"Oh mágico sonho!
Oh ave confortável!
que pousas sobre o tormentoso mar da mente
até que ela se cale e sossegue..."
Keats
Ia me esquecendo de registrar que nos últimos dias que passei em Florianópolis, fiquei hospedado numa espelunca que fica nos arredores da Catedral Metropolitana, dedicada à Nossa Senhora do Desterro ou Santa Catarina de Alexandria. Achei fascinante o nome dessa santa! Do desterro?! Havia sido desterrada de onde? Da Alexandria?
Sempre que passava por lá, pela rua Miguelinho, era abordado por um mendigo barbudo, com olhar de serpente, com uma espécie de boné enfiado até o meio da testa e que, nos degraus daquele templo com as paredes já meio sépia e meio amareladas, tentava vender um pequeno e antigo livreto aos que entravam nela, quase sempre homens e mulheres arqueados sob o peso de alguma desgraça e marcados pela ficção da fé e da eternidade... ("gente que só trepava ao som ou depois de ouvir os sinos...")
Que livreto seria aquele?
Numa daquelas manhãs misteriosas em que se acorda com uma alegria e uma paciência infinita, quando até o chuá chuá interminável das ondas parece nos alucinar, pedi para ver o livro: Tratava-se de um pequeno tratado sobre matemática, do conhecido filósofo Henri Poincaré.
Caralho!
Aquilo me pareceu demais!
Um mendigo recomendando Poincaré!? Em outras épocas, eu havia fotografado sua tumba lá no cemitério do Père-Lachaise, em Paris...
Enquanto, meio emocionado, manuseava o livreto já com as folhas impregnadas de cannabis, de bactérias e de maresia, ele me lançou esta frase implacável: A igreja, com seus padres, suas freiras, suas beatas, seus coroínhas, seus diáconos e suas trapaças, não deveria administrar a comunhão a quem não conhecesse Poincaré e a quem não sabe matemática! E deu uma gargalhada...
A viagem estava salva!
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