segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Welcome! Chegam os doutores em saneamento básico... Eles que ainda não sabem se ficam com os Upanishads dos indús ou com a Crítica da razão pura de Kant

Os jornais anunciam que hoje ou amanhã terá início aqui em Brasília um evento, entre outras coisas, sobre SANEAMENTO. E a participação não será pequena: são esperados mais de mil entendidos e curiosos, sem contar com os doutores e especialistas, claro. Além dos nativos virão muitos outros de vários lugares do planeta. Quem é que não tem curiosidade pelo Brasil? Por essas noites calientes e com tantas adolescentes que são arrimo de família? "Vão debater os grandes temas selecionados -petróleo e combustíveis; energia elétrica e gás; telecomunicações, saneamento e recursos hídricos" diz a notícia e sem ironia. Eu, particularmente, vou revelar-lhes um segredo: sempre que ouço falar em saneamento (básico), fico louco para sacar minha pistola.
Desde que nasci venho assistindo a esse teatro. Lá por 1955, no meio daquela italianada barulhenta e da fumaceira dos charutos de meu pai, sempre ouvia alguém, na HORA DO BRASIL, não sei se um ex-capanga ou o próprio espírito do Getúlio, jurando que iriam iniciar a construção de saneamento básico em todo o país. Passaram-se 60 anos e, apesar dos milhares de doutorandos em Paris, Londres e Massachusets, em qualquer cidade ou vilarejo que se ande é quase impossível, no primeiro vacilo, não afundar as sandálias na merda, nas  águas contaminadas, nos esgotos povoados por caramujos que correm em baixo das janelas e nos degraus das mansardas. Impossível encontrar um rio onde os peixes não estejam vindo à tona pedindo socorro ou lançando maldições e onde não se veja os dejetos da população boiando... Onde as nascentes e os afluentes não estejam entulhados de pneus, de colchões, esqueletos de vacas, e  até de mendigos... Enfim, com o dinheiro que já se gastou em simpósios, congressos, reunião de sábios, eventos, conferências entre vivaldinos, e etc., se poderia ter construído um território completamente saneado, com água potável por todos os lados e mais: apenas com a ajuda dos nossos encanadores, pedreiros, mestres de obras e de outros técnicos semi alfabetizados que estão desempregados por aí... Sem ter que interromper o onanismo de nossos ilustres doutores que bebericavam seus cafezinhos em Montmartre, na Quinta Avenida nos michês de Amsterdam ou mesmo nos mosteiros de Bruxelas. 
Mas agora é tarde! Todo mundo já está se preparando para amanhã. As mulheres já reservaram horários nos cabeleleiros, os pavões já mandaram passar as camisas de 300 euros, as conferências já estão sendo impressas em quatro idiomas e haverá cafezinho à vontade, garrafinhas de Perrier, umas empanadas argentinas e, para os mais exigentes, até uns pedaços de jamon ibérico no palito. Tudo, evidentemente, depois de entoarem soberba, patrioticamente e em pé o Hino Nacional!
Motoristas, tradutores, microfones de ultima geração, slides,  muitas secretárias sedutoras pra lá e pra cá, alguém foi à Noruega ver como a coisa é feita por lá, alguém gritará da platéia que aconteceu um golpe no país e alguém replicará no mesmo tom que agora seremos regidos pela Ordem e pelo Progresso. Os seguranças aparecerão para preservar a lei, todos dispostos a "morrer pela pátria" se for preciso e com aquela mancha de desodorante nas axilas. Não demorará muito para alguém da Velha-guarda da saúde, os mesmos que passaram cinquenta anos mamando e que transformaram o sistema de saúde no que é, não demorará muito, digo, para algum desses demagogos senis levantar a voz para sacralizar e falar do SUS como quem fala de Santo Antonio, sem lembrar - evidentemente - que investir no SUS sem saneamento básico é o mesmo que jogar dinheiro na latrina...
Todo mundo aplaude, faz calor, muito calor, ligam os aparelhos para refrescar o ambiente, algum cínico até recita um trecho dos Lusíadas ou da Divina Comédia, e já começam a entrar em cena também os donos de agências de turismo lembrando aos forasteiros quais são as principais delicias e belezas aqui dos trópicos.
Lamentavelmente nenhum lacaniano na platéia para levantar a suspeita de que é possível que nessa nossa negligência e trambicagem de séculos haja alguns vestígios de uma antiga paixão pelos dejetos e pelos excrementos... Que miséria!!!


3 comentários:

  1. Mais um desses:
    http://www.ifg.edu.br/index.php/component/content/article/1-news/90178-pesquisa
    e o rio de Goiânia morto...

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  2. Quando há reunião de centenas, de milhares de "entendidos" de um assunto lembro do que disse Karl Kraus: "TODO ESPECIALISTA É UM ASNO NA SUA ESPECIALIDADE".

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  3. http://veja.abril.com.br/blog/radar-on-line/policia-federal/a-policia-federal-investiga-desvio-de-verba-no-sus/

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