"Um imbecil pode passar a vida inteira pensando por que o vidro é transparente, enquanto o canalha pega o vidro e faz uma garrafa..."
M. Górki, (em Pequenos burgueses)
Nestes últimos dias, questões sexuais assaltaram as pautas dos jornais e também o imaginário das donas de casa que hoje, quinta-feira, só falam do caso do Presidente da Caixa Econômica, que está sendo acusado por um pelotão de mulheres, suas assessoras, de terem sido galanteadas & assediadas por ele. E gesticulam, olham para os lados, aumentam e diminuem o tom da voz, ora acreditando em tudo o que ouvem dos animadores de platéias, ora, a respeito de sexo, dizendo serem mais céticas do que o filósofo Pirro.
Analisam, arregalam os olhos, fazem um breve silêncio, julgam e dão o veredicto : homens cachorros! Mulheres galinhas!
No meio de minha caminhada encontrei um velhinho aposentado que, percebi logo, está mais mentiroso e mitômano do que quando estava na ativa. Já foi Diretor Presidente de uma multinacional, se orgulha disso e ainda gosta de contar vantagens sobre seu antigo poder, suas antigas canalhadas e conquistas.
Estava abertamente indignado com a desgraça que se abate sobre o presidente da caixa, sobre a hipocrisia nacional e foi falando: Ora, no meu tempo, tudo era diferente! Na empresa que eu comandava trabalhavam umas trinta mulheres, uma mais encantadora do que a outra. Cada quinze dias eu passava uma semana com uma delas ou no Caribe, ou nas Ilhas Gregas, ou em São Francisco, ou num chalé nos Alpes. E nunca ouve conflito. Elas próprias me convidavam, escolhiam os vinhos e éramos felizes. Quando voltávamos, era visível como nossos olhos brilhavam, como o respeito por nós havia aumentado na empresa e na comunidade e como aumentava a capacidade delas no trabalho. Os negócios cresciam, turbinavam nossa credibilidade, estávamos todos felizes, amorosos, com os salários cada vez mais altos. Nunca me acusaram de assédio, aliás, nunca assediei nenhuma, pelo contrário, elas me apresentavam roteiros e convites. Éramos felizes! Realizados! A sexualidade fazia parte da grande família que era a empresa. Na verdade, de tão familiares que eram as relações na empresa, se poderia até dizer que vivíamos numa espécie laica de incesto. Líamos as teses de Wilhelm Reich e sabíamos o quanto a sexualidade, o toque, o afago, o abraço, as carícias, o gozo eram cruciais para a saúde mental, para a criatividade e até para nossos impulsos revolucionários. Enquanto que, o moralismo, a repressão, o pudor, o mau humor, a negativa, pelo contrário, eram sinônimos de adoecimento, de desastre e de misérias...
Não entendo o que está acontecendo agora, nos últimos tempos. Em questões amorosas estamos regredindo. Moralismos, crendices e preconceitos que até nossas bisavós já haviam superado, estão voltando, e o sexo volta a ser coisa suja, maligna, de putas, do demônio! Que miséria!
Mas não se iluda, aqui em Brasília, a esse respeito, quem poderia se atrever a atirar a primeira pedra no tal Presidente da Caixa...
E sabia que até Goethe, o poeta maior dos alemães, o cara que escreveu Fausto e que gostava de falar em afinidades eletivas, teve sua manhã de assediador? Sim, no meio de uma inspiração, foi receber Christiane Vulpius, a mulher que entregava leite em sua casa de Frankfurt, olhou para aquela "polaca" saudável, trêmula e tímida e pediu que ela entrasse. Ela entrou e nunca mais saiu...
Deu uma gargalhada e apontou para uma senhora de uns 80 anos, gorduchinha, com um vestido cor de vinho, meio palmo acima das rodillas, que vinha sedutora e risonha em nossa direção e concluiu:
Está vendo essa lunática aí que está vindo em nossa direção? Foi minha última assessora e minha última conquista. E foi lá num cassino da riviera francesa...
"... el tango, ese reptil de lupanar - como lo definiría Lugones... (...) Antes era la orgiástica diablura; hoy es una manera de caminar... (...)
Parejamente, en una de las páginas de Kim, un afghán declara: 'A los quince años, yo había matado a un hombre y procreado a un hombre', como si los dos actos fueran esencialmente, uno."
Como se houvesse, entre nós, uma espécie de esquecimento irreversível...
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Hoje, terça-feira, no boteco da esquina de sempre, a discussão política estava acalorada. Havia militantes de três partidos concorrentes para as eleições de outubro. (era um típico viveiro de papagaios politicamente corretos!) E se acusavam disto e daquilo. Cada acusação tinha sua réplica e até tréplica. A tônica central era a corrupção. Qualquer forasteiro que assistisse aquelas acusações concluiria que, de tanto os militantes insistirem na temática e se acusarem de corruptos, os tais candidatos deveriam ser um mais bandido e mais ladrão do que o outro. E, curiosamente, não se falava em Programas de Governo. Ninguém sabia em que o candidato X era diferente do candidato Y e o que cada um pretendia fazer, de transcendente, caso fosse eleito.
Ninguém falava de estradas de ferro, mesmo sabendo que um país sem ferrovias será sempre suburbano; nem de hospitais; nem de rios; nem de currículos universitários; nem da higiene nos restaurantes; das máfias dos pesticidas lançados sobre os pimentões e os tomates; nem das máfias dos bancos; dos transportes; dos medicamentos; das máfias acadêmicas; das máfias, da fé, da propaganda, da cultura. Nem das máfias dos partidos e dos cartórios; das máfias das enchentes; nem do inferno das penitenciárias; nem da proliferação de seitas, cada uma mais ladra e surrealista do que a outra e todas explorando os mesmos rebanhos e as mesmas divindades até para fins absolutamente contrários... E, pior, ninguém deu um pio a respeito da superpopulação e nem do controle de natalidade.
Só acusações mesquinhas, mútuas, maledicências, ameaças, denuncias...
E quando alguém pedia provas de alguma acusação que estava sendo vítima, as respostas nos faziam lembrar daquela velha e conhecida crônica árabe de Alwakidi: "Fui informado por Ahmed Almantín Aljorhami, quem soube através de Repha Ebn Kais Alámiri, quem diz ter sabido através de Saiph Ebn Fabaláh Alchátquarmi, que, por sua vez, soube através de Thabet Ebn Alkamah, quem disse haver estado presente durante o momento da ação."
Bah! Mas afinal, o que teria acontecido com essa gente? As perspectivas para os próximos anos são mais do que brochantes...
"Um filho de boa família esbofeteia o atrevido que ousa duvidar da virtude de sua mãe. Ele próprio, porém, dá a entender que a avó teve as suas aventuras; e vangloria-se no caso de haver a sua trisavó gozado do favor de Luis XV. Logo, a vergonha das nossas mulheres converte-se em glória, à medida que se afasta de nós..." (About)
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No boteco da esquina, nestas vésperas de eleições, com dois bandos se preparando para a frente de batalha, o que mais se fala é em LUTAS DE CLASSES (sim, no plural).
O Mendigo K ouvia e, de vez em quando, resmungava: Marx e Engels se equivocaram, a luta não é entre classes sociais, é entre raças. E antes que os militantes ameaçassem expulsá-lo do local, colocava sobre a mesa o livro que estava lendo: Mulher e escrava, da Sonia Maria Giacomini. Leiam isto aqui, seus ignorantes e fanáticos! Bradava.
Ou vocês acham que depois do que fizeram com os negros, a coisa iria ficar por isso mesmo? Que basta aparecerem negras e negros nas novelas, nas propagandas, nos filminhos eróticos, como coroinhas e no meio de Damas de Caridade, para que tudo seja esquecido? Ingenuidade! Mesmo os negros analfabetos, que não conhecem a história e que não sabem o que seus ancestrais passaram lá naquele Rio de Janeiro de 1800 nas mãos dos escravocratas, trazem em seus genes todas aquelas loucuras lusitanas praticadas contra suas bisavós, avós e etc, e praticadas, às vezes, até no meio da declamação de alguma bobagem de Camões, tirada lá dos Lusíadas.
E este, se quiserem saber, é o motivo principal da luta racial que está em curso e que não será resolvida por memorandos e nem por Decretos. Lembram da Roda dos Expostos? Para onde os senhores mandavam as crianças das escravas, antes de alugá-las? (Entre 1861 e 1874, para vosso conhecimento, foram entregues à tal Roda, 8 mil e tantas crianças, filhas de escravas, das quais, quase 4 mil morreram). Lembram das escravas que quando eram cobiçadas pelos senhores, passavam a ser torturadas e mutiladas pelas senhoras enciumadas? Das escravas que eram usadas para iniciar sexualmente os filhinhos dos senhores? E das escravas que engravidavam na marra, dos tais senhores? (Neste particular, fazia um intervalo, para lembrar que até Marx, o teórico da Luta de Classes, comeu sua empregada doméstica e teve um filho com ela e, pior, colocou a responsabilidade no Engels, que era outro babacão e que também devia comê-la).
Observem: só se diz Luta de Classes para higienizar um pouco a loucura e a demência dos povos e da espécie. Mas no fundo, na essência, a luta é racial e entre tribos. Lembram dos Muras, dos Munducurus, dos Saterês Mawê, dos Araras, dos Sapupês, dos Apiakás e outros tantos, quese trucidaram entre eles durante décadas, na ilha de Parintins?
Os negros nos olham enviezado nas ruas e nós a eles. Os ciganos são mal vistos por todos e não toleram sociedade alguma. Ninguém confia nos indígenas e os indígenas desprezam completamente os não indígenas. Os judeus detestam quem não é judeu e os não judeus idealizam para eles um novo holocausto. Os alemães não suportam ver os turcos comendo suas salsichas na periferia de Berlin e por sua vez, os turcos adorariam fazer com eles o que fizeram com os armênios. Os mexicanos são humilhados e pisoteados na fronteira com os Estados Unidos e os gringos no México são considerados uns idiotas. Os chineses e os japoneses estão ansiosos para um acerto de contas final. Os portugueses ainda não digeriram a derrota sofrida lá no Marrocos, na batalha de Alcácer-Quibir e a espera obsessiva deles pela volta de D. Sebastião, além de fé é uma senha. Os chineses e os indianos estão disputando para saber quem será mais rápido no gatilho. A intriga entre os palestinos e os israelenses já faz parte do Status Quo e os dois bandos têm sonhos parecidos: a eliminação do outro, seja da classe que for. Os berberes e os árabes ainda se olham meio atravessado. Os russos pretendem tocar fogo em Kiev e já os ucranianos adorariam implodir o Kremlin. Os chilenos e os grupos Maputos se detestam mutuamente. Os visigodos adorariam voltar a saquear Roma e os romanos, por sua vez, adorariam voltar a roubar as riquezas gregas e apropriar-se de tudo o que respira às margens do Mediterrâneo. Agamenon voltaria a infiltrar seus cavalos em Tróia, independentemente de Helena estar lá ou não. Os espanhóis sonham com aqueles dias gloriosos em que degolavam incas e soltavam seus cães contra as mulheres e crianças nativas do Novo Mundo. Os nordestinos adorariam ver a região sul transformada num imenso deserto já, os sulistas, sonham em ver o nordeste submerso por um novo dilúvio. Os calvinistas e os católicos ainda se cheiram as botas, uns dos outros, como cachorros, antes de se cumprimentarem, assim como os irmão Atahualpa e Huáscar voltariam a sacrificar suas tribos para disputar o Império Inca. Da mesma forma que Abel e Cain, na periferia do paraíso, voltariam a se dar pauladas na disputa, não pela complacência ou pela cumplicidade divina, como se diz, mas pelas tetas e pelo amor da mãe.
E, por fim, lá nos Estados Unidos, naquele país que é um mosaico de raças, e que, paradoxalmente, já fizeram de tudo para eliminar outros grupos racias, mundo a fora, a Suprema Corte acaba de tornar Lei o direito de cada um daqueles idiotas andar armado. Para muita gente que não pode ver uma pistola sem desmaiar, a ideia central, dessa decisão, apesar de parecer uma apologia à renascença, à liberdade, e à democracia é, mais bem, um truque para promover a Lockheed Martin e paracriar condições para que a Luta de Raçasavance e para que, sutil e espontaneamente, vão se eliminando entre elas, chegando assim, quem sabe, ao ideal sonhado dos supremacistas:a limpeza étnica...
Enquanto isso, Penélope segue tecendo seu interminável sudário e à espera de Ulisses...
O Mendigo K estava ali na padaria francesa cercado por cinco seis mendigas, todas com camisetas marcadas por slogans feministas. Sobre os peitos da mais falante, a frase: meu corpo, minhas regras!
Falavam calorosamente sobre o caso da menina de 11 anos, lá em Santa Catarina, que está grávida, proibida de abortar, e das caóticas decisões judiciais a respeito do assunto. Curiosamente, nenhuma palavra sobre o abusador...
Aborta ou não aborta? É crime ou não é crime? 22 semanas e meia ou a eternidade? É pecado venial ou capital? O que o caso provoca no coração da gerontocracia judicial? E no coração de Deus? Dos santos? Das virgens? Da esposa do magistrado? Ah! e o que vai pensar o vigário? O que dirá nas oito missas de domingo? E haverá excomunhão?
Ah! estamos muito atrasados! Até as mulheres do neolítico ou mesmo as do paleolítico ficariam boquiabertas!
A discussão era intensa e transcorria no meio de grandes tragos de capuccino cremoso, em xícaras Versace. E as militantes estavam visivelmente frustradas pelo fato dos absurdos judiciais não estarem sendo praticados por homens (aqueles gorduchinhos de bigodes a la fuhrer e de ternos), mas sim por duas simpáticas senhoras, uma juíza e uma promotora. Ah, se os responsáveis por aquelas decisões esdrúxulas que estavam sendo cometidas fossem homens! Haveria passeatas e seria, inevitavelmente diagnosticado como machismo e como ignorância histórica... uma declaração explícita de misoginia. De ódio contra as mulheres e contra o sexo. Mas, as autoras daquela idiotice são mulheres. Uma juíza e uma promotora! Duas elegantes mulheres. O que pensar?
Uma delas, a que estava sentada ao lado do Mendigo e que recentemente havia defendido uma tese doutoral sobre a Teoria da Evolução e os porres de Darwin lá nas Ilhas Galápagos, refletia e até ligava para seus 15 ex-orientadores, tentando saber como é que, depois de milênios de desgraças sociais, ecológicas e populacionais, os óvulos, mesmo de uma criança, não haviam aprendido a identificar e a rejeitar espermatozóides trapaceiros?
E, vice-versa: como é que depois de tanto tempo, de tantas caravanas e de tantas loucuras, os espermatozóides não haviam aprendido identificar e a rejeitar aqueles óvulos que, se fecundados, lhes criariam aporrinhações e problemas para sempre?
O Mendigo K só ouvia. Acompanhava a discussão. De vez em quando lançava uma pergunta curta, objetiva e breve, sempre em defesa incondicional daquela criança grávida, e depois resmungava: Ah! sãorestos de velhos tabus selvagens, sistemas de proibições com superestruturas ideológicas variáveis... O que é grave mesmo, é a gravidez da sociedade! Como abortá-la?
Outra, sem distrair-se, folheava o livro de um filósofo argentino, cujo título era: Porquê te amo, não nascerás, e de vez em quando murmurava uma frase de Cioran: parece cada vez mais evidente que já não existe substância em nenhuma parte e que nossos antepassados nos legaram suas almas esfarrapadas e suas medulas carcomidas...
Papo vai e papo vem, e todos eram unânimes na ideia de que nosso atraso é vergonhoso. E de que, numa sociedade mais razoável, (no futuro?) qualquer mulher, de onze ou de oitenta anos, poderá abortar a hora que bem quiser e que bem entender, e até no quiosque da esquina, se desejar, e não apenas pelo bem estar dela, mas também do feto, e sem pedir autorização à policia, ao Supremo e nem ao Papa.
Sim, porquê, enquanto social e moralmente somos ainda uma tribo retrógrada e um concílio de ladrões, o que é que o planeta tem a oferecer neste momento a um bebê? E mais: filho de uma criança? Além de um CPF, de um titulo de eleitor e de uma Carteira de Trabalho?
Portanto, o aborto deve ser livre e espontâneo, tanto por amor à mulher como por amor ao feto. E independente da gravidez ter sido cometida por um delinquente; por um representante de Deus; por água tirada do Ganges; por um remanescente da junta dos cosmógrafos; ou por um banho, como no caso da esposa de Shiva; ou por uma beberagem da Fonte de São João; ou por umas gotas da fonte dos gênios Sin-el-Djenoun, lá no Marrocos; ou depois de comer duas ou três cerejas pretas da China, aquelas que engravidaram a virgem Fécula...
Seja qual for a razão da gravidez, se ela não é desejável e nem fará bem para a mãe e para o feto, qualquer sociedade que tem vestígios de vergonha na cara, deverá prover imediatamente o aborto, em silêncio, sem estardalhaços e com dignidade.
