Independente do que pensam os sábios, os visionários e até
mesmo os ruralistas a respeito do clima, da erosão, do assoreamento, do degelo
das calotas, dos calorões infernais das cidades, dos tufões, da morte da terra
e das raízes, das chuvas de raios, da desertificação da vida, do extermínio dos
grilos, das perobas e das raposas, até os camponeses da Idade da Pedra
já sabiam por instinto e por sensibilidade estética que as margens dos rios não
são desmatáveis... Lutar para preservá-las, já entre eles devia ser uma
obrigação e uma obsessão mesmo que fosse apenas para nelas pendurar uns cipós e
ali ficar se espreguiçando até que as ratazanas devorassem de vez esse imenso
requeijão que é o mundo...
Não é possível -
resmungava hoje a tarde um lírico em estado agudo de embriaguez - que os
senhores da soja, das vacas, da cana de açúcar e das motosserras não tenham
nunca se deliciado à sombra dos arvoredos nativos... junto à penumbra dos
córregos e das cachoeiras ouvindo o borbulhar da correnteza, o chocalho das
cascavéis e os pingos da seiva fresca que despencam das copas... enquanto ao
redor tudo se incendeia e arde num escorchante horror desértico e burocrático
de mesquinharias, de monólogos, de intrigas, de códigos florestais e de
máquinas...
Um outro alcoolista que o ouvia resmungou: depois de
tão longa e tenebrosa história de degradação tanto do meio ambiente como da
vida, de onde adveio, de repente, todo esse cuidado, essa veneração e esse zelo
pela terra? Pelos matagais, pelas pedras, pelas serpentes e por seus outros e
inúmeros elementos?
Não obteve resposta alguma.
Apesar desse heroico quixotismo é até estranho pensar que um
dia, um belo dia, inclusive o sol em seu esplendor e grandeza terá suas
energias esgotadas e se apagará como uma mísera vela esquecida sobre uma
lápide... Mesmo que não seja amanhã de manhã... um belo dia se apagará... Ah,
mas não se alegrem! A humanidade e principalmente aqueles que já estão exaustos
ainda terão que esperar um bom pedaço de tempo...
Por agora, com rios ou sem rios, com as 4 estações ou sem
elas, com escorpiões ou sem escorpiões, com degelos ou sem degelos, com
pinguins ou sem pinguins, com fotossíntese ou sem fotossíntese, com as burrices
deste ou de outros códigos florestais é sempre recomendável ser o mais cético
possível. Lembrar que no geral, não somos boa gente e que até agora, em
praticamente todos os nossos assuntos cotidianos, as árvores têm servido
apenas para esconder o bosque...
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Enfim, só para incrementar: em 1878 Eça de Queiroz (um dos
poucos portugueses que se salvam) já citava este pensamento de Proudhon: "Ironia, verdadeira liberdade! És tu que me livras da
ambição do poder, da escravidão dos partidos, da veneração da rotina, do
pedantismo das sciencias, da admiração das grandes personagens, das
mystificações da politica, do fanatismo dos reformadores, da superstição d'este
grande universo, e da adoração de mim mesmo".
P.J. PROUDHON
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