domingo, 23 de outubro de 2011
Allan Kardec incinerado...
Foi ali na esquina de um desses botecos suspeitos e maldizentes onde muita gente vem aos domingos beber cachaça e comer cascos, orelhas e rabos de porco, que deparei-me com esses dois livros recém chamuscados e jogados ao lado de uma mesa de xadrez. Não teria dado a mínima se um deles não fosse nada mais nada menos que o Evangelho segundo o espiritismo do pilantra francês Allan Kardec (1804-1869). Segundo uns comensais que estavam no local, o ato inquisitorial teria sido praticado por um indigente que, depois de tentar trocá-los por umas garrafas, encheu-se de cólera, puxou do bolso um daqueles isqueiros antigos de querozene e, como protesto, os incendiou ali mesmo. Allan Kardec! Dizem que esse cognome teria surgido da idéia delirante do prof. Hippolyte Léon Denizard Rivail de que "em outras vidas" tivera um companheiro druída com esse apelido... Oh Santa Ignorância!, mais ópio e mais absinto s'il vous plait!!!
Inúmeros foram os finais de semana que sob as nevascas parisienses e com os bolsos cheios de amêndoas tunisianas, depois de passar pela lápide de Jim Morrinson dava também uma passada pelo mausoléu desse cínico la no Père -Lachaise só para assistir a peregrinação e a pantomima dos crentes que, exaustos pelas ribanceiras de suas vidas circulavam por lá para beijar sua estátua de bronze e para despachar alguma súplica ou algum recado para as trevas. Quanta pequenez, embriaguez e desamparo nessa espécie!!!
Mas voltando ao livro calcinado e jogado na calçada do boteco, depois de fotografá-lo virei suas páginas com o bico de minhas botas e deparei-me com esta inscrição intacta e em forma de dedicatória já na segunda folha: "Neste país, a definição de sujeito de esquerda ou de direita refere-se somente à mão usada para roubar. Os do centro são ambidestros, isto é, roubam com as duas". GRAÇAS a Allan Kardec, minha manhã dominical estava mais do que ganha!
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