Enfim, o que é escandaloso nesse caso, não é apenas a gravidez de uma criança, mas o comportamento disso que se chama sociedade organizada, democracia, cidadania e outras idiotices, todas à serviço de um moralismo caduco e de uma religiosidade primitiva...
Em vista do que se está vendo, e não apenas neste caso, mas numa série de outros casos, análogos e parecidos, é urgente e fundamental que as escolas de Direito e de Medicina, enfim, se tornem laicas e incluam em seus currículos, dois anos de antropologia, dois anos de filosofia e cinco anos de análise aos pretendentes ao diploma, antes de soltá-los por ai, alforriados e aptos a eternizar o atraso. E isso deve valer, não apenas para os filhos dos peixes mais graúdos, mas inclusive para os guardinhas da esquina e do mercado, com seus trabucos na cintura e que ainda acreditam que é o sol que se move... e, pior: que nosso Reino não é deste mundo...
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A propósito:
"No México, os indígenas de Oraiba, consideram o seu montezuma nascido de uma virgem que ficou grávida por obra da chuva... (...) Afrodite Urânia dos gregos, nasceu da espuma do mar... (...) Na Austrália, a divindade Kunya, talhava os filhos nas raízes de pandanus, introduzindo-os depois nas mães virgens. (...) Na Europa da Idade Média, corria a lenda de que quem comia flores-de-lis ficava grávida, pois tais flores nasciam do sangue ou das lágrimas derramadas por um homem. (...) Na Prussia, se dizia que se as moças comessem testículos de cabritos, touros ou de ursos, poderiam engravidar. (...) Na Grécia se acreditava que a tribo dos lotofágios descendiam do Lotus. (...) Na Palestina se diz que a filha de Abrahão ficou grávida só em cheirar uma flor da Árvore da ciência do Bem e do mal. (...) Na Inglaterra se ensinava que as crianças brotavam das salsas, ou dos repolhos... (...) No Egito, dizia-se que a deusa Maat, deusa da verdade e da justiça, foi concebida pelo ar. (...) No Mahabharata (o mais longo poema épico (220 mil versos) se diz que foi de um Ovo Primordial que surgiu Brama. (...) Se acredita que um rei da Coréia teve uma filha que foi fecundada pelos raios do sol, (...) Se Pritha, filha de Krishna, foi fecundada pelo sol e mesmo depois do parto, continuou virgem. (...) Na China, Se Viu-Tang, a mãe do imperador Chin-Noung concebeu por graça de um espírito que lhe apareceu vestido de uma longa roupagem bordada e trazendo na mão uma flor perfumada, cujo aroma a engravidou. (...) No Japão, a mãe de Sotoktais, viu em sonhos um santo circuncidado de raios luminosos que lhe disse: 'Eu, S. Douro-Cosars, renascerei ainda para doutrinar o mundo e descerei com este fim ao teu seio'. Despertou grávida. A criança nasceu à porta de um estábulo e chamou-se Moumaya-Dono-Osi. (...) Na Escandinávia e também em Madagascar, as moças se esfregavam em determinadas pedras de forma oval para engravidar. (...) No Egito, o boi Ápis, adorado em Memphis, nasceu de uma bezerra fecundada por um clarão, parecido a um raio lunar, descido dos céus. (...) Nas ilhas Banks, da Oceania, as mulheres levam para a cama determinados tipos de pedras fálicas, para por elas serem fecundadas.(...) Em Anam, pisar nas pegadas de Buda se podia engravidar. (...) Na Babilônia, dizem que o deus Sargão, que ali viveu entre 3800 e 3760 Antes de cristo, também nasceu de uma mãe virgem. (...) Na Austrália central, as mulheres que querem engravidar se colocam de cócoras diante dos turbilhões de poeira. (...) No Oriente Médio, entre os idumes, se dizia que uma moça teria sido apaixonadamente amada por uma serpente. (...) Na Ásia Oriental todos os fundadores de dinastias se diziam filhos de mães virgens..." Ver: Max Sussol
"en estas honestas bocas en las que las bronquitis acumulan las notas más sorprendentes..."
Paul Verlaine
(IN: Mis hospitales y mis prisiones)
É, no mínimo, curiosa a obsessão do planeta em cacarejar sobre o preço do barril de petróleo e com isso justificar o roubo que vem sendo perpetrado, não apenas nos Super Mercados, mas até nos mercadinhos de esquina! As caixeiras e os gerentes, que não sabem nem quem foram seus avós, estão com a frase pronta para contestar à velhinha que reclama do preço de um ramalhete de cebolinha:
- Ah, cliente, é que o Barril de Petróleo, lá na Arábia Saudita subiu para 148 dólares!
Na porta do estabelecimento uma turma de dementes enfurecidos, com uma foto imensa do Getulio, outra do Brizola e outra da Madre Tereza, gritavam: O Petróleo é Nosso! O petróleo é nosso!
Mas é curioso, também, que diante de tal crise, não se decrete, de uma vez por todas, o fechamento definitivo dos poços desse vil combustível e se passe a usar novamente o carvão; as juntas de bois ou de cavalos. Que se convoque outra vez os coolies asiáticos, com seus riquixás...
Um bobalhão que costuma circular por ali, todas as manhãs e que já foi visto frequentando tanto a Catedral; como a Mesquita; a Sinagoga; um centro de Umbanda; O lar de Allan Kardec e até uma nova confraria calvinista, ouvindo que falávamos sobre poços de petróleo, pensou logo na destruição do meio ambiente e, abrindo o grosso volume que levava num saco de plástico recitou algo que, depois, fomos saber, está lá em Deteronômio 20:19;
{...Se por muito tempo sitiares uma cidade, combatendo contra ela para tomá-la, não lhes destruirás as árvores, brandindo contra elas o machado; porquê hás de comer do seu fruto, e por isso não as cortarás; por ventura, as árvores do campo são homens para que as sities?]
