sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Da vingança das chuvas e dos morros.., da desgraceira e das sirenes...

 


Segundo Kafka, as sirenes têm uma arma 

ainda mais mortal que seus cantos; que é seu silêncio. 

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desgraceira acontecida lá no litoral de São Paulo e as discussões das autoridades - governadores, prefeitos, cretinos de outras categorias, e apóstolos da mídia -, sobre a importância ou não de sirenes, para "salvar vidas", é de causar insônia e diarreias tão graves como àquelas inevitáveis que se sofre depois de uma semana vivendo em Bénares ou em Pushkar...

Raciocinem! 

Não é possível!

Não é possível que essa gente tenha descido a esse nível de raciocínio e de imbecilidade...

Apostar nas sirenes, no meio de uma tempestade é mais ou menos como, ao invés de fiscalizar a cozinha dos restaurantes, colocar uma sirene no cu dos fregueses, para que ela dispare quando a comida envenenada começa a provocar as primeiras cólicas... Prestem atenção: o grito da sirene, em todas as circunstâncias, sempre anuncia alguma forma de cretinice e de desfaçatez humana, sem falar que, como dizia Kafka, ela tem uma arma ainda mais mortal que seus cantos, que é o silêncio...

Também a paciência dos moradores dos morros e das montanhas é surreal e quase inacreditável. E parece que são mais de dez milhões país a fora... que frequentemente são cuspidos e jogados para baixo, e que, como cabras adestradas e como Sísifo, voltam em silêncio... Sim, eu sei, são pobres coitados que não têm onde cair mortos. Bucha de canhão. O lumpemproletariado. Bisnetos, tataranetos, netos e filhos de gente que vem sendo pisoteada há séculos... que está permanentemente sob o olhar suspeitoso da polícia. Escravos contemporâneos, os quais uma elitezinha de bosta empurra e mantém vivendo à margem, sobre os esgotos e aos pés das colinas... Gente que quando se manifesta é acusada de terrorismo e que anualmente arranca seus mortos da lama e ainda agradece às autoridades que mandam lá seus cachorros para farejar o paradeiro dos cadáveres de seus companheiros... Gente que queima incenso ao padreco que vai lá cacarejar que é preciso ter paciência porquê o Reino dos céus é dos pobres! E que se trata da vontade de Deus! Gente que tira o chapéu às atrizes e aos atores da mídia que se jogam de bunda na lama como porcos para causar sensação e para fisgar mais audiência... E que aceitam aquelas toneladas de alimentos, de cobertores, de colchões e de tralhas de madames estropiadas de tanta superficialidade... 

Ah! Coitados! Perderam tudo! 

Dizer que perderam tudo é mais uma canalhice pequeno-burguesa, pois se essa gente não têm nada, iriam perder o quê? Em síntese: um teatro do absurdo completo. Sem falar dos bilhões que - segundo até mesmo a falsificada contabilidade oficial -, foram enviados para aquela região, para tratar do assunto... Teriam sido gastos em Paris? Em Londres? Nas boutiques japonesas ou nas de São Paulo, mesmo?

Enfim, já que nada abala - como diria Buñuel - o discreto charme da burguesia, as chuvas, os ventos uivantes e os morros procuram, "graças a Deus!", fazer  a sua parte... E, a respeito das sirenes, cambada de canalhas, que tal enfiá-las sob o próprio rabo? Lembrando que o pior delas, como dizia Kafka, não é seu canto, mas seu silêncio...

E olhem que nem estou mencionando os pequenos larápios, aqueles que aproveitando-se do lodaçal e da desgraça, dobraram os preços da água, do pão, dos analgesicos e das velas em suas farmácias, mercearias e funerárias... 

Bem que essa gente mereceria uma forca! 

Pero, sin perder la ternura jamás...





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