segunda-feira, 29 de julho de 2024

Uma homenagem póstuma...


De uns tempos para cá, aos domingos, uma das avenidas que beiram minha casa passou a ser transformada numa espécie de mercado persa ou, mais bem, numa agitada quermesse, onde há de tudo para comer e para consumir. Desde joelhos de porco com tempero baiano, até comida do Senegal. Discos antigos; velhas radiolas; açaí isento de besouros; brechós;  enciclopédias que nunca foram abertas; gente correndo para lá e pra cá jovens parecendo velhos e velhos fingindo que os tendões ainda estão intactos. Os sons de uma barraca contaminam os da outra barraca, mas, como ninguém ouve realmente nada, não há conflito. O que importa, mesmo para os feirantes, é sair para a rua. Todos têm consciência que passar um domingo em casa é um risco... já que a solidão, com a família amontoada, é ainda mais grave. E mais: que, como diria Berl, "o amor burguês não é mais do que a coexistência de duas solidões, e o prazer, não é mais do que o intercâmbio de dois onanismos..." Gente até simpática, mas que se atormentam mutuamente. Ah! O domingo! Inventam que vão para o mercado 'vender alguma bobagem'. E, curiosamente (por sorte deles!), sempre há uns ou outros solitários que vão para lá, precisamente com a fantasia de 'comprar alguma bobagem'.

Mas, apesar disso, é uma festa. 

O sol turbinando a vitamina D e muita gente exibindo os músculos! Quem não investe no cérebro investe nos músculos... Dificilmente se encontra alguém que faz investimento nos dois... Uma única mulher, passada dos 40, com um manto cinza que lembrava o 'Santo Sudário de Turim' jogado sobre os ombros, levava o livro do Georges Bernanos, Sous le soleil de Satan... Demais, só músculos! Mas numa boa! O teatro é o mesmo.

Mas ontem, domingo, todo mundo foi surpreendido por um evento novo: Um piano vermelho, sobre rodas, puxado por uma bicicleta, com o pianista executando Cartola: As Rosas não falam... Foi sucesso total, principalmente porque se tratava de uma homenagem do Museu dos pianos a um músico amigo e respeitado na cidade, que morreu na semana passada... 

Enquanto ia fazendo parte daquela homenagem póstuma, me perdia em elocubrações e em pensamentos... acompanhando as pernas que moviam os pedais da bicicleta e as mãos do senhor que executava o teclado... Pelo movimento de seus dedos, pensei: da solidão dos músicos e dos ciclistas, não se pode dizer que é uma petite solitude!!! 

Conclusão: não adianta romantizar e tentar subornar-se com fantasias infantis: entre todas as traições às quais a espécie está farta e miseravelmente submetida, a morte é a mais abominável e a mais vingativa de todas... Qualquer tentativa de a justificar, é infame! 

Abaixo a morte!

E Viva o desalinhamento total de todos os planetas...



















2 comentários:

  1. Abaixo à morte!?? Esse cara ta caducando....

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  2. Meu amigo... se para escrever sete palavras você precisa esconder-se no anonimato, então é bom ir procurar um veterinário...

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