Só teve tempo de pronunciar a última palavra. Sua mãe, uma senhora gorducha, ainda enfiada em sua anágua cor de rosa, e parecendo um copo de cólera, agarrou-o pelo cotovelo e, com a delicadeza das senhoras que não gozam há muito tempo, o chamou de destrambelhado e o arrastou para os fundos da quadra.
O sol de junho se refletia com esplendor nas vidraças opacas das quitinetes habitadas por mocinhas que gostam de acordar o mais tarde possível, porquê hoje é sábado, porquê a gasolina está cara e a carestia está grande...
Um pouco mais à frente, bem na esquina, com um chapéu aos pés ejá com algumas moedas em seu interior, lutando contra a senilidade, um velhote executava no violino o Concerto de Aranjuez.
"Não quero flores no meu enterro, pois sei que vão arrancá-las da floresta..."
Chico Mendes
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Esclarecido o assassinato do antropólogo brasileiro Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Philips, lá nos cafundós da Amazônia.
Quê fazer agora, com aqueles pobres e miseráveis assassinos? Com aquela gente mergulhada há décadas na mais obscura ignorância e humilhada até os ossos desde que nasceram? Gente que normalmente não difere uma escova de dentes de um sapato e que não vê muita diferença entre o assassinato de um porco, o de um peixe e o de um homem?
Apesar de acontecerem diariamente, esses tipos de crimes depõem contra nossas pretensões civilizatórias e iluministas. Ah! Estamos atrasados, muito atrasados! Somos ainda uma espécie miserável! E não adianta querer distanciar-se do ocorrido, fazer de conta que vivemos em outra galáxia, pois esses pobres assassinos são o reflexo de nossa performance patética e impotente.
E sempre que surgem crimes hediondos como esse, logo aparecem estrategistas e especialistas de todos os lados. Dão conselhos; fazem pose; criticas; acusam e recitam catecismos, até em outros idiomas, para a salvação daquela "Cracolândia" chamada Amazônia. É preciso ter cuidado com essa gente que pensa, raciocina e interpreta os fatos como se não tivesse havido um ontem. Normalmente não valem nada e não são confiáveis! E muitos desses farsantes, são ex ministros, ex presidentes, ex-diplomatas, ex-indigenistas, ex parlamentares, ex militantes e ex tudo, que passaram a vida inteira mamando nas tetas do estado, desviando recursos e que não fizeram absolutamente nada para evitar que aquela selva se transformasse num covil.
E o que se ouve há meio século, é sempre e sempre o mesmo e cretino discurso! Papo furado que vem tanto dos que garganteiam um patriotismo e um nacionalismo cabotino como dos que não se acanhariam em doar aquela região inteira (com índios e tudo) em troca de três ou quatro prédios em Paris, em Pequim ou em Londres.
Um lero-lero de dar dó!
E vejam as planilhas: com o dinheiro público que já foi despachado para aquela região, só nas últimas décadas, daria para ter implantado lá, e estar em pleno funcionamento:
1. Uma indústria farmacológica e de medicamentos (cada etnia teria seu vade-mécum farmacológico);
2. Uma indústria de pneus e de camisas de vênus (controle de natalidade!!!), sem derrubar uma única árvore;
3. Uma indústria de alimentos derivados da castanha;
4. Outra indústria de alimentos derivados da pesca, sem contaminar nenhuma fonte;
5. Uma indústria agronômica/florestal (com seleção de sementes e de espécies exóticas para com elas reproduzir em cada estado e em diversas regiões do país, biomas e micro-sistemas parecidos aos amazônicos);
6. Plantações imensas de maconha para amenizar a solidão e o tédio infernal naqueles cafundós tropicais e para, agora, poder produzir canabidiol, para suavizar a tragédia de nossos deprimidos, bem como a insônia nacional...
7. Poderíamos ter instalada lá, no meio da selva, uma universidade de ponta, nem que fosse apenas para começar a migrar da TEOlogia para a ANTROPOlogia e para traduzir o canto das Arapongas, dos grilos e de outros pássaros; assim como o silêncio das serpentes, dos tigres, dos jacarés e da Vitória régia.(Cada etnia teria o seu vade-mécum zoo-botânico);
8. Um laboratório para estudos e reprodução daquelas borboletas de asas azuis, também as de asas vermelhas, pretas, amarelas, multicores;
9. Uma produtora de perfumes eróticos, exóticos e selvagens;
10. Com o dinheiro que foi destinado para lá, nestas últimas décadas, se poderia ter montado um orquidário que seria incomparável e imbatível... Também um aquário até mais eloquente que aquele de Vancouver e aquele de Gênova...
11. Uma oficina especializada em lapidar e burilar esmeraldas, pedras preciosas e em produzir talismãs, flechas e cachimbos em puro ouro (riquezas que, até agora, são rapinadas por gentinha miserável daqui e das vizinhanças, por larápios que há séculos, vêm sorrateiramente enfiando todas essas riquezas apenas no rabo dos parentes e no próprio)...
12. Também um laboratório de linguistica;... (cada etnia teria o seu "Cambridge Dictionary");
Ah!, mas para isso é necessário ter bons níveis de testosterona! Não é verdade? E preferimos a inércia, a sem-vergonhice, o caipirismo, a ignorância, a cesta básica, a verborréia eleitoreira, a politicagem, a mistificação de trapaceiros, o papo furado nos gabinetes da República e nos salões dos puteiros. Preferimos o desvio do dinheiro... e as tramóias ecocidas, para depois, quando há uma barbaridade desse calibre, podermos ficar nos martirizando e masturbando com orações, misticismos, sentimentalismos histriônicos, demagogias e teorias delirantes.
A propósito, lembram do assassinato do Chico Mendes, lá em Xapuri, em1988?
E la nave va...
