(I) - Todos os homens nascem livres e... blábláblá, diz a faixa que arrastam por aí numa
manifestação. Haverá maior mentira do que essa? Pelo contrário, todos os homens
nascem dependentes e escravos. Uns, a custa de dinheiro, poder e astúcia,
livram-se parcialmente das correntes e do cordão umbilical, outros, os arrastam
pela vida a fora e para sempre...
E por falar em
correntes, continua aqui na França a discussão pueril/demencial do mariage
pour tous! Que retrocesso civilizatório!, quando a babaquice do mariage
já deveria ter sido banida há décadas!, seja ela entre macho e fêmea, entre
bigodudos, entre um hommo sapiens e um equino ou entre duas princesinhas do
mar... Onde estaria estruturada essa necessidade homo de exigir do Estado
autorização para casar e para adotar crianças? Alguma urgência secreta de
reparação? Seja o que for, com certeza, será algo que tem muito mais a ver com
os labirintos da pré genitalidade que com os cânones da república...
(II) - A propósito,
todas as manhãs que desço pela rue Canebière, assisto a mesma e discreta
cena: um grego, vendedor de malas arrastando umas para lá, outras para cá. As
mais coloridas coloca no alto, as mais vulneráveis sobre uma mesa. As de couro
ficam quase no meio da rua, as mais baratas empilhadas. As de estilo antigo
ficam dependuradas na parede, umas mais infantilizadas junto à caixa
registradora, etc. Mas, o que é mais interessante nessa história, é que sua
filhinha, de uns sete ou oito meses está sempre lá, em seu berço, com uma
chupeta na boca, no meio daquela bagunça toda acompanhando os movimentos
daquele, digamos, brutamonte. Ninguém esquece por aqui, muito menos os
comerciantes e os mercenários, o que escreveu Montesquieu: “le commerce est l’objet de
Marseille”. Daqui a uns vinte e tantos anos, quando aquela criança já tiver
recebido seu titulo de dentista, advogada, professora ou de qualquer outra
coisa, ninguém (nem ela própria) entenderá por que trata sua profissão e seus
clientes como se fosse uma simples vendedora de malas...
(III)
- Dois velhos árabes sentados há mais de duas horas aqui ao sol de um café na Cours
Belsunce, com aquele ar de sabedoria de deserto, especulavam: Não será o
Irã, nem Israel, nem os gringos e muito menos o gorduchinho coreano que fará o
mundo virar cinzas, mas a depressão e a demência... Se o mundo ainda funciona –
concordavam – (os aviões voam, as padarias fazem seu pão, os mercados abrem
todas as manhãs e etc) é graças a uma minoria que ainda está imune, pois o grande
e carimbado rebanho, só cumpre comandos e só faz o que se lhe ordena... O
primeiro concordou com um leve movimento de cabeça e completou: logo, muito
em breve, todo o gênero humano estará lelé da cuca, gagá e despirocado, e não
saberá mais diferenciar os sinais da hecatombe dos do bonheur. As padarias,
os cafés, os aeroportos, as estações de trem e os navios... tudo estará a
deriva... As mulheres, que vivem bem mais do que os homens, estarão por aí,
velhinhas, cheias de colares e de badulaques, tagarelando horas a fio e
tentando inutilmente concluir se a maré está para peixe ou não... Nessa
hora os dois explodiram numa gargalhada típica dos mouros ateus... e um deles
concluiu: até que outro germe ou outra semente caia por aí, em algum
pântano, o sol a faça germinar e tudo recomece até chegar ao estagio babaca de
agora...
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