"O tal 'direito ao voto' é a maior de todas as trapaças contra os miseráveis! No puede ser politicamente libre el pueblo que económicamente es esclavo..."
Ericco Malatesta,
(sobre a luta eleitoral)
Apesar de todo o blábláblá do rebanho da 'esquerda' e do lero-lero do rebanho da 'direita', acompanho com um interesse singular os acontecimentos ali na Venezuela, esse pedaço do Continente que o navegador Américo Vespúcio, lá por 1500, ao deparar-se com grupos vivendo em palafitas, sobre o lago (hoje conhecido por Maracaibo), chamou de Piccola Venezia... (hoje, Venezuela).
As eleições, os partidos, as promessas, as esperanças, o transbordamento sentimental, a derrubada de estátuas, o fogo, as lágrimas, o nacionalismo, os tiroteios, as mortes, os aprisionamentos, e as famosas ACTAS... Tudo absolutamente religioso (e desprezível!). Não se trata de um problema social, mas de algo existencial! Que as SANCTAS ACTAS, quando surgirem, beneficiem Uma ou Outra dinastia, não significa nada... A obsessão pelas tetas da pátria, os mitos e as fantasias beatas e delirantes da classe média permanecerão intactas... porque a falácia intrínseca nos dois bandos é idêntica... Enfim, a orquestração e a teatralização partidária não tem nada a ver com o verdadeiro problema da Pequena Veneza... (La piccola Venezia! do Vespúcio...)
E, o mais curioso (e o mais brochante) de tudo, é que até agora, nem no blábláblá da esquerda (que apoia o Maduro...) e nem no lero-lero da direita, (que aposta na Corina...), ninguém tenha sequer mencionado que a Venezuela tem uma das Orquestras Sinfônicas mais importantes do mundo... (Orquestra Simón Bolívar)
Ah!... Me dizia aquela senhora venezuelana que pede ajuda ali no semáforo: Que pelo menos os trombones, os fagotes, as clarinetes e os violinos sejam preservados... da turba... (poupando a orquestra.., de resto, - dizia - que até as ruínas sejam destruídas...)
De uns tempos para cá, aos domingos, uma das avenidas que beiram minha casa passou a ser transformada numa espécie de mercado persa ou, mais bem, numa agitada quermesse, onde há de tudo para comer e para consumir. Desde joelhos de porco com tempero baiano, até comida do Senegal. Discos antigos; velhas radiolas; açaí isento de besouros; brechós; enciclopédias que nunca foram abertas; gente correndo para lá e pra cá jovens parecendo velhos e velhos fingindo que os tendões ainda estão intactos. Os sons de uma barraca contaminam os da outra barraca, mas, como ninguém ouve realmente nada, não há conflito. O que importa, mesmo para os feirantes, é sair para a rua. Todos têm consciência que passar um domingo em casa é um risco... já que a solidão, com a família amontoada, é ainda mais grave. E mais: que, como diria Berl, "o amor burguês não é mais do que a coexistência de duas solidões, e o prazer, não é mais do que o intercâmbio de dois onanismos..." Gente até simpática, mas que se atormentam mutuamente. Ah! O domingo! Inventam que vão para o mercado 'vender alguma bobagem'. E, curiosamente (por sorte deles!), sempre há uns ou outros solitários que vão para lá, precisamente com a fantasia de 'comprar alguma bobagem'.
Mas, apesar disso, é uma festa.
O sol turbinando a vitamina D e muita gente exibindo os músculos! Quem não investe no cérebro investe nos músculos... Dificilmente se encontra alguém que faz investimento nos dois... Uma única mulher, passada dos 40, com um manto cinza que lembrava o 'Santo Sudário de Turim' jogado sobre os ombros, levava o livro do Georges Bernanos, Sous le soleil de Satan... Demais, só músculos! Mas numa boa! O teatro é o mesmo.
