sábado, 25 de março de 2023

O camarada Lula, as patrulhas identitárias e os mal-entendidos da linguagem...



"Uma horrível tarde entrei na igreja de Saint-Etienne du Mont, em Paris, e diante daquele mistério nunca ninguém foi tão pobre quanto eu por não poder acreditar em nada daquilo que via e sentia..."

Campos de Carvalho




Tenho acompanhado, até com um certo prazer, as dificuldades que o Lula tem passado com a tal da linguagem. Deve estar apavorado consigo mesmo, uma vez que tudo o que diz, tudo o que passou a vida inteira dizendo, agora está lhe causando os maiores problemas. Até a sua turma, os que passaram 500 dias lá ao redor da cadeia tagarelando e gritando-lhe elogios para não deixá-lo enlouquecer atrás das grades, estão sugerindo que seja mais comedido, que pare de falar tanta merda e que cale a boca. Ora, para um homem com mais de setenta anos, ter que  calar a boca é o fim, pois sabe que inevitavelmente, não lhe falta muito para calar-se definitivamente e para sempre... Razão pela qual, minha opinião é que siga falando, que fale inclusive o que nunca lhe deixaram falar. 

Vamos às falas polêmicas:

Recentemente declarou que se a escravidão no Brasil, teve algo de bom, foi a promoção da miscigenação. Miscigenação? A mistura de raças: brancos com pretos; índios com lusitanos; polacas com africanos; tupiniquins com lisboetas; piratas com pastoras; ribeirinhas com soldados vindos do Tejo; padres de Sintra com putas da Lapa; baianas com venezianos; alemães com paraguaias; bantos e pernambucanos com judias; mocinhas da Babilônia com remadores de bom Jesus da Lapa... italianas com nigerianos, etc, etc... Quem é que discorda disso? O problema, é que, para quem leu Frantz Fanon, sabendo como se davam as relações sociais e sexuais, entre colonizadores e colonizados, sua frase foi interpretada como se todos os miscigenados (90% da população do país) fossem resultado de estupros... Ora! E estão se sentindo ofendidos! Não sejam puristas e nem idiotas! Muitas transas, no meio daquela solidão do caralho, foram pelo mais legítimo desejo, pelo mais desvairado e doentio amor e por pura paixão. Só em alguns casos pontuais, as escravas eram pegas pelos cabelos, arrastadas para a beira de um rio ou até um matagal e 'possuídas' na marra... Já pensaram o horror que seria se fossemos ainda hoje um rebanho monolítico, só de brancos, só de negros, só de amarelos, só de albinos... Só de Xavantes; Só de judeus; só de muçulmanos, só de umbandistas, só de cristãos???  E depois, se não me engano, (apesar das trapaças e das falcatruas dos exegetas) está até lá na Bíblia: Ide como nômades por essa terra maldita & fodei-vos uns aos outros... Sim, é necessário ter cuidado para não estar, sem saber, e por puro  romantismo, confundindo tesão e desejo com estupro e fazendo apologia das loucuras eugenistas, aquelas previstas para o Terceiro Reich... Lembram?

Também está sendo condenado e acusado de ser gordofóbico por, uns dias antes, (ou depois) ter sugerido que seu Ministro da Justiça está acima do peso. Ora! Quem é que não vê? Qual é o problema? Basta olhar para o ilustre ministro para entender que o Lula não está exagerando. Pois um ministro, principalmente da Justiça, deveria saber que, para assumir um cargo desses, tem que abrir mão, pelo menos temporariamente, do leite condensado, das cocadas, das macarronadas e das feijoadas...

Mais recentemente, numa espécie de  ating out, deixou escapar sua mágoa contra o juíz que o mandou por 500 dias para um xilindró, usando a palavra foder. Quero foder o Moro! Apesar de todo mundo passar a vida inteira só pensando em foder, sua frase caiu como um míssil sobre a melancolia dos lares, sobre os quartinhos secretos da 'Sagrada Família', das seitas e das igrejas e até mesmo nas sacristias dos partidos... Pura hipocrisia! Puro preconceito e repressão sexual. Portanto, é necessário ressignificar e devolver com urgência o sentido original e quase santo da palavra Foder, nem que seja com Ph (phoder). Lula com seu Acting out traz à tona um tema importante, pois se a manada (proletária, burguesa e milionária) não tivesse vindo pelos séculos a fora conjugando obsessivamente esse verbo (e no Presente do indicativo), nem estaríamos aqui e tudo já teria se acabado... 

Por fim, o fato do Lula ter desconfiado do plano do PCC para eliminar autoridades e afirmar que se trata de uma armação do Moro, tem causado frenesi na mídia, tanto na Oficial, como na Marginal. Ora, quem já foi presidente da República várias vezes; quem sabe como funcionam os micro-poderes; quem já curtiu uma cadeia e sabe que entre a população carcerária uns 30% estão lá apenas por puro capricho do judiciário; quem conhece os meandros da contabilidade republicana e sabe quanto dinheiro já foi destinado para as escolas, para os hospitais e para os esgotos desse país (e que tudo foi rapinado...), tem todas as razões do mundo para levantar inclusive, muitas outras hipóteses, até mesmo mais paranoides do que esta... Ou não?

Tentar impedir alguém de pensar e de falar, é ignorar aquela conhecida frase do Bernard Shaw: "O cão volta sempre ao seu vômito, e a porca, depois de lavada, ao seu lamaçal..."

Enfim, defendemos veementemente o direito do Lula dizer o que lhe vem à mente, em toda e qualquer circunstância, inclusive amanhã, lá na China, ao lado do Xi Jinping e diante da Grande Muralha que, como o Canal de Suez, o Canal do Panamá, a Transsiberiana e as Pirâmides do Egito, é um dos símbolos maiores da exploração e da escravidão histórica da humanidade...



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