quinta-feira, 5 de setembro de 2019

O enfiador de linha em agulha de mão e a pós-modernidade...

"Mangia oggi meno di ieri
Mangia domani meno di oggi
Mangia poco.
Mangia pochissimo.
Mangia sempre meno.
Prova a non mangiare affatto..."
Página 44 - Aforismi avvertimenti e altri scritti

Hoje, quinta-feira, 05 de setembro, a cidade esta em burburinho com as últimas denuncias de Palocci. Todo mundo, inclusive os larápios disfarçados, estão se sentindo roubados. Os velhinhos que estão com medo de perder suas aposentadorias repetem obsessivamente a frase conclusiva: só com os 200 bilhões da negociata delatada, daria para suprir todas as supostas falências da Previdência! E batem na testa, e sapateiam, e não sabem o que fazer com tanta indignação.
E foi nesse clima que encontrei o Mendigo  K no interior de um armarinho no shopping central da cidade. Ficou feliz quando me viu. Pediu licença para a moça que o atendia e veio falar-me: Bazzo, acabo de descobrir  a mais fascinante invenção da pós-modernidade. Antes que eu dissesse qualquer coisa foi tirando do interior de um pacote uma peça minúscula, amarela, inicialmente parecida com uma daquelas palhetas de tocar violão, só que tinha na ponta um arame dobrado e extremamente fino. Tirou aquela peça do pacote e colocou-a diante de meus olhos como se fosse algo transcendente. Que porra é essa?, perguntei: Ele riu e dirigindo-se a atendente ordenou: diga a esse mané o que é isto!
A moça, tímida, olhou para meu joelho machucado e exagerando na delicadeza, querendo fazer-se passar por uma mulher prendada e achando aquele papo muito estranho, disse-me objetivamente: é um enfiador de linha em agulha de mão!, e foi me explicando como funciona. Enquanto eu demonstrava real interesse por aquele singelo instrumento, ele foi falando, mais para a moça do que para mim: Passei minha vida inteira assistindo minha avó, minha mãe e outras velhinhas da região passando horas para enfiar uma linha na agulha. Rezavam, blasfemavam, jogavam a agulha e a linha janela abaixo, trocavam de óculos, iam lavar-se os olhos, usavam colírios,... e nada. Acabavam saindo de casa com as calças quase caindo ou até com as tetas quase para fora... Soube até de um alfaiate que ele próprio jogou-se pelas escadas depois de meia hora tentando consertar um paletó.  Agora não! Agora até um cego pode colocar os botões que lhe faltam... e até costurar sua fantasia para as passeatas do dia 7.
Gargalhou e foi para o fundo da loja acompanhado por outra vendedora para comprar meia dúzia de botões, duas agulhas, dois carretéis de linha e uma mini-tesoura... 

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