Mas ontem, domingo, todo mundo foi surpreendido por um evento novo: Um piano vermelho, sobre rodas, puxado por uma bicicleta, com o pianista executando Cartola:As Rosas não falam...Foi sucesso total, principalmente porque se tratava de uma homenagem doMuseu dos pianosa um músico amigo e respeitado na cidade, que morreu na semana passada...
Enquanto ia fazendo parte daquela homenagem póstuma, me perdia em elocubrações e em pensamentos... acompanhando as pernas que moviam os pedais da bicicleta e as mãos do senhor que executava o teclado... Pelo movimento de seus dedos, pensei: da solidão dos músicos e dos ciclistas, não se pode dizer que é uma petite solitude!!!
Conclusão: não adianta romantizar e tentar subornar-se com fantasias infantis: entre todas as traições às quais a espécie está farta e miseravelmente submetida, a morte é a mais abominável e a mais vingativa de todas... Qualquer tentativa de a justificar, é infame!
Abaixo a morte!
E Viva o desalinhamento total de todos os planetas...
Neste último domingo de julho, a discussão dos mendigos ali na padaria da esquina girava ao redor da antiga e da Nova Rota da Seda e da mítica Ferrovia Madeira Mamoré... Dois assuntos que, pelo menos a mim, invocam de imediato uma gama de sentimentos excitantes e primitivos... O Mendigo K, aproveitando a ignorância dos outros mendigos, garganteava que nos diários de seus ancestrais, havia relatos de caravanas que saiam de Dalian (pra lá de Beijing), desciam até Hanoi, daí para Singapura, Gwadar, no Paquistão, até chegar em Istambul... E que as mocinhas mais jovens, faziam todo o trajeto levando preso aos cabelos um ramalhete de uma flor vermelha e silvestre colhida nas montanhas fronteiriças do Cazaquistão...
O garçom (dentro de sua singeleza e de seu nacionalismo caprino & religioso) se intrometeu (com um certo orgulho) para lembrar que o Brasil está sendo convidado para participar da Nova rota da seda...
Um dos mendigos, o mais esfarrapado de todos pediu a palavra e com uma certa violência, introduziu na discussão a malograda odisseia da Ferrovia Madeira/Mamoré.
Nova Rota da Seda.., um caralho!
Tudo bem - amenizava -, pensar na Rota da seda é uma maravilha... Aquela gente descendente de Cain se lançando pelas estradas montanhosas do mundo sem saber realmente onde queriam chegar... Cada um carregando seus sacos de pequenas porcarias, pimentas, espadas, ópio, trapos, flautas, cachimbos, sofrimentos, chá, tarôs, rolos de tecidos... Mercadoria que da boca do bicho-da-seda iria parar no corpo trêmulo e sensual das iranianas, das gregas, turcas, venezianas...
Mas... e Madeira/Mamoré? Aqui sob nossas barbas?
A famosa Ferrovia do Diabo? abandonada desde 1912? Projeto semelhante àquele (só que bem sucedido) que vai até hoje de Bangkok à Birmânia?
Ninguém abre bico sobre o fracasso da Madeira/Mamoré!?
Como é possível que há mais de 100 anos, se mantenha esse silêncio sobre esse projeto, no qual se jogou tanta gente e tanto dinheiro??? Vocês já foram à Rondonia? À Guajará-Mirin? - Indagou, teatralizando indignação -. A prova ainda está lá, tudo apodrecido e apodrecendo...
E concluiu: Culhões, camaradas! Um país que não tem estradas de ferro é um país de gente que não tem culhões... (e que tem um imaginário pobre e suburbano...)
Meu correspondente em Paris, depois de escrever meia página sobre as jaquetas bordadas das equipes brasileiras que aportaram por lá, dizia que um forasteiro importante havia sido roubado e que a policia do Macron estava a cata do vivaldino (do ladrão).
Dizia: é importante alertar essa gente, que Paris não é só o Lido com suas antigas bailarinas de can-can e nem o Moulin Rouge dos tempos do Toulouse Lautrec... E que há mais de um século foi publicado por aqui, um livro anônimo com o sugestivo titulo: A arte de roubar. Praticamente todos os milionários moradores das margens do Sena, (tanto da margem esquerda ou da direita), nativos ou de fora, se beneficiaram dessa arte. De outra maneira, como é que poderiam ter conseguido? A vantagem daqui, e isso se deve a tal livro, é que raramente esfaqueiam e degolam as vítimas (como aí). Aqui, os otários, que chegam ainda excitados pelos contos da Gisele, a espiã nua que abalou Paris, e pelo mito de que a cidade é uma espécie de Olimpo, são presas fáceis. Dizem que o otário de hoje levava numa bolsinha tipo aquelas usadas pelos bicheiros cariocas, um Rolex, um pacote de euros, um colar de diamantes e até um escapulário ainda com a etiqueta do Vaticano... E que tudo foi roubado. Mas na boa! Sem estresse e sem perder a ternura. Até agora não se tem ideia se foi um homem, uma mulher, na rua, no elevador ou no taxi dirigido por um ladrão que se fazia passar por ex professor na Sorbone... Para ser mais preciso: foi um furto! Mas nada que tenha estragado a festa de abertura... que foi estupenda (para compensar a derrota nas urnas...).
Meu correspondente explicava: Por estarem hospedados em hotéis cinco estrelas, esses novos ricos (dos trópicos, da Africa ou da Ásia) acreditam que está tudo sob controle! Nem imaginam que as camareiras, mesmo falando 4 idiomas e mentindo que fizeram bacharelato em letras, têm filhos e sobrinhos desempregados, que precisam trocar os pneus das motos e pagar o hachiche que lhes chega de Tanger... Essas senhoras, que conhecem de longe, só pelo andar, quem é político e quem é jogador de futebol, além de bisbilhotar suas malas, examinam os bolsos dos paletós onde sempre são esquecidos anéis e notas de cem euros, também fotografam as carteiras, os cartões de crédito, os objetos acima de cinco mil dólares e remetem essas informações para seus 'agregados'. Muitas, inclusive, têm vínculos fortes com a polícia de inteligência, sabem o roteiro e as horas de cada um dos hóspedes e, quando for necessário (de interesse policial), até lhes agenciam profissionais de outro setor, lolitas espias (além dos sobrinhos, também tem sobrinhas desempregadas que fazem free lancer nos cafés da champs elysses), para programas rápidos, improvisados e relâmpagos, que às vezes (dependendo do perfil do cliente), nem são cobrados. Etc, etc, etc...
Colocou um ponto final depois de voltar a fazer elogios à festa de abertura dos Jogos Olímpicos, principalmente a um cavalo prateado que corria hipnoticamente por sobre as águas do Sena... A arraia-miúda, do planeta inteiro, diz estar 'encantada'... (e sente que nunca amou tanto este braço do império...)
Sei que é difícil acreditar em tudo o que ele diz a respeito das camareiras, mas como tem uma tia que é concierge num dos maiores hotéis de lá... deve saber do que está falando...
"Eu começo fazendo guerra. Os filósofos cuidarão de provar que era uma guerra justa..."
Frederico II.
Nesta manhã de quinta-feira, com a secura idêntica à dos desertos marroquinos, já havia meia dúzia de venezuelanos nos semáforos implorando uma ajuda, por amor de Dios! Parece que são mais de 100 mil exilados e espalhados pelo Brasil. Todos, evidentemente, vivendo à mingua e numa penúria do caralho. Uma das senhoras que me abordou, com aspecto saudável e um olhar meio de Messalina, aproveitou para dizer-me que se no próximo domingo o Maduro for derrotado nas urnas, poderá voltar para sua pátria... Mas não estava muito convicta... Diminuindo a voz e olhando para os lados me alertou: Sinceramente, não tenho nenhuma ilusão com aquele velhote que está concorrendo com o maduro. Referia-se a Edmundo Gonzáles Urritia, o ex diplomata que tem 50% das intenções de voto. Um diplomata? Quem é que confia e que espera alguma coisa de um diplomata, além de poemas e de brioches no final das tardes? Colocou a mão sobre meu braço e foi citando: Veja o caso do Pablo Neruda... do Guimarães Rosa... do Vinícios de Morais... Do Octávio Paz... Vejam o Vargas Lhosa (autor de la Ciudad y los perros), a quem a Espanha até concedeu o título de Marquês (!) e desse tal de Celso Amorim que o Brasil está despachando pra lá, como observador... Poetas! Especialistas em blá-blá-blá... e em brioches... Gente que como no século XVI descendem de dinastias que compravam cargos públicos. (E na América Latina é tudo assim...). Claro, mas (aqui entre nós), quem é que não gostaria de passar 5 anos em Londres, em Paris ou em Kabul? Sendo paparicado por 4 ou 5 secretárias gostosas, estirado o dia inteiro em poltronas otomanas, bebericando aquele Vanilla Bourbon Tea Rouge, (produzido em Singapura), com biscoitos amanteigados??? feitos em casa pela avó nativa do motorista trans? Não sejamos hipócritas!!!
O problema, é que na Venezuela, não precisamos de poetas. Homero nos basta! E que tivemos também a Simón Bolivar a quem, para espanto dos esquerdistas, Karl Marx considerava despreparado para ser um libertador... e até o chamou de covarde...
Baixando ainda mais a voz concluiu: E depois, esse tal de Edmundo Gonzales (o diplomata), ya está mui viejito! Não tem mais testosterona suficiente para tocar fogo naquele país de merda. Deu uma gargalhada, enfiou no bolso do vestido os vinte reais que eu lhe havia dado e, como despedida, declarou: Se no domingo a Venezuela pegar fogo, salvaremos o fogo... (Chamei-a de volta e lhe enfiei mais uma nota de 50, no avental...)
O sol já começava a esquentar a cidade... e os burocratas corriam (sem nenhum sentido & sem nenhuma razão) para os tribunais e para os ministérios, donde pasan los dias, como os ilustres diplomatas, numa boa, enxugando gelo, tomando cházito de camomila, querendo ser como Clarisse Lispector e rabiscando poemas...
é com ouro que se farão os mictórios das grandes cidades..."
(Lenin, 1917)
No Clarin, de hoje
Os argentinos perderam o sono com a última transação do Millei, que teria enviado U$ 450 milhões em lingotes de ouro para a Inglaterra. O que estaria acontecendo? Qual é a dele? Que mistérios esconde aún el subsuelo de la Casa Rosada al Pueblo? E logo para a Inglaterra! Será que esqueceram o fiasco no arquipélago das Malvinas... ou será que ainda tem alguma coisa a ver? E logo lingotes de ouro! Se fossem lingotes de prata... La plata... el rio de la plata... la bacia platina... Que curioso? O que diria Borges? Arlt? Gardel? Perón? Julio Cortazar e Piazzolla?
E é incrível que os ingleses não tenham se saciado e contentado com toda a rapinagem das Falkland Islands?
Vão fazer o que com todos esses lingotes? Fabricar os famosos urinóis de ouro que Lênin prometeu aos proletários? Enfiá-los no rabo da monarquia, ou no próprio?
"...Confesso que, de minha parte, acho-a uma delícia. Adoro imensamente a democracia. Ela é incomparavelmente idiota e, por isto, tão divertida... Ela não exalta os parvos, os covardes, os oportunistas, os pilantras e os blefes? Sim, mas a tortura de vê-los subir na vida é compensada pela alegria de vê-los cair do galho..."
H.L.Mencken
As colônias norte-americanas espalhadas pelo mundo a fora, com suas confrarias de esquerda ou de direita em plena teatralidade, parecem respirar um pouco melhor com a saída do Biden e com a entrada da Kamala no páreo. A ilusão e a esperança é algo que - como diria Frantz Fanon - está incrustada no crânio dos subalternos, dessa gente que não consegue admitir que aquela lógica é imutável e que se colocarem na presidência daquele país um pajé Sioux ou aquele gorduchinho vendedor de hambúrguer que está há meio século ali na esquina da Broadway, a política norte-americana não se alterará em nada...
Kamala, se depender dos imigrantes, dos gays, dos negros e das mulheres, já está eleita. E o Trump, que não é burro, que sabe que o universo nasceu de uma enorme gargalhada e que já deve ter ouvido falar no carnaval, nas saturnais dionisíacas e na festa dos loucos... já entendeu o recado e, preventivamente, passou a acusá-la de louca, basicamente pela risada (um pouco forçada e um pouco de escárnio, mas simpática) que ela esbanja nos palcos.
O riso, todo mundo sabe, apesar dos gregos tê-lo considerado uma das mais respeitáveis migalhas deixadas pelos deuses aos humanos, foi sempre mal digerido pelas igrejas, pelos paranóicos e pelos ensimesmados... Algo mais para satânico do que para divino. E isto, porque "ele pode ser interpretado como um verdadeiro insulto à criação divina, uma espécie de vingança do diabo, uma manifestação de desprezo, de orgulho, de agressividade e de regozijo com o mal..." E é mesmo!
Enfim: que ninguém perca a oportunidade de ler A História do riso e do Escárnio, do Georges Minois e de, diante da grande farsa cotidiana, lá e aqui, nem que seja por detrás das persianas, dar diariamente uma grande gargalhada...
Enquanto isso, que tal ir ouvindo el Concierto de Arranjuez...
"A rã atira-se à água, como se guisesse suicidar-se..."
Ramón Gómes de la Serna
Nesta sexta-feita, 19, me arrancaram da cama às 7:21, com a notícia de que o mundo estava sob um ataque cibernético. Eu, que havia sentido um pequeno tremor de terra às 23:55, saltei de sob as cobertas pensando logo na orelha do Trump e no discurso do Maduro. O Putin e o Xi Jinping também se fizeram presentes. Antes de qualquer coisa, peguei minha espingarda, meu passaporte, um pacote de tâmaras, enfiei os 120 reais que guardo em casa (para alguma emergência), e me entrincheirei na varanda. Olhos atentos para a esquerda e para a direita, para todos os lados. Mas não via nada! Estaria com cataratas? Nenhum sinal estranho, transcendente! Nada de novo! Uma velhinha passeava em estado zen lá em baixo, com seus chinelos e seu cachorro, um guapeva malhado, também zen; cheiro de café; o caminhão dos lixeiros fazia um barulho descomunal; as araras davam rasantes e na janela do prédio vizinho, o gato branco de sempre que se espreguiçava amorosamente ao sol...
O que teria acontecido? Nada! Porra nenhuma!
Apagão geral?
Ai! Ai, Ai... e as usinas nucleares? ... e se nossas contas bancárias forem apagadas????
Não sejam idiotas! O grave mesmo é o apagão das consciências!
É só um peão descer aos porões do Império e trocar um fusível para tudo voltar à patética e monótona normalidade de sempre... Normalidade iatrogênica na qual, parafraseando a Baudrillard, muita gente aproveita para usar a infelicidade como um cartão de crédito...
Sejamos honestos: há setenta e quatro anos, além de se trocar um totalitarismo por outro, não acontece nada. Porra nenhuma. A mesmice é impressionante.
