sexta-feira, 14 de outubro de 2022

O bispo, os dragões... e o Jorge da Capadócia...



"Um país livre, é um país onde cada qual pode dizer o que lhe parece e  
onde ninguém é obrigado a escutar o que outrem quer dizer..."

Edouard Herriot

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Nesta semana, com a Basílica de Aparecida lotada de fiéis, o bispo que administrava os rituais, dirigiu-se aos peregrinos com uma temática infantil: os dragões... Quais as crianças que não se lembram de uma vovózinha caduca inventando historinhas de dragões para obrigá-las a comer, a fazer cocô, a escovar os dentes, a fazer as lições ou a dormir?

Segundo o reverendo, esta década foi e ainda está infestada de dragões que devem ser combatidos e derrotados. Não mencionou diretamente o Jorge lá da Capadócia, mas os fieis o revisitavam por conta própria, em seu cavalo branco, com sua lança e lutando com a fera para salvar a menina que estava prestes a ser devorada... Lembram? 

E os peregrinos, fatigados, com Band-Aids e esparadrapos nos dedos dos pés e com ataduras nos joelhos, loucos para tomar um banho, uns bocejando e outros dormitando, ávidos por algum milagre, ouviam aquela prédica sobre o bicho-papão com uma certa regressão e nostalgia da infância... 

Mas afinal, o que aquele representante de deus estaria querendo dizer com Dragão da Covid? Dragão da fome? Dragão do Desemprego? Dragão da Mentira? Dragão do ódio?.. Por pouco não discorreu sobre o Curupira, o Chupa-Cabra e o Basilisco. Lembram do Basilisco? Estaria, por alguma razão misteriosa, apenas querendo incutir-lhes um pouco mais de pavor? Mas estava na cara que aquela multidão tinha mais medo de viver do que de morrer...

E por que seguia insistindo que o dragão era símbolo do demônio e do mal? 

Estaria atacando o Bolsonaro? O Lula? O Ciro? Ou outro dos políticos de plantão? Ou, seu conflito era realmente apenas com os Dragons  inconscients? Ah, mas já estamos tão distantes da Idade Média! Quem é que ainda se lembra dos bestiários que assombravam o fundo das igrejas? E o que deveriam sentir os peregrinos sendo tratados como crianças? Saberiam digerir aquelas metáforas? 

E os dragões (que também são filhos de deus), diante daquelas calunias, se pudessem, o que replicariam ao palestrante? Na China, todo mundo sabe, o dragão (principalmente o vermelho, ao contrário do que afirmava o reverendo) é quase divinizado e associado à prosperidade, à vitalidade, ao bem e à boa sorte. E quem já vagabundeou pelo país de Gales, viu que na bandeira deles também há um estupendo dragão vermelho...

Enquanto olhava atento para aquela multidão de 'condenados da terra', o Mendigo K. que sempre acreditou que os verdadeiros dragões estão além do Bem e do Mal, ia se perguntando: quando é que, por fim, conseguiremos passar da teologia para a antropologia?

 


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