Por coincidência, do gravador do vendedor de pamonhas que passa lá em baixo, vem até minha varanda os acordes e os berros do Pink Floyd: Dogs.
"Há muitos relatos sobre início de inclinações musicais ou artísticas em convulsões do lobo temporal, e os que sofrem esses ataques também podem adquirir intensos sentimentos místicos e religiosos..."
Olivier Sacks
(IN: Alucinações musicais)
Ainda se discute calorosamente por aqui, a questão dos shows de música caipira que vêm acontecendo Brasil afora, com cachês e valores astronômicos, em municípios que ainda nem saíram da Idade Média, onde 90% da população, escravizada e domesticada, continua ingerindo alimentos tóxicos e contaminados e que não dispõe nem de papel higiênico para limpar-se o cu...
1 milhão de reais e até mais, por duas horas de uma cantoria vomitiva! Não lhes parece um exagero?
Sim, e os leucócitos binários, para não dizer bipolares de plantão, que não conseguem interpretar mais nada no mundo a não ser a partir do Lula e do Bolsonaro, continuam ouriçados com essa barbaridade mas, curiosamente, preocupados apenas com os valores, sem dar a mínima importância e atenção ao envenenamento em si dessa barulheira, dessa gritaria e dessa suposta arte. Tudo bem, os valore$ são inadmissíveis, principalmente num país que está em marcha lenta e contínua para o buraco, mas nem tanto se comparados aos salários de nossos sete ou oito Animadores de Platéias. E não finja espanto, pois você sabe do que estou falando e, inclusive, que é você mesmo, com suas batatas fritas, sua cerveja e sua barriga, estirado no sofá que, cotidianamente, garante a sobrevivência desses larápios.
E depois, apesar de sua cegueira ideológica, a ladroeira dos tais shows, não é de agora. Ela, como as mistificações de seus atores, vem de longe! Vejam também o Império montado por alguns dos musicofilos, clowns e cantadores de outrora e da outra turma...
Eu, que acho tudo isso um circo de má qualidade, uma quermesse de fundo de quintal, e que sei que, sair da miséria é mais fácil do que arrancar a miséria de si, quando ouço esses "musicais", aquelas frases, aquelas metáforas, aquelas fantasias, aquela gritaria alucinada no meio da poeira, aqueles rebolados, aquela alienação, aquele concílio de ladrões eaquele aprisco em movimento, penso, primeiro, nos surtos que ocorrem durante as Cantorias Gregorianas; depois, nas histerias coletivas dos conventos; na Dança de San Vito (doença de São Guido), e em seguida, nas Alucinações Musicais, de Olivier Sacks; nos efeitos neurológicos da música sobre alguns cérebros; no entorpecimento social e nas dificuldades linguísticas do populacho; nas pessoas que sofrem convulsão ao ouvir certas músicas e até nas que sofrem de amusia. Sim, penso nos primórdios e nos tambores tribais... No pão e no circo de todos os dias... Mas agora é tarde e o show tem que continuar... A que preço? Bom, o preço é apenas um detalhe dessa falange humanista e dessa farsa, pois os caipiras, como você e eu, também querem (e com razão) driblar a turba e ter seus iates e seus jatinhos particulares... Não é verdade?
Ultimamente, basta a Nova Zelândia dar um suspiro para que o mundo inteiro, imediatamente, acenda círios e inicie novenas. O que teria acontecido? O que deu, de repente, tanta credibilidade a esse minúsculo país que 99% da população não sabe nem onde fica?
Hoje, praticamente todos os jornais noticiaram que agora, também por lá, é LEI: "Os animais são 'sencientes'". (O que, numa linguagem menos escatológica, quer dizer: emotivo, que sente, que tem consciência). Todo mundo está curioso para saber se a partir de agora, então, os açougues vão fechar as portas. Ou se é, mais uma vez, pura demagogia identitária e 'humanista'. Por outro lado, as imagens que ilustram a notícia dão a impressão de que 'sencientes' são apenas os cachorros e os gatos. Mas e as ovelhas? E os coelhos? E o atum dos mares azuis do pacífico? As ostras? E os porcos? E as rãs? Ah! Não é poético pensar numa rã senciente?
Mas, como é que vão ficar as vacas agora, com essa nova Lei de Bem Estar Animal, e com a declaração dos sábios de que elas têm sentimentos? Será que vão, pelo menos, melhorar o piso dos matadouros? Começar a fazer 'eutanásia assistida'. Administrar sedativos nas bezerras antes do derradeiro tiro na cabeça? Retalhar os animais com mais cuidado? Vão educar os matadores? Matar leitões com eletrochoques, para amenizar a desgraça? Ou vão apenas perfumar os salames; melhorar o ambiente das parrilladas e jogar um punhado de incenso nas churrasqueiras?
Pura demagogia!
Observem, como uma lei só nos parece boa ate o momento em que descobrimos quem a inspirou.
É provável que cada neozelandês com mais de vinte anos, (e mesmo você, que está me lendo) já deve ter comido, sozinho, nestes anos, duas ou três vacas e um galinheiro completo, sem falar das outras espécies. Isso não te parece uma condição existencial desprezível e miserável, uma mixórdia & uma loucura? Ah! e ainda temos o cinismo de reclamar das epidemias!
Portanto, apesar do histrionismo universal, não se iluda. A Nova Lei é apenas folclórica e não alterará o essencial, em nada. Com meio quilo de vaca ou de porco nas tripas e nos dentes, os neozelandeses e nós, continuaremos fazendo poesia; jurando amor por todos os seres vivos; e indo ao cinema, aos puteiros, à Babylonia e à missa, pedindo aos deuses e aos orixás que o festim não se interrompa e que a digestão se conclua sem grandes erupções... Aliás, quanto aos puteiros, se somarmos o que há nas tripas das 26 moças que costumam "fazer o salão" com o que há nas tripas dos 44 otários que circulam por lá, vamos encontrar quase duas vacas mastigadas...
