Os debates: tão ou mais indigestos que o Bolero de Ravel...

Por  teimosia, tentei acompanhar os debates de ontem à noite entre candidatos aos governos dos Estados. Todos idênticos! A expressão corporal deles é a mesma! Dizem as mesmas coisas! Escravos de alguns advérbios e de alguns adjetivos, pretendem enganar as massas com as mesmas promessas e com os mesmos argumentos. Nem eles e nem os entrevistadores conseguem sair das cinco teclas de sempre: SAÚDE... EDUCAÇÃO... COMIDA... MORADIA... SEGURANÇA e ORGANIZAÇÃO...

Estou ouvindo essa babaquice desde que nasci, e já vamos para quase um século! 

Quê miséria!

Enquanto os povos mais lúcidos estão fazendo de tudo para livrar-se dos hospitais, nossos candidatos, que confundem saúde com medicina, prometem construir um em cada esquina! Ora, seguir falando em construção de hospitais sem resolver a questão dos esgotos é jogar pérolas as porcos! E mais: se tivessem lido Jayme Landmann, saberiam que "O estado preocupa-se com a saúde do individuo apenas em função de sua utilização como instrumento de trabalho e não em função de suas esperanças, de seus anseios, de seus temores ou de seus sofrimentos...".

Quanto à educação, insistem em voltar aos velhos e carcomidos tabus pedagógicos de outrora e em colocar fé em professores/apóstolos/missionários, semi alfabetizados e em escolas que, arquitetonicamente, são verdadeiras penitenciárias, sem tomarem consciência de que - como dizia aquele sábio italiano - com trinta anos de automobilismo as galinhas aprenderam a atravessar a estrada e que, com o tempo, as traças aprendem a bichar até a própria naftalina. É curioso que esses senhores, oriundos dos mesmos guetos, ainda não tenham percebido que uma briga de galos, num final de semana, desperta mais interesse (tanto nas crianças como nos adultos), do que Sócrates em quase três mil anos...

Comida. A obsessão por comida é incrível! Comer de três a cinco vezes por dia! Colocar comida na mesa! (Haverá frase mais escatológica do que esta, principalmente quando regurgitada por um candidato?) Prometem enfiar comida guela a dentro de todo mundo, mesmo daqueles que não estão aptos para a engorda e que não pretendem submeter-se a uma bariátrica no futuro.

E sobre moradia, (mesmo os que moram em chácaras paradisíacas, em mansões e quase jardins de Hespérides) não se cansam de insistir que a vida ideal é dentro de quatro paredes, confinados por cercas como búfalos, enfiados nessas casinhas tipo cadeias ou nesses protoapartamentos (engendrados pelo Niemayer), piores do que gaiolas, dependurados no meio das nuvens e aptos a despencar, como as pontes lá no Amazonas... A propósito, que o estupendo Teatro Amazonas ainda não tenha despencado é quase um milagre! E você, hypocrite lecteur, mon semblable, mon frère, contrataria um daqueles engenheiros amazonenses para construir o seu galinheiro?

E o mito da segurança? Ah, nesse ponto todos falam com galhardia e quase babando. A polícia! Ah, a sociedade ideal para eles é aquela onde cada jornalista, cada pastor e cada pasteleiro será um policial... Ah, a polícia salvará o mundo! Tanto a dita esquerda, como a dita direita pretendem encher as cidades de policiais. E uns mais armados do que os outros que só se diferenciam pela cor dos uniformes e pelo calibre das pistolas. Ora! isso é uma idiotice! Uma espécie de paixão pelo cassetete e pelas correntes! É levantar uma pedra para deixá-la cair sobre os próprios pés...

Ordem & Progresso!

Organização! Organização! Organização!

Organization!

Organizzazione!

Organización...

Leio na página 127 de (P): "'É a organização que amesquinha até as coisas mais belas: em cada cidade há um cárcere; em cada casa, a privada; em cada corpo humano, o tubo digestivo. A organização é mais vergonhosa do que o caos. Os pais irritam os filhos, e depois se queixam se estes os detestam; os taberneiros envenenam os clientes e, quando estão bêbados, chamam a polícia; a burguesia obriga as mulheres a se venderem e depois as chamam de putas..."