Me ligaram novamente, agora do deserto do Atacama, dizendo que por lá, realmente ouve um tremor de terra, mas que não foi grande coisa, que nem sequer chegou perto do de Lisboa de 1750... e que um grupo de motoqueiros brasileiros que estava por lá, (não acostumados a esses fenômenos), dormiram na rua, mas apenas para impressionar as mamães e para aparecerem na TVN (televisión estatal de Chili)... Sobre o Maduro e a tal ameaça de que: se perder as eleições a Venezuela verá um banho de sangue, me dizia: Tudo balela. Problema de interpretação e de tradução de texto. As estagiárias não sabem espanhol... Sim, foi realmente uma bravata de campanha do Maduro, mas a profecia dele era de que: se ELE não for vencedor, o OUTRO promoverá o caos e um banho de sangue no país... Me entende? Um banho de sangue! Que metáfora mais sanguinária e ordinária! Quem a teria usado por primeira vez? (...)
Fez um longo silêncio e concluiu: Vocês aí no Brézil.., todo mundo só quer falar e cacarejar em inglês, inglês, inglês... submeter-se de joelhos e de quatro aos yankees... enquanto negligenciam o espanhol... o idioma de Don Quijote.., a língua dos que devastaram o Império Inca e na qual foram escritos os Cien años de Soledad... E também El sentimiento trágico de la vida... Aí dá nisso...
um convite para jantar, sem inventar um pretexto..."
Jules Renard
Perversa e malignamente, o mundo inteiro não fala em outra coisa além do atentado sofrido por Trump. Os repórteres das rádios e das televisões falam com gravidade e até emocionados sobre o ocorrido no sábado, nos EEUU. E os 'especialistas' não perdem a oportunidade de sair das tocas e o fazem enfiados em seus Black-ties e cheios de adornos, porque acreditam como Tzvetan Todorov, "que as roupas são uma marca da humanidade" e também no que o Fuherer alemão gostava de incutir em seus generais: "a moda é o poder mais forte de todos... e daí, lançam a frase que o populacho patético e fervoroso está ávido por ouvir: "Tentaram matar o Trump! E repetem tudo o que já se disse até a exaustão. Claro, tentam agregar aqui e ali, uma vírgula, um ponto ou alguma outra bobagem emotiva nos relatos... fazendo com que as bombas que Israel despacha há meses sobre os civis nos campos de refugiados em Gaza passem a ser fichinha perto da bala que arrancou um pedaço da orelha do ex presidente... (Apesar de todo o blá blá blá e de toda a patafísica, segundo o Mendigo K, tudo não passou de um exótico puxão de orelhas dos deuses, impotentes e invejosos, por aquele brutamonte ter fornicado, fora do matrimônio, com aquela beldade...) E agregou: "Você pode parecer um cisne, mas, se falar como um pardal, quem irá levá-lo a sério???"
Agora, o baleado, como era de se esperar, cai no misticismo e atribui a má pontaria daquele garoto punheteiro e babaca, a um milagre. É evidente que isso é uma idiotice! Uma crendice esquizoide, um horror e um rebaixamento da inteligência humana, porque, se alguma das divindades (imaginárias) estivesse interessada em tirá-lo do caminho da bala e em fazê-lo partícipe de um 'milagre', é evidente que teria atuado antes, cegando ou paralisando o dedo do atirador... umedecendo a pólvora do cartucho ou causando naquele pobre garoto (chamado agora de Lobo Solitário pelos coroinhas delirantes de turno), uma diarréia súbita e incontrolável...
Ridículo! Esse raciocínio é igual ou até mais bestial do que o atentado! Uma civilização que ainda se vale desses tipos de trapaças e de superstições para imbecilizar ainda mais o rebanho, está fadada a desaparecer... E, pior: sem deixar saudades nenhuma, nem mesmo entre os búfalos...
"...Carecer de convicções a respeito dos homens e de si mesmo, este é o elevado ensinamento da prostituição, essa academia ambulante de lucidez à margem da sociedade, como a filosofia. Inclusive elas, as putas, nunca reivindicaram para si nenhum tipo de Museu, de Memorial ou de Monumento..."