No meio desse horror e dessa máquina escatológica, como continuar declamando a Schiller e se iludindo com a crença em algum tipo de transcendência?
Nesta quinta-feira o Mendigo K. dava uma espécie de aula a quatro de seus comparsas, ali na padaria de sempre. Dizia ter vivido em Cochabamba e em Marselha e conhecido lá a famosa prisão de Baumettes. Falava meio horrorizado, mas se acalmava quando descrevia os sete altos relevos que existem na entrada da prisão francesa, retratando os Sete Pecados Capitais, obra do escultor Antoine Sartório. Ia descrevendo em detalhes: A preguiça - dizia - estava representada por um homem meio sonolento; A cólera, por um homem de cócoras armado de uma faca; a avareza, por um cara segurando avidamente um pacote de dinheiro; a gula, representada por um bêbado; o orgulho, por um pavão; Eva, sendo seduzida por uma cobra, aparecia representando a luxúria e a inveja, espelhada num sujeito com olhar de fúria.
Fazia uma interrupção emocionada e perguntava: o que devem sentir os condenados quando se deparam com aquele mural?
E seguia filosofando: Camus afirmava que o suicídio era o único problema filosófico sério. Eu afirmo que é a prisão!
Como é possível que existam prisões? Quem é que, por primeira vez, teve essa ideia esdrúxula, rancorosa e doentia? Como é possível que se siga cultivando essa sociologia do suplício? Que ainda se tolere a ideia de enjaular um homem, uma mulher, um adolescente, uma pantera!
Um colega dele pediu a palavra e, maliciosamente relacionou o nome penitenciária com penitência. Penitência+ária. Lugar onde se expia os pecados. Ah, mas então até as penitenciárias têm o DNA das religiões? O DNA vingativo da mesma turma que engendrou os Sete Pecados Capitais?
Fez-se um longo silêncio, até que um terceiro arrematou: A prisão é o signo essencial do amadorismo contido na criação e o símbolo mais explicito da ruína civilizatória. O postulado absoluto de todo o mal. Com o argumento de deter o crime, se engendrou um ainda mais abjeto e que, além de tudo, envenena, não apenas o condenado, mas inclusive seus ideólogos, os carcereiros e tudo ao seu redor...
"Adolf Loos e eu, ele ao pé da letra, eu mediante a linguagem, temos nos dedicado a mostrar que existe uma diferença entre um urinol e uma urna, e que só a partir dessa diferença se abre um espaço para a cultura. Entretanto, os outros, os otimistas, se dividem entre aqueles que utilizam as urnas como urinóis e os urinóis como urnas..." Karl Kraus, IN: La tarea del artista, p. 19.
"Ideia alguma é inadmissível, mesmo a mais aberrante, mesmo a mais odiosa!".
É incrível que - como diz Vaneigen - as pessoas se deixem tratar como escolares destinados a engolir passivamente conhecimentos mortos em vez de serem alimentadas por um saber orientado pela preocupação de viver melhor.
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A discussão mais acalorada neste final de semana, como era de se esperar, foi sobre a determinação do STF, de calar o PCO.
STF, vocês sabem, quer dizer Superior Tribunal Federal, e PCO é a sigla do Partido da Causa Operária.
Sentindo-se ofendido pelas declarações do PCO, e tendo nas mãos os instrumentos para tal, o STF resolveu 'calar a boca' do Partido, bloquear seus acessos aos seus canais de comunicação na Internet. Colocar lhe uma canga e um cabresto. E, curiosamente, uma imensa maioria da população, seja de direita, de esquerda, do centro, do subsolo ou das nuvens, está aplaudindo, abrindo garrafas de vinho e festejando a eminente 'desgraça' do referido partido. Surgiram especialistas em 'liberdade de expressão', analistas e leucócitos políticos por todos os cantos deixando bem claro, apesar das pantomimas libertárias, as marcas da chibata do passado e a secreta veneração desses fantoches, pelo poder e pelas Instituições. E, pior, um culto à mesmice, ao chicote e à neurose do circulo vicioso. Enfim, o affair fez reaparecer o verdugo internalizado que define:
Isto pode! Isto não pode! Respeito é tudo! A democracia é sagrada! Só se pode pensar em alterar seus protocolos depois de mil anos! Agora não! E depois, irmãos, trata-se da Suprema Corte! Além disso, aquela gente é de extrema esquerda! blá,blá, blá...
Muita gente que abandonou a batina e que agora, disfarçada, tem canais no Youtube, segue pregando, mas, ao invés de falar em nome da religião, se oculta sob as falácias da moral e, de forma cretina, sob a fumaceira da ética. É incrível que - como diz Vaneigen - as pessoas se deixem tratar como escolares destinados a engolir passivamente conhecimentos mortos em vez de serem alimentadas por um saber orientado pela preocupação de viver melhor.
E cacarejam:
Liberdade de expressão? Tudo bem, mas não exagerem! isto não pode! Isto pode! Isto é demais! Ora! Irmãos! Liberdade de expressão é apenas uma expressão! Querer fechar o STF? Isso é demais! Se foi aberto um dia, deverá permanecer aberto até o fim dos tempos ou, pelo menos, até a volta de Godot. É preciso entender que a maneira como o circo está montado é a máxima expressão da civilidade. Que chegamos ao topo de nossa capacidade imaginativa e do Iluminismo! Que o Estado e sua Santíssima Trindade de poderes é o nosso limite. Querer mudar, é regredir! Temos tradições! Algumas coisas são sagradas! E mudar como?Sim, é preciso respeitar as leis! Porquê as leis dos homens são uma réplica das leis divinas. E dizer que os juízes não foram eleitos por ninguém, - como diz o PCO - é um equivoco, é desconhecer que deus é quem comanda tudo!
