"À força de viver entre o cavalo e o freguês, o cocheiro acaba por tornar-se um meio termo entre a besta e o homem..."
Pitigrilli
Dediquei esta tarde de confinamento para assistir o desenrolar dos acontecimentos a respeito da prisão do Deputado que foi enjaulado por ordem do Supremo, com a justificativa que o mesmo desrespeitou e ameaçou os juízes daquela Corte, além de fazer apologia à Ditadura Militar.Realmente, o discurso do tal deputado foi mais dos que radical, flechou de morte vários dos ilustres Ministros e com uma dialética de boteco que praticamente obrigou os ministros a enjaulá-lo. Mas, ao invés de tirá-lo do circuito, por que não convocá-lo para falar mais sobre suas teses e acusações? Ou será que, malandramente, teria sido esta sua verdadeira intenção? Ser injustiçado para colocar aquele poder em evidência e ainda empurrar a esquerda para o ridículo de ter que apoiar tal decisão. Uma esquerda que nos últimos anos foi pisoteada pela mesma Corte. Dilma derrubada! Lula Preso! & etc?
Assisti a todos os lances. O preso participando da cadeia, via on-line, parecia um coroínha arrependido. Desculpou-se. Disse que é um parlamentar exemplar; um homem que vai de zero a 100 em segundos. Que não tem nenhuma simpatia especial pelo AI-5 e nem pelas ditaduras...
Os deputados da esquerda esbravejavam nos microfones com argumentos ainda dos anos 80 e, com a velha retórica de uma democracia imaginária, respaldavam a atitude do Supremo. Deve ficar em cana sim! Quê estranha paixão pela cadeia!
Outros tentavam defender o colega preso, sob o argumento da tal Liberdade de Expressão e do titulo de Congressista. O blá blá blá parecia interminável. As poucas mulheres que falaram, mais assertivas, pareciam as mais furiosas. Mencionaram Montesquieu... Marielle e até o caso do Deputado Marcio Moreira Leite que, num discurso durante a Ditadura militar, teria conclamado as namoradas e mulheres dos militares a puni-los com a recusa. Mais ou menos como as mulheres gregas, na peça Lisístrata de Aristofanes, que para acabar com a guerra entre gregos e troianos passaram a fazer greve de sexo. Ou acabam com essa merda de guerra ou nós não abriremos mais as pernas para vocês... lembram?
A moça que leu o relatório, apesar de ser do PSL e de Goiás, pronunciou os palavrões ditos pelo preso, sem asteriscos, sem reticências, sem piscar e em bom tom, até com um certo frenesi. O Presidente da Câmara ia chamando os parlamentares (a maioria sobrinhos, netos, filhos ou agregados de velhas oligarquias de parlamentares) para que discursassem: Pastor de tal! Reverendo de tal! Cabo de tal! Capitão tal! Reverendo tal... Parecia que a sessão estava acontecendo no interior de uma dessas capelas que sempre há no interior dos quartéis... Curiosamente, a maioria dos líderes de partidos, tanto da esquerda, como da direita ou dos ambidestros, tinha o perfil idêntico a de padres/pastores, ou daqueles velhos latifundiários e moralistas cripto-cristãos... Imposturas! Cultura oral! Os palavrões! Inadmissível para um parlamentar, porque eles também, como os senhores Ministros, se acham proto-divindades. Querer extinguir o Supremo?, o oráculo? Pisar na Constituição?, o livro sagrado? Isso era demais. Esperneavam, trocavam olhares e iam costurando a rendição... Ficando de quatro para o Supremo. Como eram 5:30, de uma sexta-feira, os ministros, lá no outro lado do quarteirão, deveriam estar ao redor de uma bancada com chá inglês e biscoitos fabricados em Zurich assistido aquele espetáculo de mediocrização, de submissão e de capitulação... Política pastelão! Lembra aquelas pastelarias clandestinas chinesas de Curitiba e de Londrina, anos 70, em cujos pastelaços, encharcados de óleo, havia carne, ovos, acelga, tofú, cebola, nabo, pedacinhos de gengibre e vários outros ingredientes não identificados... Mas, sinceramente, o que mais me angustiava ao assistir aquela "sessão extraordinária", era ir compreendendo que se depender daqueles sujeitos, o país jamais terá uma ferrovia que vá do Ceará à Foz do Iguaçu e nos moldes da Transsiberiana... O que é um país sem estradas de ferro?
Foi um show! Mas ver a esquerda, que passou os longos anos da ditadura sendo chutada no traseiro e sendo jogada de um lado a outro, ali, agora, respaldando uma decisão arbitrária do Supremo e fomentando a manutenção da prisão de um colega, era quase melancólico. E o faziam com uma certa ingenuidade misturada a bravura, heroísmo, e valentia... mascarados, como manda a OMS, lembravam os bandoleiros lá nos filmes de bang-bang da adolescência, e repetiam a retórica dos anos 80 e as utopias dos milenaristas. A decisão do supremo está correta! Esse crápula deve ficar preso! Não apenas por sua ideologia, mas por uma questão de moral e de ética! Repito: quê estranha e doentia paixão pelo calabouço!
Ninguém tem dúvidas de que o único ganhador nessa patifaria toda foi o deputado preso.
Tudo ia se confirmando: para chegar ao coração dessa gente era necessário passar antes pelo bolso deles... E as palavras fascista e comunista insistiam em fazer-se presentes. Uma agressão fútil e cabotina já que ali ninguém têm doutrina alguma e que todos fumam no mesmo cachimbo... Pois eu, que vivendo aqui, no meio de toda essa putaria nunca tive o prazer de conhecer nenhum fascista e nenhum comunista..! Por onde andam? O que devem pensar? Seriam invisíveis? Deste ou de outro mundo? Ou o CENTRÃO é muito maior do que se imagina?
Olhava atentamente para tudo aquilo meio desolado e pensava na denúncia de um filósofo romeno: Adão foi apenas um debutante miserável. É Cain que permanece nosso mestre. É ele o verdadeiro ancestral de nossa espécie...
O Mendigo K que apareceu por lá, vendo todo aquele horror, me cochichou: lembra da anedota do Stálin e da galinha?
- Dizem que o velho Stálin dando uma aula política a seus correligionários, para ser mais didático, pediu que lhe trouxessem uma galinha e uns grãos de milho.
Chegada a galinha, arrancou-lhe brutalmente todas as penas, colocou-a no piso e saiu caminhando para fora da sala jogando grãos de milho pelo caminho. A galinha saiu atrás dele resignada e comendo o milho.
Quando os alunos quiseram saber o que aquilo significava (qual era a moral da história) ele esclareceu: Veja como é a política: você depena completamente o adversário e ele ainda o segue...
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