Ontem, SEXTA-FEIRA TREZE (13). Com os níveis de superstições nas alturas, estava todo mundo caminhando de costas, com figas amarradas aos tornozelos (e nas virilhas) e com os bolsos cheios de patuás, crucifixos, água benta, álcool em gel, amuletos, sal do Himalaia, raízes de arruda, cruzes de Malta, pedaços de ferro imantado; orações de San Cipriano e aquele Olho de Horus trazido da Turquia e benzido por um ex traficante regenerado. O fato da televisão ter exibido aos fotos do Buraco negro em nossa galáxia e do terremoto na Argentina, parece ter acelerado o misticismo, as aparições, os fantasmas e outras crenças misteriosas dos Condenados da Terra, e não apenas nos indigentes, mas em gente de todos os pedigrees.
Como era de se esperar, o papo entre os mendigos, além da Odisséia da Cracolândia, se resumia à DATA e, claro, às desgraças recentes: À pandemia; à guerra: às eleições; à dengue; ao terremoto na Argentina; ao preço do crack e à multidão de fodidos, 'viajantes na tempestade', indo de uma praça a outra lá às margens do Ipiranga e do Tietê entulhado de lixo.......
Os mais céticos riam, ironizavam, faziam ruídos estranhos com a boca, acariciavam seus cachimbos e fingiam estar vendo vultos no meio das árvores. Uma ou outra madame, passava de blusinha preta rendada, de braços dados com suas ninfetas exalando perfumes de 140 Euros e lançando seduções para todos os lados. (No passado, por ingenuidade e por alienação, acreditávamos que aquela histeria & pantomima era sempre dirigida a nós, mas agora, meio século depois, um pouco mais escolados, estamos convictos de que o alvo eram sempre e sempre as outras mulheres!). Perdemos! Quando é que se levantará uma estátua à Safo?
Um dos mendigos, que parecia novato no bando, e que levava uma bolsa de pano onde se via a imagem da Jin Jiyan Azadi, falava da Cracolândia com uma verdadeira exaltação. Aquela multidão em movimento, de uma praça a outra, como se estivessem sendo liderados por uma espécie de Moisés contemporâneo, era excitante. Como não lembrar de 13 de Maio de 1888? O teatro da policia, do Governador, do Prefeito, do Clero, de outras autoridades decrépitas, dos Psicólogos e Psiquiatras; das Assistentes Sociais; dos Sindicatos, dos pseudo humanistas, dos repórteres dos traficantes e de outros indigentes caretas, era uma epopéia estupenda e imperdível. Mesmo à distância, era possível sentir o cheiro da erva, do pó, de mijo da merda e de outros fluídos daquela miséria móvel, de todos os gêneros e sem destino. Seria ela a Terceira Via? Confesso que olho atentamente para aquele formigueiro de vagabundos com uma certa compaixão e penso em B. Russel: sem a classe ociosa, a humanidade jamais teria saído da barbárie! E os novos ricos, os tataranetos dos cafeicultores, os mistificares e lambedores de botas dos Matarazzo e os que, amanhã, elegerão o Datena para o Senado, espiavam aquele horror de suas coberturas. Enfiavam os anéis e os brincos nos cofres e, se tinham algum negócio inadiável, depois de bebericarem licores em copinhos azuis daqueles trazidos da Bohemia... até desciam pela Paulista, mas paranóicos e cercados por dois ou três guarda-costas... Ah, onde estão os cineastas? Ou só diziam sê-lo em função da Lei Rouanet?
O Mendigo K, que nesse dia estava mais silencioso do que em outras vezes, e que estava preparando-se para ir 'militar' em São Paulo, ao lado de seus correligionários, resmungou: Sinceramente, a idéia de um Sono Eterno não me incomoda, o que verdadeiramente me preocupa é a possibilidade de uma Insônia Eterna!
Quando eu já me preparava para sair, o tal Mendigo Novato, que mencionei, cheio de cinismo, gritou-me: Ei... Bazzo, com tantas desgraças acionadas ao mesmo tempo, será que Jesus, nestes últimos dois mil anos, não estaria se vingando de nós, por não ter morrido num sofá???
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