Essas quinhentas e tantas pedras que nos remetem tanto aos parlamentares como ao crack foram levadas aí para a frente do Congresso Nacional por uma confraria que se intitula Força Jovem Brasil, com a vã pretensão de sensibilizar os quinhentos e tantos "representantes do povo" quanto à precariedade (ou à inexistência) do tratamento aos viciados. Mas não será um romantismo exagerado querer sensibilizar pedregulhos? É impressionante como somos um povo que gosta de protestar e de dizer as coisas sempre por tabela, por símbolos, parábolas, metáforas, signos, rodeios, circunlóquios etc. Já vi cravado aqui nesse mesmo gramado quase tudo o que se possa imaginar: cruzes, vibradores, vassouras, animais, velas, foices, camisas de vênus, caixões de defunto... é justo que hoje seja o dia das pedras. E tudo sempre deu em nada! A mídia vem, faz umas fotos, cumpre a pauta, depois aparece um caçador de votos com as mangas arregaçadas para fazer uma média, amanhã os lixeiros recolherão as sobras da performance e pronto. Passei casualmente por aqui indo à livraria do senado buscar o livreto recém editado: O velho Senado, de Machado de Assis. Apesar de ainda o considerar um vaselina de primeira acreditei que o livro pudesse conter uma crítica radical àquele antro, mas quando vi que sua apresentação havia saído da caneta do Presidente da casa perdi toda e qualquer esperança. Nada é mais frustrante neste país do que essa transidentidade generalizada. Ninguém é predominantemente alguma coisa (coisa alguma) e o relativismo chegou a níveis de loucura. Usuários de crack - por exemplo - mesmo com os cachimbos acesos ficam repetindo o discurso da polícia; ateus fazem o sinal da cruz antes do jantar; corruptos de carteirinha promovem discussões intensas e moralistas sobre o desvio de verbas; juízes acham um escândalo a hipotese de serem julgados, cortesãs defendem com unhas e dentes a estrutura familiar; direitistas fazem demagogia esquerdista e vice-versa dependendo da conveniência. Parece haver por aí uma epidemia de transtorno de personalidade onde são raros os casos de identidade razoável e soberana.
- Sou isto, mas, veja bem... veja bem... posso ser outra coisa!!! Fui ontem, mas hoje não sou mais!!! Vamos ver, tudo depende de um milhão de variáveis! Quem sabe! Sou sério mas não sou bobo!!!
Os valores se modificam como a lua ou como as marés e desculpas sociológicas ou filosóficas é que não faltam para toda essa leviandade. Gênios, medíocres e cafajestes se confundem por todos os lados, ladrões e almas piedosas sobram pelas esquinas e cada dia mais a necessidade compulsiva de elogiar vai apodrecendo, corroendo e pisoteando essa cultura. Observem como em todos os setores há uma pantomima nojenta de elogios. Só se sabe elogiar! Inclusive aquilo que não se gosta ou aquilo que nem se conhece! Nos arredores e na entrada do Senado policiais de todos os tipos e por todos os cantos. Câmeras, identificadores de metais, guarda-costas e motoristas armados. Executivos, assessores, autoridades, representantes desta ou daquela organização para lá e para cá, todos com o perfil, como dizia o próprio Machado de Assis, de quem prefere um quarto de carneiro a uma página de Longfellow.
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