sábado, 20 de fevereiro de 2021

A velhinha beata e a música de Ketelbey...

Neste sábado, no Mercadinho da esquina, deparei-me com aquela velhinha beata, aquela que, sempre que pode, confessa dedicar praticamente toda sua vida a um projeto extra-terrenal...

Estava com um maço de bardana nas mãos e discutia com um sujeito do próprio mercado, questões da alma e da vida após a cerimônia do adeus. Estava visivelmente irritada com as concepções de seu interlocutor. Só ouvi a parte final da discussão, quando ele, citando um escritor italiano atacou: Minha senhora, faz dois mil anos que o cristianismo existe, e olhe a que ponto chegou a humanidade! Ao que ela, retrucando, lhe perguntou: Mas então, me diga, você que não acredita na continuidade da vida, o que acontece com a alma, depois que o sujeito morre? O moço, com todo o cuidado para não ser acusado de afronta moral à Terceira Idade e até demitido, com uma certa ternura, lhe respondeu: Ora, minha senhora, o mesmo que acontece com a chama, depois que a vela acaba...

Ela ficou pensativa, seus olhinhos brilharam como se aquela resposta lhe tivesse tirado dos ombros um peso insuportável... pareceu rejuvenescer e seguiu seu curso por entre as prateleiras, agora a procura de ovos caipiras e de noz moscada em pó enquanto ia assobiando uma velha e estupenda música de Ketelbey... Parecia outra...






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