Ai! meu Deus! E depois de tudo, o PCO apoia o Putin e chegou até a apoiar o Talibã, lá no Afeganistão! Querem o quê? Incendiar o mundo? Implodir os pilares sacrossantos e veneráveis da democracia?
Plegarias! Esses cretinos seguem cacarejando, cacarejam dando-se ares de sapiência e de uma cidadania vil e assombrosa. Como abelhas ficam girando e zunindo ao redor das orelhas de Stálin, do Papa, de Montesquieu, das antigas babás, e da multidão de energúmenos que os ouvem enquanto queimam incenso para suas frescuras reacionárias. Quem os ouve é remetido involuntária e imediatamente ao jardim de infância
Eu, mesmo tendo febre só em imaginar os operários no poder, defendo a liberdade do PCO seguir existindo livremente, propondo e dizendo o que bem entender, sempre evidentemente, que não vire seus lança mísseis para a janela de minha casa...
Quê miséria!
O Mendigo K, que está acompanhando o assunto com atenção e que é especialista em pacientes que sofrem gravemente do Terceiro Pecado Capital, refletiu um pouco e sugeriu: é importante que alguém lembre ao PCO aquele ditado persa que diz: se você cresce muito, aqueles a quem você faz sombra, farão de tudo para envenenar tuas raízes...
"... Elas sentem os olhares sobre si como cacos de vidro em seus sapatos. E quando tiverem vinte anos, elas se vingarão (não de vocês, minhas caras freiras, que são tão bondosas). Elas se vingarão assim: serão putas multicoloridas e dormirão até tarde domingo de manhã, até muito tarde, pois a vergonha que se aguenta na juventude dá um cansaço para o resto da vida..."
Fernand Deligny
( IN: Os vagabundos eficazes, p. 80)
No café da esquina, hoje, sábado, umas 5,6 beatas balzaquianas cheias de colares e de disfarces, discutiam, verdadeiramente preocupadas com a ausência da Rainha Elizabeth na missa do Jubileu de Prata na catedral de Saint Paul.... Ai, meu Deus! E o Palácio de Buckingham que não diz nada! O que teria acontecido. A monarquia estaria em perigo? A alteza estaria passando mal? Oh, meu Deus! God save the King...
Intercalavam uma ou outra bagatela sobre a pandemia, sobre a varíola do macaco, sobre a dengue, sobre as empregadas domésticas, sobre a falência das academias, sobre cirurgias plásticas, sobre aquela colega psicopata em São Paulo que havia esquartejado o marido e voltavam a falar da monarca, do feriadão em Londres, do apartamento de 248 metros que uma delas diz ter lá em Hampstead Garden... Discutiam, discutiam. Mentiras mútuas pra lá e pra cá, até que uma delas tirou da bolsa o jornal aqui da cidade e o abriu na página, cuja manchete era a tatuagem íntima que o tatuador gaúcho diz ter realizado no corpo da Anitta. Quando se falou em Anitta, todos os corações saíram do ritmo, e quando leram que não foi apenas uma tatuagem, mas duas, uma na vulva e outra no ânus, foram ao delírio. Buscaram seus óculos nas bolsas e se amontoaram sobre o jornal. Que puta! Deixou escapar uma delas, com estereótipo de neurastênica. Corajosa! replicou uma descabelada com brincos de coral vermelho e visivelmente perversa. As outras liam a matéria quase sem fôlego. No ânus? Mas o que está acontecendo com o cu, nos últimos tempos? Ora, boba, retrucou uma terceira, foi sempre assim, a verdadeira história da humanidade é a história do cu... Ah! e nós que passamos a vida inteira pensando que esse buraco era só para cagar... O garçom apareceu trazendo brioches e quando viu o entusiasmo das madames pela noticia, caprichou no rebolado.
O sol caia em cheio sobre uma planta tropical que havia a uns dois metros da mesa. Por sobre as folhas largas e verdes esquiavam uns animaizinhos ébrios e cheios de cores.
Uma das senhoras, que repentinamente foi envolvida por um vermelhidão nas faces e no pescoço, tentou levar a conversa para outra direção lembrando que a Anitta era um orgulho nacional, que estava podre de rica e que até haviam feito uma estátua de cera dela. Sim, agora estava, ela e seu ânus tatuado, eternizada no famoso e mórbido Museu Madame Tussauds de NY. Bem ali na Times Square, na Broadway, detalhou uma outra, para deixar claro que tinha intimidade com aquele lugar... Sim, sim, agora estará lá, imortalizada para sempre, ao lado do Papa João Paulo II; do Mandela; do gorducho Churchill; de Hitler e até de Shakespeare...
O sábado transcorria sem novidades. O Mendigo K. apareceu vendendo uma réplica da Pedra de Roseta enquanto um caminhão com a insígnia do governo nas portas e com uma barulheira irracional, recolhia o container. O garçom, sensível à preocupação das ilustres clientes, colocou uma música antiga dos Beatles no video game. As mulheres bebericavam o chá e mastigavam os brioches, competindo entre elas como serpentes. Além do fascínio, era inevitável, havia também um clima de aleivosia no ar...
"O homem realmente livre é o que recusa um convite para jantar,
sem inventar um pretexto..."
( Jules Renard)
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Meu correspondente de Habana Vieja, enviou-me hoje o livro El Caballo de Troya, do mais famoso caricaturista daquela ilha, René de la Nuez. Selecionei algumas das imagens que mais nos dizem respeito, cada vez mais convicto de que, não adianta ficar fazendo demagogia e investindo em escolinhas e em universidades sucateadas, sem alertar-nos, com urgência, para a devastação mental que estas outras, atraentes, simpáticas, iatrogênicas e manipuladoras fábricas de palhaços e de bobalhões... representam.