sexta-feira, 21 de julho de 2017

Os demiurgos, a secura e a décima primeira praga...

"Talvez o homem seja uma doença localizada do cosmos - uma espécie de eczema ou uretrite pestífera..."
H.L.Mencken

Entre as anedotas bíblicas uma das que mais me interessaram na infância e, por incrível que pareça, até hoje, é a das dez pragas do Egito. 
Quando, há muito tempo, vagabundiei pelo Cairo, ia obsessivamente pensando sobre elas e prestando atenção num gafanhoto aqui, numa rã acolá, nas águas do Rio Nilo mais avermelhadas do que o normal; nas moscas que pousavam sobre meu prato de Kushari e que pareciam ter as patas diferentes das moscas civilizadas. Prestava uma atenção especial nos esqueletos dos camelos lá nas proximidades das pirâmides; nos mendigos com vestígios de hanseniase; e à noite, quando depositava minha imensa cabeleira naqueles travesseiros de quinta categoria tinha a mais absoluta das certezas que eles estavam repletos de piolhos ainda daquela época de ignorância, de bestialidades e de crendices abomináveis. E havia também percevejos passeando pelos lençóis e pelos buracos do colchão. Lembro que encostei sadicamente o isqueiro em um deles e houve uma espécie de explosão.  Fiquei confuso e escrevi naquela noite mesmo para uma beata que, a época, além de alguns favores genitais me dava também consultoria sobre seitas, indagando se os percevejos também estavam entre as dez pragas. 'NÃO..! NÃO...! - me respondeu ela, com uma certa ironia- , não sei se os aí do Cairo são da família dos Cimex Lectularius, mas isto não tem importância, são todos apenas parentes das pulgas, dos carrapatos e mesmo dos piolhos...' Enfim, para mim, eu já havia decretado: eram todos remanescentes das dez pragas... No final da missiva, aquela pobre e desamparada mulher teve o cuidado de pedir que eu tomasse cuidado para não ser esfaqueado nas ruas tenebrosas do Cairo, que não deixasse de ir ao Museu visitar o sarcófago em ouro de um dos faraós (Tutankamom) e, o mais importante, que havia me remetido uma quantia razoável de dólares para que eu pudesse viver mais um bom tempo lá entre os papiros e as múmias... 
Mas faço essa introdução burlescafabulesca apenas para dizer que os mesmos e sádicos deuses de outrora - aqueles que não conseguiram livrar-se da bizarra  e problemática espécie que haviam  engendrado - estão agora fazendo uma nova tentativa lançando sobre Brasília e sobre o país algo como a Décima Primeira Praga: a secura. A secura dos desertos sobre um cerrado tropical, precário e vagabundo. Hoje a umidade esteve apenas a 20%... 
Por todos os lados velhinhos tossindo em desespero como se fossem colocar parte dos pulmões e das amigdalas pela boca, Uns realmente tuberculosos, mas a grande maioria apenas com aquela tosse seca, sem catarro e sem sentido. A farmacêutica da esquina que resolveu (sabe-se lá por quê) fazer o papel da boazinha até que tenta evitar que esses pobres 'condenados da terra',
 -  para conseguirem uma mísera receita -  passem o resto do dia nas filas dos sucateados ambulatórios e ela mesma então, lhes prescreve um ou outro xarope, um ou outro anti-alérgico e os manda para casa abraçar-se a suas velhas, tomar uma sopa de inhame e preventivamente, pedir perdão dos pecados... 
Um desses velhinhos, meu conhecido e quase um exegeta, depois de uma dessas crises de tosse que lhes dizia, olhou para a terra tórrida e para o sol que se punha e entre rosnadelas que só os velhos ilustrados sabem fazer, relembrou este absurdo (bíblico) que diz respeito à praga das pústulas e que deveria envergonhar a todos os charlatães de plantão e a todos os supostos teístas:  "O Senhor ordenou a Moisés e a Arão que enchessem suas mãos de cinzas e a jogassem para os céus. Assim o fizeram e as cinzas se transformaram em úlceras em todo o Egito, tanto nos animais como nas pessoas..."
Perguntou-me, com olhos de cólera: Quer mais? 
Deu uma bengalada na árvore mais próxima e saiu debatendo-se no farfalhar do véu da morte... e tossindo no meio de 
uma sequidão fdp.


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