio acanhado, retirou-se, respondendo: são os tempos em que vivemos... E a missa continuou. Por todos os lados os chouriços na grelha, as chipas recheadas, outros tipos de linguiças e os panelões de azeite fervente... e a fumaça, e os cheiros, e a fé na mãe Pátria... Em Peron, na Evita e em Dios...

No Café Pertutti, no outro lado da praça, a burguesia apreensiva, assistia a tudo por detrás das imensas vidraças, fingindo indiferença. Quando a porta se abria e aquela mistura de fumaças e de odores adentrava ao ambiente, não escondiam seus ímpetos de asco. Ouvi uma mulher ainda jovem dizendo à sua colega de mesa: que me desculpem todas as congregações, mas se essa gente chegar ao poder é preferível morrer... Essa gente, evidentemente, seriam os proletários e os camponeses.  Pensei na aporofobia e numa frase que Lênin, segundo Giovanni Papini, teria proferido: Um proletário urbano vale por mil camponeses...

Inacreditável o fervor da turma!

Começou a chuviscar. As massas pareciam cada vez mais agressivas e furiosas entre si. Sim, parece haver uma raiva contra si mesmo; uma necessidade de fazer mal a si próprio nas classes exploradas, que as faz, atuar contra si mesmas... Fora das calçadas o lamaçal era imenso. Por que ficar pregando entre si, enfiando toda aquelas porcarias nas tripas; ficar pisando-se nos calcanhares, patinando na lama e enlameando-se voluntariamente?  Mas então... todas as escolas de Lacan, os discípulos da APA e as centenas de livrarias não serviram para nada???

Subi pela Calle Florida identificando a solidão porteña por todos os becos e por todos os lados e com o niilismo a flor-da-pele... 

Desse jeito, a América Latina ficará mergulhada nessa porra-louquice e nessa lenga lenga melancólica e sem sentido, por mais mil anos...

Comi uma empanada de queijo com cebola num quiosque não muito recomendável... a melhor da viagem... e tomei o rumo do aeroporto achando que todo aquele pesadelo havia  terminado, ... mas, no radio do taxi...



































 























Um comentário:

  1. Bazzo, você é um homem do mundo! Está bem em qualquer lugar e ambiente. Viva Buenos Aires, el tango, y la lluvia!

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