O affair da moça que na semana
passada teve algumas fotos pirateadas de seu personal computer e
divulgadas na internet por uns sedentos voyeristas
tem propiciado várias discussões aqui na Capital da República, não apenas nos meios acadêmicos, mas nas ruas e até
mesmo entre a peãozada que transita de uma obra a outra vendendo seu sangue aos mesmos patrões de sempre. Uma
dessas discussões insistia na triste decadência e na triste desmoralização da
verdadeira e heroica pirataria do passado, aquela gerenciada por bandidos
corajosos, ilustres, caolhos e manetas que com suas garruchas e espadas
infestavam e aterrorizavam os mares caribenhos para saquear dos navios as riquezas
que a monarquia espanhola vinha rapinando nos territórios peruano, colombiano,
panamenho, mexicano etc. Que distância absurda entre aqueles piratas destemidos de alto mar e os pobres garotos de agora, enclausurados em seus insalubres casebres, viciados na internet
e eufóricos por usurparem umas míseras imagens e retratos de pobres mocinhas anêmicas ou de pobres e gorduchas
donas de casa se olhando as nádegas nos espelhos, fornicando consigo mesmas, treinando gemidos
libidinosos, depilando-se as partes menos visíveis... imitando Messalina com
pequenos baby-dolls transparentes ou,
quase hebefrênicas lendo autoajuda longa e confortavelmente no trono... Outra
das discussões que esse caso gerou coloca o foco sobre as inúmeras perversões
domésticas praticadas cotidianamente, mas que ninguém quer ver tornadas públicas. Verdadeiras loucuras e
bizarrices escatológicas que cada um chega a praticar na solidão insólita de seu próprio corpo,
com seus buracos, ruídos, fedores... com os elementos que são expelidos por eles e com suas análogas paranóias...
A outra, mais sofisticada e mais erudita, que realmente só ouvi em círculos bem
mais restritos, especulava sobre os limites contraditórios do narcisismo. De como
deve ser difícil passar a vida inteira programando-se para gabar-se, para
mostrar-se, para exibir-se, para pavonear-se, para turbinar as fantasias pansexuais do populacho etc.,... e de
repente, (por razões não muito fáceis de explicar) ter que recuar, voltar
atrás, recolher os gestos, as fotos, as poses, as palavras, os cheiros, os chiliques e às
vezes até o delírio de grandeza e de perseguição... Aliás, tanto o delírio de grandeza como o
de perseguição – nos lembra Szasz – são processos psicológicos através dos quais o
sujeito procura se defender do sentimento insuportável de sua própria
mediocridade...
Enfim, sempre que acontecem coisas
desse tipo por aí, seja com o modernismo da internet ou como no passado, pelo buraco da chave, volto
ao mesmo local de minha biblioteca, apanho a mesma obra de 1200 páginas e releio os mesmos vinte ou trinta parágrafos que
sempre e sempre me convencem da mesma coisa: a burguesia fede!
Burguesia
ResponderExcluir(Cazuza/George Israel/Ezequiel Neves)
A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia
A burguesia não tem charme nem é discreta
Com suas perucas de cabelos de boneca
A burguesia quer ser sócia do Country
A burguesia quer ir a New York fazer compras
Pobre de mim que vim do seio da burguesia
Sou rico mas não sou mesquinho
Eu também cheiro mal
Eu também cheiro mal
A burguesia tá acabando com a Barra
Afunda barcos cheios de crianças
E dormem tranqüilos
E dormem tranqüilos
Os guardanapos estão sempre limpos
As empregadas, uniformizadas
São caboclos querendo ser ingleses
São caboclos querendo ser ingleses
A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia
A burguesia não repara na dor
Da vendedora de chicletes
A burguesia só olha pra si
A burguesia só olha pra si
A burguesia é a direita, é a guerra
A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia
As pessoas vão ver que estão sendo roubadas
Vai haver uma revolução
Ao contrário da de 64
O Brasil é medroso
Vamos pegar o dinheiro roubado da burguesia
Vamos pra rua
Vamos pra rua
Vamos pra rua
Vamos pra rua
Pra rua, pra rua
Vamos acabar com a burguesia
Vamos dinamitar a burguesia
Vamos pôr a burguesia na cadeia
Numa fazenda de trabalhos forçados
Eu sou burguês, mas eu sou artista
Estou do lado do povo, do povo
A burguesia fede - fede, fede, fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia
Porcos num chiqueiro
São mais dignos que um burguês
Mas também existe o bom burguês
Que vive do seu trabalho honestamente
Mas este quer construir um país
E não abandoná-lo com uma pasta de dólares
O bom burguês é como o operário
É o médico que cobra menos pra quem não tem
E se interessa por seu povo
Em seres humanos vivendo como bichos
Tentando te enforcar na janela do carro
No sinal, no sinal
No sinal, no sinal
A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia