domingo, 28 de maio de 2023

Bye bye Buenos Aires...





 

Não esqueça: além do Ezeiza, existe o Aeropuerto Buenos Ayres, ou Jorge Newbery ou Aeroparque...

Quem chegasse nesse aeroporto vindo de outro planeta ou de outro mundo, teria certeza de haver pousado num hospital-dia, num manicômio, num hospício ou coisa parecida...

 Gritos, berros e brigas por todos os lados. Cada balcão de check-in parece um pátio de rinhas... Voos atrasados, preços abusivos, cancelamentos... E todo mundo parece querer jogar merda na Aerolineas Argentinas. Os funcionários vão ao chão, mas de repente se recuperam e fazem o contra-ataque. O reclamante aumenta o tom, a gritaria se espalha. Quem é o gerente dessa merda? Acá no hay gerente porra nenhuma, hermano! Uma espécie de esgrima pobre e binária, entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, entre a limpeza e a sujeira, entre a honra e a desonra... Pecho Bueno y pecho Malo... Como não pensar na quase metafísica posição esquizo-paranóide da M. K...

Nos banheiros, filas imensas. Cada um deposita com nojo suas maletas no lado de fora do "gabinete". Um latino americano gorduchinho, para mijar, precisa baixar as calças até os joelhos e exibe umas cuecas da cor da bandeira colombiana... Pelo menos não pode ser acusado de ser apátrida... Aproveito para fazer um parágrafo de literatura nômade... Nada depõe mais contra a espécie do que um banheiro de aeroporto, com aquela gente de cócoras e com aqueles cheiros universais... Sim, Borges tinha razão: para suportar esse circo é necessário ser budista mesmo negando a existência de Buda...

 No saguão, o barulho aumenta. Dois policiais aparecem.., - observo que levam na parte traseira do uniforme as letras PSA (penso naquele famoso hormônio prostático) -. Crianças gritando, buzinas, a cada cinco metros uma televisão ligada e um cretino falando ao telefone... até um mini trator carregado de malas e de sacos vai pelo meio da multidão de viageiros... Um sujeito bizarro passa arrastando o estojo preto de um violoncelo: é a imagem perfeita de um coveiro, no meio da noite, pelo hall de um hospício, levando o que restou de um interno... Mais ao fundo, parece que estão desconstruindo uma parede. Outra briga, agora diante de um embarque nacional. Uma mulher está em fúria. Acompanho seus gritos e penso nos índices de seu cortisol... Seu filho, fazendo um esforço imenso, a abraça. A turba inteira do aeroporto suspira. Ah, que lindo gesto filial! O alto falante atrapalha os brigões. Um babacão jovem passa com uma mochila amarrada às costas e outra ao peito. Katmandu não é aqui seu babaca! De onde veio e para onde irá esse idiota? 

Um gringo de uns 35 anos, com cara de demente, assiste a tudo meio assustado e comenta com sua companheira, ela também com cara de espanto: como Borges, "Soy el que envida a los que ya se han muerto..."

Um cachorro rastreia uma migalha de chorizo por debaixo do divã... Comidas em bandejas e mercadorias em padiolas, gente que se abraça e chora, tanto na partida como na chegada. Não entendo qual é a lógica das lágrimas. Um silêncio repentino. Gente de preto e gente de branco formam uma fila diante de um balcão sem nome que fica ao lado de uma porta de emergência. Isto é um aeroporto ou um hospital dia? E na sobreloja, acreditem, ao longo de uma galeria com boutiques, WCs, cafés e etc, mais de cem moradores de rua estirados no piso dormindo e abraçados a seus crimes, suas misérias, seus cobertores e tralhas. O cheiro é inconfundível... Penso no lançamento do livro Aporofobia, (fobia aos pobres) da Adela Cortina, em 2017, lá em Madrid. Aqui, pelo menos aparentemente, trata-se de uma manifestação de aporofilia... O jogo é interminável... E os transtornos bipolares vão se incorporando e fazendo parte desse show...

Todos loucos! E não estou fazendo metáfora, me refiro à loucura clínica...

Vou embarcar as 4:20 da manhã... E, pior: para outro hospício... Sento no meio da turba e faço + uma página de minha suposta literatura nômade... Pensando em meu violino e na música do Piazzolla, aquela lá do rádio do taxista: 

"No ves que vá la luna por Callao... (...) Como un acrobata demente saltaré..."


 

 



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