E.M.C
A decisão de criar o Museu da Bíblia proposta pelo governador do GDF e pela comunidade evangélica local ainda tramita pelos subterrâneos dos tribunais. Já estava autorizada quando, por um raio de luz, foi questionada pela Sociedade dos Ateus e dos agnósticos.
Agora está em movimento e em discussão também a criação de um ESPAÇO ATHOS BULCÃO. Na essência, com a mesma finalidade daquele...
Adversários e defensores dos dois projetos, neste domingo silencioso e estupendo de sol, (com as araras famintas dando rasantes sobre as casas), discutiam, movidos pelos mesmos argumentos e pela mesma fé, ali no boteco da esquina. O Mendigo K, depois de ouvir as discussões, dirigiu-lhes a palavra para indagar: Qual dos dois seria realmente laico?
Ninguém respondeu mas, na verdade, todos estavam apreensivos e curiosos para saber se a turma da Sociedade dos Ateus e Agnósticos, iria se pronunciar e criar problemas, como criou para a construção do Museo da Bíblia... Uma senhora protestou: mas é ridículo comparar a Bíblia com as transcendentes canecas e com as transcendentes andorinhas do Athos Bulcão!!! (Ninguém entendeu se ela estava defendendo a Bíblia ou as Andorinhas!!!)
Silêncio. A mística e o culto teriam semelhanças?
As araras, com aquelas cabeças e corpos desproporcionais e com as cores da bandeira nas asas, grasnando, deram uma rasante sobre o boteco e palco das discussões...
Depois de mais uma meia hora de discussões acaloradas e de ter colocado a questão do laicismo aos grupos, o Mendigo K retirou da bolsa uma edição do Le Figaro (de 1910) onde estava publicado o Manifesto Futurista do Marinetti e passou a declamar algumas partes pertinentes:
"Os mais velhos dentre nós têm 30 anos: no entanto, temos já esbanjado tesouros, mil tesouros de força, de amor, de audácia, de astúcia e de vontade rude, precipitadamente, delirantemente, sem calcular, sem jamais hesitar, sem jamais repousar, até perder o fôlego... Olhai para nós! Ainda não estamos exaustos! Os nossos corações não sentem nenhuma fadiga, porque estão nutridos de fogo, de ódio e de velocidade!... Estais admirados? É lógico, pois não vos recordais sequer de ter vivido! Erectos sobre o pináculo do mundo, mais uma vez lançamos o nosso desafio às estrelas!... queremos libertar este país de sua fétida gangrena de professores, arqueólogos, cicerones e antiquários.
Há muito tempo que este país vem sendo um mercado de belchiores. Queremos libertá-lo dos incontáveis museus que o cobrem de cemitérios inumeráveis.
Museus: cemitérios!... Idênticos, realmente, pela sinistra promiscuidade de tantos corpos que não se conhecem. Museus: dormitórios públicos onde se repousa sempre ao lado de seres odiados ou desconhecidos! Museus: absurdos dos matadouros dos pintores e escultores que se trucidam ferozmente a golpes de cores e linhas ao longo de suas paredes!
Que os visitemos em peregrinação uma vez por ano, como se visita o cemitério dos mortos, tudo bem. Que uma vez por ano se deposite uma coroa de flores diante de Dom Bosco, do Niemayer e do Bulcão, vá lá. Mas não admitimos passear diariamente pelos museus, nossas tristezas, nossa frágil coragem, nossa mórbida inquietude. Por que devemos nos envenenar? Por que devemos apodrecer?
E que se pode ver num velho quadro, senão a fatigante contorção do artista que se empenhou em infringir as insuperáveis barreiras erguidas contra o desejo de exprimir inteiramente o seu sonho?... Admirar um quadro antigo equivalente a verter a nossa sensibilidade numa urna funerária, em vez de projectá-la para longe, em violentos arremessos de criação e de acção.
