O sabiá de Gonçalvez Dias...

"MEDICINA - A arte de levar à morada eterna com palavras gregas..."(P) 

 

Nesta sexta-feira, meteorologicamente confusa, um sabiá veio gorjear aqui em minha trepadeira, às 4:45, em ponto. E não foi apenas um canto, foram muitos cantos, corruptelas, assobios. Como na parede de frente de minha cama há um relógio desses de manivela, que minha tataravó contrabandeou de Fonzaso, prestei atenção e registrei: 11 pequenas gorjeadas por minuto. Como ficou ali gorjeando até às 5:40, (quase uma hora), foram 605. E o pior: umas gorjeadas absolutamente iguais às outras. Parecia começar em La, saltar para Re, fugir de Sol e de Mi, dar uma rápida rebuscada em cordas soltas, fazer um sustenido em RE, voltar em La... e sem respeitar as distancias entre as notas musicais, repetir tudo. Pensei em dar-lhe um tiro, mas lembrei da Canção do Exílio de Gonçalvez Dias...

O mais curioso foi que às 5:39 em ponto, um minuto antes dele silenciar, teve início uma sinfonia de cigarras. Fiquei pensando: Teriam sido elas a calar o bico desse babaca? Haveria um código? Um rodízio, uma agenda? Um loteamento de território e das horas? Um rateio do tempo entre esses bichos impertinentes e inúteis? Pensei na ironia de Bashô, (o poeta japonês) quando encontrou a casca de uma cigarra colada à uma cerejeira: cantou-se toda!

Enfim, o sabiá caiu fora, e a madrugada seguiu sob a histeria daquele milhão de animaizinhos asquerosos e primaveris, cada um acionando um instrumento com afinação diferente da do outro. Por sorte, isso durou menos de meia hora. Misteriosamente, todos silenciaram... E eis que então, o telefone tocou: era uma tal de Jaqueline, oferecendo-me um novo plano, agora, "maravilhosamente turbinado por fibras óticas..." Lhe respondi com todo meu bom humor matinal: e já que estamos falando em fibra ótica, no rabo, não vai nada?