domingo, 21 de maio de 2023

Mi Buenos Aires querida V...



 Ontem o dia amanheceu fazendo 9 graus e hoje, com chuva. Os turistas olham desolados pela janela e começam a fazer contas: se tivesse ficado em casa, com essa dinheirama toda, poderia ter trocado as persianas da sala e  comprado uma lavadora nova...

E todo mundo está fungando e tossindo. Crianças e velhos vão por Buenos Aires com seus narizes pingando. Os mais hipocondríacos logo pensam na volta do COVID, na H1N1, na Dengue e até mesmo na Peste Bubônica... Aliás, no jornal televisivo de ontem à noite, um desses especialistas de turno levantava a hipótese da próxima epidemia vir dos morcegos da Amazônia brasileira...

Aqui no Café XXXXXX, todo mundo tem pressa. Com três mastigadas já engoliram a media-lua, deixam um montão de notas sobre a mesa, secam o nariz com  a servilleta, empurram a porta de vidro, olham para o tempo, recebem os primeiros pingos na careca e se vão... Chuvisca! Carajo! Se Buenos Aires com sol já é uma São Paulo sucateada, com chuva... La fora, sob as marquises, gente amontoada que quer comprar um paraguas ou tomar um taxi. Mas os taxis não param e o chinês que vende guarda-chuvas não aparece...

Ouço um casal de velhos brasileiros que lamenta, com toda essa chuva, não poder ir ao Cemitério de la Recoleta... Entendo: querem aproveitar enquanto podem ir caminhando e antes que seja tarde.., antes que tenham que ir levados na horizontal e no fundo de um ataúde...

Os garçons ficam irritados quando passamos a manhã inteira diante de uma xícara vazia folheando a MISTERIOSA BUENOS-AIRES, de Manuel Mujica Lainez... Mas sabem que a culpa é da chuva y que en verdad, estamos locos para torrar estes "bilhetes" de mierda que llevámos en los bolsillos y que  no valen nada...  Vão de um lado a outro, entre as mesas, esfregando suas barrigas macilentas nos ombros dos clientes sonolentos... Te sirvo?

Te sirvo, um carajo!

E no bolso, essa montanha de pesos com a qual não da para pagar nem mesmo um falafel... A propósito, só falam em inflação, em salários, no preço dos tomates... na vida difícil... E, claro, na santidade do dólar: Cambio! Cambio! Cambio!

Cambio, um carajo...

Quieres hacer un tour?

Tour um carajo! Já estou em tour há 73 anos...

Na esquina, fotografo um cartaz que diz: SOMOS TODOS ANIMALES...

Escapar dos bandos que vão às catedrais até que é fácil, o problema é evitar San Telmo. Todas las calles conllevan a San Telmo!!! E parece que os brasileiros vêm para cá com dois únicos objetivos: San Telmo e as Galerias Pacifico. Aliás, e são tantos os brasileiros que passeiam por aqui, que, não tenho dúvidas de que, se  deixassem de vir a Buenos Aires, a cidade entraria economicamente em colapso...

E San Telmo, onde, no passado, vivia-se sob o aroma suave da marijuana, agora, que todo mundo passou para a Terceira Idade, só se respira aquele fedor de incenso de macumba e o vomitivo de velas...

Uma mulher já idosa que falava na velocidade da luz e que amaldiçoava o clima, dizia para o homem bem mais jovem que a acompanhava: existe duas coisas que odeio na vida e que prefiro morrer antes de precisar usá-las: a bengala e o guarda-chuva!!!

Sem falar daquelas malditas capas de chuva, de plástico transparente... prefiro morrer afogada no meio de uma tormenta... Diz esta última frase com arrogância e sai pisando firme como se caminhasse sobre a coluna vertical de um dinossauro... (penso no Barco ébrio, do marginal Rimbaud): "Deslumbramentos de las aguas en médio de bonanças, y las lejanías hacia los abismos cayendo en cataratas!"

Todo mundo tossindo, fungando, assoando o nariz...

Os mendigos dormem por aí indiferentes às 4 estações. Acabo de doar mil pesos a um deles que dizia estar precisando voltar para a Patagônia... Fingi acreditar porque, afinal, a vida é feita de cambalachos... Porque no hay sol e porque todos necessitamos comer... mesmo que sean dos o três empanaditas...
























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