Quem conseguiu chegar vivo até o Museu Nacional dos Correios neste final de semana ficou surpreso com a exposição: Correios, um diálogo com Vilém Flusser. E digo (quem conseguiu chegar vivo) porque aquele território aos domingos pela manhã parece um bairro do inferno. Antes de conseguir entrar no prédio da exposição - por exemplo - assisti uma briga entre dois travestis que foi o máximo. O mais alto, esquelético, afetado e fantasiado de mulher espancava um mais baixinho, com uma mochila às costas, cara de gigolô e olhar de bandido. Chutes, coices, palmadas, mordidas, pauladas, gritos, maldições, choros, queixas, abraços, arrependimentos, enrabações momentâneas. Depois de um determinado tempo, já cansados, pareciam duas galinhas de briga nos estertores finais de uma batalha. Já não conseguindo mais nem ficar em pé veio a apoteose, com os dois de joelhos, um com as duas mãos no pescoço do outro e com a pausa suficiente para lamberem-se mutuamente a baba num arremedo de beijo. Durante todo o tempo da peleia parecia eminente o surgimento de um canivete ou de uma navalha entre eles. Mas não. Foram até a exaustão total apenas valendo-se da histeria, dos punhos, das unhas e das palavras. Depois o silêncio. Um deles caído como morto e o outro fugindo trôpego e desesperado...
A exposição em si não tem nada de especial (alguns objetos-máquinas-relógios-balanças, carruagens antigas e quase primitivas relativas ao envio, transporte e recebimento de correspondências, e só), mas o fato de terem associado o texto do Flusser a este evento quase burocrático foi interessante. Todo mundo conhece Flusser e seu livro A escrita, onde o filósofo tcheco dedica um capítulo às cartas e a atividade postal, um dos mais remotos meios de comunicação. {Eu desconheço - citação de Flusser grudada à parede - se já se desenvolveu alguma filosofia por meio da troca de cartas. Ela deveria partir de uma análise do esperar. Cartas são coisas por que se esperam ou chegam inesperadamente. Naturalmente, esperar é uma categoria religiosa: significa ter esperança. O Correio fundamenta-se no princípio da esperança}.
OBITUÁRIO: Flusser morreu em Praga, em 1991, num acidente de automóvel depois de fazer uma conferência.
A exposição em si não tem nada de especial (alguns objetos-máquinas-relógios-balanças, carruagens antigas e quase primitivas relativas ao envio, transporte e recebimento de correspondências, e só), mas o fato de terem associado o texto do Flusser a este evento quase burocrático foi interessante. Todo mundo conhece Flusser e seu livro A escrita, onde o filósofo tcheco dedica um capítulo às cartas e a atividade postal, um dos mais remotos meios de comunicação. {Eu desconheço - citação de Flusser grudada à parede - se já se desenvolveu alguma filosofia por meio da troca de cartas. Ela deveria partir de uma análise do esperar. Cartas são coisas por que se esperam ou chegam inesperadamente. Naturalmente, esperar é uma categoria religiosa: significa ter esperança. O Correio fundamenta-se no princípio da esperança}.
OBITUÁRIO: Flusser morreu em Praga, em 1991, num acidente de automóvel depois de fazer uma conferência.
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