quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

"Aquilo que não esta na rua é literatura" Henry Miller


Como já confessei em outra oportunidade, se Paris tem Montparnasse e Roma a Via dei Corsi, Brasília tem a Feira do Paraguay. Uma extensão e um desdobramento da rua e o melhor lugar para se passar uma manhã de quinta-feira, de sábado ou mesmo de domingo. É lá, e não no Setor de Embaixadas que se tem a sensação e a ilusão de viver numa megalópole multicultural e multilingual. Num box estão falando mandarim, no outro árabe, no outro português, no outro idiche, no outro guarani, num outro uma língua incompreensível. E a clientela também é a mais variada. Há os velhinhos miseráveis que querem comprar a tampa do copo do liquidificador Walita da série de 1800; os revendedores de rua, os contrabandistas natos, os policiais disfarçados, as meninas que fingem estar lá para comprar alguma coisa, mas que estão em busca de clientes; há os que gostam de zanzar no meio daquelas porcarias recém chegadas da Ásia ou mesmo do Paraguay; outros que gostam de sentir o cheiro das caixas de papelão, do isopor e do papel bolha. Os que circulam por lá apenas para comer um pastel de carne moída, com queijo e ovo alternado com um caldo de cana. Fotógrafos, em busca de uma lente Cannon, 35mm usada e a melhor preço... E os vendedores, diferentemente dos do shopping, dão nós-em-pingo-d'agua, fazem trocas e milagres sobre os objetos defeituosos. Têm uma lábia que parece herdada dos fenícios. Montam e desmontam computadores, relógios, bonecas infláveis, canetas Mont Blanc, filmadoras secretas, chips misteriosos, armas de choque, canivetes disfarçados de crucifixos, lentes de contato de todas as cores, psicodélicas e descartáveis, cordas de violino, viagra, partituras, camisas de puro algodão feitas por costureiras de Bangladesh ou de Bombaim... Abat-jours supostamente com vidros de Murano. E as Obras completas de Freud num único CD se pode comprar por 14 reais. Um Kamasutra em pergaminho por 36 euros! Programas de todas as ordens, tênis falsificados e melhores do que os originais, tudo. Ali se pode comprar absolutamente de tudo, mochilas, malas, armanis, óculos com designer italiano, punhais, complementos alimentares, relógios (Smart Watch) para controlar as emoções e os batimentos cardíacos! Sim, por quê quem é que seria estúpido e ingênuo  ao ponto de confiar e de acreditar nas loucuras de seu coração?... e tudo isso pode-ser pago com moedas, cartões, cheques, fazer transferências bancárias, ou até mesmo voltar na semana seguinte para quitar as dívidas... e tudo sem a neurose e a paranóia do comércio formal, enclausurado nos shopping e nas galerias. Uma maravilha! Um velho asiático espantando os mosquitos com seu leque de bambu. As meninas da China que não falam ou que fingem não falar português se comunicam com os clientes mais por intuição do que por outra linguagem e parecem viver no mundo da lua. É verdade: estão um pouquinho gordas! A troca do Yakissoba pela feijoada não esta lhes fazendo bem! Mas são simpáticas! Parecem não estar nem aí para o corpo. Sexo?, então.., devem estar em abstinência desde o último ataque de Gengis khan. Apesar do pensamento de Confúcio pregado à parede, só farejam dinheiro. Money. Money. Trocam e Vendem de tudo! Negociam de tudo! Como se chamam? que idade elas têm? onde moram? Quando vieram ao Brasil? Ninguém tem a mínima idéia. É tudo uma maravilha. Tudo falsificado. Parecido. Duplicado. Replicado. Clandestino. Copiado. Tudo desconstruído!  Mas tudo funciona! Eis aí a maravilha das maravilhas. São elas que fazem um contraponto com a máquina obsessiva, cretina e abusiva que é o comércio mundial... Uma música das arábias emerge por debaixo de um balcão improvisado...Viva a desconstrução e a falsificação de tudo! 
O mendigo K, que estava por lá nesta manhã, e que percebeu meu interesse por aquela babilônia, fez questão de mostrar-me que estava lendo precisamente o livro do coreano Byung-Chul Han, trazido de Buenos Aires, com o titulo SHANZHAI (El arte de la falsificación y la deconstrucción en China)











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