De Gregório de Matos à Irmã Dulce!

[... SENHOR, bem-vinda seja Vossa senhoria. Eu sou aquele que os passados anos Cantei na minha lira maldizente Torpezas do Brasil, vícios e enganos. Que néscio que eu era então..."

Gregório de Matos

Independente de tuas crenças, de tua fé, de tua religião, de tuas ilusões e fantasias a respeito do a aquém e do além, duvido que não estejas indignado com o circo que os padres estão fazendo com a exposição e o proselitismo com o cadáver da Irmã Dulce lá em Salvador... e tudo com a cumplicidade das elites, do Estado, dos partidos e de governos bastardos e cretinos.
Uma indignidade! Uma infâmia! Uma falta de escrúpulos! Um horror descabido! Uma indecência! Uma perversidade! Um show de necrofilia! Uma desonra! Uma ignomínia e uma infâmia contra um morto, e mais, contra uma mulher morta! E uma indecência não apenas com a beata, mas com a população crédula e analfabeta que esta lá em fila e que vem a séculos comendo nas mãos de clérigos malandros, indignos e infames. Será que os quinze anos de seminário e os dez de teologia não lhes serviram para nada? 
Onde, em que parte dos livros sagrados esta a legitimação, a licenciosidade e a autorização para os gerentes da fé exibirem o corpo corrompido e adulterado de uma senhora morta há anos, apenas para turbinar o fanatismo e a alienação das massas, as estatísticas da fé e de assentos nas paróquias? 
Isso é indigno! Isto é infame! E são eventos desse tipo que nos condenarão a viver outros quinhentos anos na penúria, no subdesenvolvimento, no animismo, na mendicância metafísica, na miséria... e na irracionalidade... E naquele ATO de horror, só faltou mesmo um remanescente das brigadas franquistas postado ao lado do corpo, com os punhos levantados e gritando: VIVA LA MUERTE! E tudo, claro, travestido pelos truques do humanismo... 
Enquanto a população e o Estado permitirem que esse tipo de aberração siga sendo praticada, não haverá chances de sairmos da Idade Média e de começarmos a vislumbrar algum tipo de Renascimento, mesmo que seja a la Tupiniquim.
Se dizem que Cristo entrou num mercado com chicote só porque ele estava cheio de comerciantes canalhas e embusteiros, imaginem o que faria se resolvesse baixar em Salvador e ver essa fila ao redor da réplica do corpo da ilustre e singela baiana!
Lá está uma réplica de barro do corpo da Irmão Dulce dentro de uma caixa de vidro, recém chegado de Nápoles. Depois de um calvário, de um martírio e de uma solidão dessas, até qualquer um de nós correria o risco de ser declarado santo!
Quero solidalizar-me com ela!
Imaginem! O corpo foi exumado e enviado a Nápoles para que lá fizessem dele uma réplica de barro e o devolvessem para sua cidade de origem e para seu povo! É um ato necrófilo demasiadamente necrófilo!
Imaginem! Saiam da letargia! Pensem! 
Como é que um povo poderá emancipar-se tendo que presenciar, participar e até sendo cúmplice desse tipo de alegoria? Podem fechar as escolas! Podem baixar as portas dos hospitais! Podem acabar com os trios Elétricos! Esqueçam a Reforma da Previdência! Podem queimar os livros de Gregório de Matos! Podem dar adeus a todas as artimanhas da razão. O desvario e a loucura envenenaram até mesmo as pedras! 
Minha solidariedade para com a Irmã Dulce, cuja primeira ação filantrópica e seu primeiro milagre em Salvador, foi transformar um galinheiro em posto de saúde!