Não tem jeito, as cidades
estão sempre e ad eternum em reforma. Podes ir de um extremo a outro do globo
que encontrarás máquinas, tratores, escavadeiras, pedreiros, poeira,
britadeiras, cheiros e desvios. Apesar de ter sido um assunto cult nos últimos
anos, a construção das cidades pode ter sido o maior dos erros da espécie, o
fim da errância e o marco zero da preguiça e do sedentarismo. Um lugar onde
floresce a promiscuidade entre descargas
e onde se misturam os esgotos... Aliás, quando a hóspede do quarto de cima
resolve sentar-se no vaso é como se estivesse colocando em risco minha
sobrevivência. Se não fosse tão impróprio, nesta hora pelo menos, poderia
descrever (escatologicamente) em detalhes a abertura e o fechamento de seus
esfíncteres... Mas a cidade do Porto é interessante. Num domingo como este você pode ir
da Ponte do Infante para a Igreja dos Grilos, para a Feira do Fumeiro, para o
Castelo do Queijo ou para a Marisqueira dos Pobres e, claro, dando uma parada de vez em quando numa confeitaria para devorar um doce chamado telha. Ele redime os lusitanos de todas as idiotices que andaram fazendo pelo mundo... E nem precisa falar da Ribeira com
seus prédios quase despencando... O amor dos portugueses pelas ruínas sempre me
chamou atenção. E eles são inconfundíveis. Os com mais de 50 anos, então... são
identificados em qualquer lugar do mundo. Sempre desconfiados, sempre prontos
para dar uma cusparada e sempre olhando para o chão como se estivessem a procura
de alguma moeda. Parecem os inventores do bullying e transitam com naturalidade
de uma aparente ingenuidade para a mais feroz das malignidades... Mistura de
ciganos, de mongóis, de mouros, de visigodos, de extraterrestres?... Saber que
foram eles que instituíram os cânones principais aí no Brasil e ainda ter
alguma esperança, é realmente não dar crédito nenhum à tirania dos genes...
Mas a noite foi excelente! A
camareira jogou um edredom quase da espessura do colchão sobre minhas pernas,
apagou a luz e forçou a porta só até ouvir o clac da fechadura. A uns 100 metros
daqui, descendo uma escadaria como a da Torre de Babel, chega-se às margens serenas do Rio Douro...
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