segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Quel tal ir para um RESSORT?


 "Oh sim, disse com meu botões, tudo vai acabar! Ufa! Já vimos muita coisa... aos 65 anos e lá vai fumaça, porra, que importância tem para a gente a pior das piores arquibombas H?... Z?... Y? Um sopro!... uma ninharia! Mas o que é horrível é o sentimento de ter perdido tanto tempo e de ter feito toneladas de esforços por esse bando horroroso e diabólico  de bêbados, filhos da puta, puxa-sacos..."
Céline 
(na primeira página de seu livro Norte)


Depois dos anos 50, os estrangeiros que tinham dinheiro (limpo ou sujo) empatado em poupanças ou em bancos à beira da falência tiveram uma idéia  "maquiavélica" que lhes rendeu e que rende lucros astronômicos: montar ressorts mundo a fora, principalmente nos chamados países do Terceiro Mundo, (América Latina,  Ásia, África e etc). O que seria um ressort? Uma espécie de quermesse permanente, uma variável dos circos do passado com o objetivo aparente de entreter, divertir, apaziguar e acalmar a turba, principalmente os que se acham "emergentes", os "quase emergentes" e até mesmo os fodidos mais arrogantes, mas com o objetivo real de subtrair deles o mísero dinheiro (limpo ou sujo) que, por acaso conseguiram acumular. O Brasil hoje todo mundo sabe, é pródigo em lugares desse tipo. Cada Estado tem dois ou três e sempre nos espaços mais exóticos, com alguma beleza natural, uma praia, uma montanha, uma tribo, águas sulfurosas e quentes, animais esquisitos, prostituição infantil, mata tropical etc. Quem são os donos? Ninguém sabe e ninguém saberá. 
Qual o processo? 
Os interessados agendam o governador e outras autoridades daquele Estado, levam um presentinho para suas esposas e fazem uma apresentação do projeto (com slides coloridos e músicas)  prometendo que será um paraíso terrestre e que lhes renderá muitos votos. Mas, a condição principal é que o terreno lhes seja doado e com isenção de impostos por 50 anos. Cinquenta anos? Sim, os grandes investidores e as aves de rapina não pensam só neles, pensam também em seus filhos e em seus netos. Pela manhã esta tudo resolvido. Uma semana depois começam aparecer os tratores, os topógrafos, os agrimensores, os arquitetos falando outro idioma, as assistentes sociais que entrevistam as donas de casa, os ecologistas, os especialistas em aves, em botânica, em rios subterrâneos, em clima e, fundamentalmente, no comportamento das manadas. E, com medo que o governo mude e o projeto seja barrado, trabalham dia-e-noite. Cinco anos e tudo esta concluído. A beleza é inegável. Um mísero córrego que estava condenado pelas fezes dos patos agora move um tobogã aquático . As árvores que estavam morrendo agora estão catalogadas em latim e dão flores duas vezes por ano. Pássaros da região que já eram considerados extintos voltaram a aparecer e cantam pela manhã quase junto ao canto dos galos. Dizem que havia um casal num zoológico europeu. As piscinas são de um azul caribenho. Parece haver até uma brisa artificial. E carrinhos de golfe deslizam silenciosamente pelas veredas transportando fazendeiros analfabetos e gordinhos de um lado a outro daquele paraíso. Por vício, se sentem donos de toda aquela maravilha! É evidente que saíram da pobreza mas que a pobreza não saiu deles. Mas que importância tem isso? Sem nenhuma prepotência, é quase melancólico estar ali no meio daquela gente que, como diria Borges, a margem da história não fez outra coisa além de ordenhar vacas . Luzes ocultas na relva dão às trilhas na mata atlântica regenerada um clima romântico. E os casais fingem estar em lua-de-mel. Pagaram uma fortuna, é verdade, mas para que serve o dinheiro se não é para financiar esses pequenos prazeres? E o ressort esta lotado. Funcionários para lá e para cá dentro de seus uniformes vão falando como se também fossem donos: 
Eu não tenho mais vagas!
Eu não gostaria de autorizar-lhe isso! 
Nosso empreendimento quer proporcionar-lhe o melhor que há! Nossos hóspedes! Nossos colaboradores! Nossa filosofia! 
Imitam chavões, linguagem trejeitos e babaquices de executivos internacionais (principalmente de americanos e japoneses). Mas, é visível que eles também saíram da pobreza mas que a pobreza e o subdesenvolvimento não saíram  deles. Que merda! Quando os ouço vou pensando com uma certa ironia na Análise Política Semanal do PCO (Partido da Causa Operária!) e também naquela expressão usada por alguns editores a respeito do livro que estão editando: "bordado de prata e recheado de merda".
Um horror de pobreza, de costumes  e de história. A comida é feita para rebanhos, o café da manhã também. E o abuso do ar condicionado lembra que no "terceiro mundo" essa porcaria ainda é signo de prosperidade e que quem o controla associa as baixas temperaturas com alta prosperidade, alto poder aquisitivo. Aqueles que são portadores de uma pneumonia ou de uma tuberculose mal curada podem  ir, de um dia para outro, como dizem os veterinários, a óbito. 
Em síntese: passei o dia da Proclamação da República num deles e lhes aconselho: Quando ouvirem a palavra entretenimento ou ressort, pensem logo em algo como um congresso geriátrico, como um encontro de aposentados classe média e fujam. Queimem seus passaportes. Não sejam mais otários!
A mim, além de todos os horrores mencionados, o que mais me impacta é que nesses ambientes, diferentemente do que se ouvia nas espeluncas do passado, onde sempre havia alguém trepando no quarto vizinho, ali não se ouve absolutamente nada além de uns gemidos, mas que longe de serem de gozo, são de dor na coluna servical.
Caralho! Que decadência!
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Observação: Apesar da aparente satisfação, otimismo e bem-estar desses hóspedes forasteiros, a população nativa que habita na penúria a periferia desses empreendimentos, costuma estar mergulhada num pessimismo a la Schopenhauer e às vezes até tão intenso como o niilismo budista,  colecionando desgraças, doenças e expectativas de um porvir tenebroso para todo mundo. Ouvindo um desses moradores relatando suas misérias e suas previsões trágicas, pensei na primeira frase que Céline coloca em seu livro Norte, fazendo ironia com alguém tomado pela sinistrose: "Oh sim, disse com meu botões, tudo vai acabar! Ufa! Já vimos muita coisa... aos 65 anos e lá vai fumaça, porra, que importância tem para a gente a pior das piores arquibombas H?... Z?... Y? Um sopro!... uma ninharia! Mas o que é horrível é o sentimento de ter perdido tanto tempo e de ter feito toneladas de esforços por esse bando horroroso e diabólico  de bêbados, filhos da puta, puxa-sacos..."



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