Quereis, pois, desperdiçar todas as vossas melhores forças nessa eterna e inútil admiração do passado, da qual saís fatalmente exaustos, diminuídos e espezinhados?
Em verdade eu vos digo que a frequentação quotidiana dos museus, das bibliotecas e das academias (cemitérios de esforços vãos, calvários de sonhos crucificados, registros de lances truncados!...) é, para os artistas, tão ruinosa quanto a tutela prolongada dos pais para certos jovens embriagados, vá lá: o admirável passado é talvez um bálsamo para tantos os seus males, já que para eles o futuro está barrado... Mas nós não queremos saber dele, do passado, nós, jovens mendigos e fortes!
Bem-vindos, pois, os alegres incendiários com os seus dedos carbonizados! Ei-los!... Aqui!... Ponham fogo nas estantes das bibliotecas!... Desviem o curso dos canais para inundar os museus!... Oh, a alegria de ver flutuar à deriva, rasgadas e descoradas sobre as águas, as velhas telas gloriosas!... Empunhem as picaretas, os machados, os martelos e destruam sem piedade as cidades veneradas!
Os mais velhos dentre nós têm 30 anos: resta-nos assim, pelo menos um decênio... Os mais jovens e válidos que nós nos deitarão no cesto de papéis, como manuscritos inúteis. - Pois é isso que queremos!
Nossos sucessores virão de longe contra nós, de toda parte, dançando à cadência alada dos seus primeiros cantos, estendendo os dedos aduncos de predadores e farejando caninamente, às portas das academias, o bom cheiro das nossas mentes em putrefacção, já prometidas às catacumbas das bibliotecas.
Mas nós não estaremos lá... Por fim eles nos encontrarão - uma noite de inverno - em campo aberto, sob um triste telheiro tamborilado por monótona chuva, e nos verão agachados junto aos nossos aviões trepidantes, aquecendo as mãos ao fogo mesquinho proporcionado pelos nossos livros de hoje, flamejando sob o voo das nossas imagens.
Eles se amotinarão à nossa volta, ofegantes de angústia e despeito, e todos, exasperados pela nossa soberba, inestancável audácia, se precipitarão para matar-nos, impelidos por um ódio tanto mais implacável quanto os seus corações estiverem ébrios de amor e admiração por nós.
A forte e sã injustiça explodirá radiosa em seus olhos - A arte, de facto, não pode ser senão violência, crueldade e injustiça.
- Vós nos opondes objecções?... Basta! Basta! Já as conhecemos... Já entendemos!... Nossa bela e hipócrita inteligência nos afirma que somos o resultado e o prolongamento dos nossos ancestrais. - Talvez!... Seja!... Mas que importa? Não queremos entender!... Ai de quem nos repetir essas palavras infames!...
Cabeça erguida!...
Erectos sobre o pináculo do mundo, mais uma vez lançamos o nosso desafio às estrelas."
Por aqui, está todo mundo falando (de forma ambígua, é verdade), sobre o casamento realizado na Índia, do qual os jornais televisivos falaram a exaustão...
Aqui entre nós: você, que com certeza estava diante da TV com um pacote de pipocas e que viu tudo, não sentiu uma certa vergonha por aqueles idiotas, com toda aquela dinheirama? Um incômodo e uma espécie de mal estar por, na essência, saber que é impulsionado por um desejo semelhante e que tens o mesmo DNA daqueles estúpidos?
Ah!, você não conhece a Índia?
Nem Bombain? Nem Benares? Nem Puskar? Nem a favela de Dhurabi?
[... Numa fábula de Nasreddin, ele atravessa a fronteira todos os dias com mulas carregadas de sacos. Cada fez os sacos são revistados, mas não se encontra nada. Nasreddin continua a passar a fronteira com aquelas mulas. Muito tempo depois, alguém lhe pergunta o que contrabandeava. Nasreddin responde: "Mulas"].